Arte e Cultura

Globalização: Contra a Cuca Voraz, só o Curupira “Pé Prá Trás”

As diversas mitologias estão cheias de “bichos-papões”; seres devoradores de pessoas: Cronos, Minotauro e tantos outros. O da nossa mitologia é, muito significativamente, alienígena. Bem pior do que devorar pessoas, entretanto, tem sido a tendência a “devorar” as expressões culturais regionais, como vem ocorrendo com o processo denominado “globalização”. Pensando bem, a expressão grifada implica uma redundância: as manifestações culturais, assim como as grandes obras de arte, têm sua origem sempre em formas de expressão regionais. Ou alguém acha que a inspiração cai do céu sobre as “torres de marfim” onde se exilam alguns intelectuais?

Dirão alguns: “E as grandes obras musicais (do período barroco, principalmente de Bach, Haendel, Telemann, Vivaldi e outros), que são, antes de tudo, europeias? Sim, esses grandes gênios foram verdadeiros europeus. Mas…como “beberam” nas danças regionais… todas com raízes pagãs, diga-se de passagem! E como as respeitavam! Todo grande artista somente o é porque se expressa e “fala” por um povo e cultura!

Pobre Europa dos nossos dias! Ouvimos, de uma amiga sueca—engenheira de patentes e funcionária da UE—que, certo dia, quando se aproximava um 21 de junho, ao falar da festa popular que a aguardava em seu país (“MIDSOMMERAFTON”), percebeu uma enorme surpresa em seus colegas: não tinham sequer idéia do que se tratava. Pior, entretanto, foi a reação debochada dos demais europeus à descrição da festa—também de origem pagã—em saudação ao solstício de verão. Havia, certamente, naquele deboche, inveja por algum valor perdido. Mas que poder destrutivo podem ter o deboche e o cinismo! Houve um tempo em que, por toda a Europa, nessa mesma data, centenas de pessoas se reuniam para louvar a vida e a força da natureza com música, dança, bebida, sorrisos e alegria! Na Suécia, a Igreja teve a sabedoria de a incorporar e, hoje, talvez seja a maior data do país. Há muito a prender com aquele país!

Entre nós, os riscos da “globalização” sofrem de um agravante e uma coincidência: umaa rede de comunicação que domina muitas áreas da nossa vida, e que tem agido como se fosse o único critério de valor. Sua importância, e até competência (em certas áreas) são inegáveis. É impossível pensar o Brasil sem pensar no papel da “Rede Globo”. Inaceitável, porém, é que essa importância sirva como uma espécie de “água sanitária” sobre as pequenas manifestações regionais, verdadeiras fontes da CULTURA em geral. O resto é uma pasta amorfa e “globalizada de neon”. Inaceitável, foi seu ataque (veiculando inverdades) a uma singela jornada musical amadora, que se realizaria em pequenas praças de STeresa, durante um domingo de jul/2011. Falaram em violência, drogas e no impedimento do direito de ir e vir dos moradores. Esqueciam-se de que, no Natal anterior, promoveram, junto à Prefeitura, o fechamento de Copacabana, até mesmo a seus moradores, em função de um Show: um lobo, bebendo água no alto de um morro, grita para um cordeiro, lá em baixo: “Pare de beber! V. está sujando a minha água!!!”? Por falar em água, dizem que, em função do “Rock in Rio” (“É o cac…!”), até a água dos moradores da região teria sido desviada para lá.

O primeiro esforço de globalização, no sentido da imposição de uma cultura que extermina as demais, partiu de Roma. Até então, as dominações Persas, Egípcias e outras, haviam respeitado as expressões culturais e religiosas dos povos conquistados. A conquista da Germânia, entretanto, teria que esperar pela Igreja Católica (Carlos Magno¹), a “grande herdeira” daquele Império. Hoje, com a descoberta dos avanços que os povos “bárbaros” tinham já alcançado—ao lado de um melhor conhecimento dos procedimentos adotados pelos romanos—pensa-se que, se havia bárbaros, eles estavam mais nas falanges do que nas florestas.

Também a nobreza européia era, digamos assim, “globalizada”. Além dos casamentos entre herdeiros de diversas linhagens, respeitavam códigos e leis apenas entre nobres (contra os gentios, na maioria das vezes). Havia, sim, muitos reinados, mas Império mesmo, somente com a bênção da Igreja e através do massacre de outras culturas. Tudo em nome de Deus, é claro! Muitos séculos e guerras depois (até as de extermínio, no séc. XX)…. Todos conhecem os efeitos do desrespeito às diversas culturas. A “globalização” é a última herdeira desse mesmo espírito imperial.

Hoje, a Europa mais se parece com um “Frankenstein”, apertado em uma camisa de força chamada Euro e caminhando para uma “balcanização” financeira. Nenhuma “União” haverá de ser bem vinda se não respeitar a cultura de cada região. Somente assim, pode gerar respeito mútuo. Onde as finanças falharam, a cultura há de ser bem sucedida. Cada vez mais, torna-se claro que a criação da UE foi em função de uma estratégia geopolítica de blocos de influência. GEOPOLÍTICA, aliás, é uma palavra que transpira hegemonia e guerra. Por isso, deveria soar como palavrão aos ouvidos das pessoas ligadas à cultura.

A última manifestação daquele espírito imperial (é mesmo difícil dele se livrar), foi o veto do Vaticano à entrada da Turquia no “seleto clube” restrito a cristãos. Nada menos cristão! Expulsaram todos os “não cristãos” da Europa e, agora, dizem que a Europa é somente cristã! Quem sabe se, onde falhou a “U. Européenne”, não há de ter sucesso uma “Union Europaïenne” (“Europagã”)? Sem desmerecer a herança cristã, estamos convencidos de que um dos maiores desafios do mundo moderno é o resgate da diversidade pagã. Que sejam respeitadas todas as pequenas manifestações culturais! Que todos os “Deuses retornem do Exílio” (H. Heine)!

¹Quando C. Magno soube que os povos germânicos faziam seus rituais em torno de um enorme e centenário carvalho, considerado sagrado, fez do seu abate um objetivos para conquista e “catequese cristãs”. Aliás, onde estão as árvores do Vaticano? Parece que não gostam muito da natureza. Não nos enganemos: quando alguns grupos condenam o desmatamento e sugerem a internacionalização da amazônia, são movidos a cobiça. Foram eles que acabaram com todas as florestas. Agora, começaram até a explorar petróleo nos polos e na Groenlândia! A ganância deles não conhece limites. Se há quem possa fazer um caminho diferente, somos nós. Afinal, temos ou não um CURUPIRA inspirando a preservação da natureza? E, se o progresso que nos oferecem passa por destruição, melhor talvez seja mesmo “inverter os pés”.

Márcio Amaral, vice-diretor IPUB-UFRJ, Prof. Adjunto UFRJ e UFF

1 Comment

  1. Muito bom o artigo. Surpreendente. Da para debate-lo por horas e, por ter se passado seis anos, comparar aos dias de hoje, às mudanças politicas, sociais e culturais em proporções globais.

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