Arte e Cultura

A ELITE DO ATRASO: OS DOIS GUMES DA “EDUCAÇÃO”!

(De como a EDUCAÇÃO—mas também a PSICOLOGIA*—pode ter um uso para o mal)

Márcio Amaral, vice-diretor IPUB

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“Uma das mais típicas festas suecas é a “STUDENT”, quando da conclusão do curso secundário. Os fazendeiros da região fornecem seus tratores, caminhões que são enfeitados e levam os estudantes em caravana por toda a cidade que simplesmente para homenageá-los. É herança antiga, e mais uma demonstração da não separação entre as várias atividades de uma sociedade: a ligação da atividade intelectual com a vida de um povo na sua produção de riquezas.”

Se há um discurso quase universal, repetido à ESQUERDA e à DIREITA, é o de que “somente através da EDUCAÇÃO se podem resolver os graves problemas das sociedades”, etc. Eu, que sempre desconfiei desse discurso, agora estou mais certo do que nunca: ele implica (como de hábito) desprezo pela gente mais simples, pobre e ignorante dos povos em geral disfarçado de “generosidade caridosa”. O último movimento desse tipo de fala é fazer coro com Pelé: “O povo não sabe votar“. Nessas situações, sempre me lembro de que o povo tomado como referência para a cultura ocidental (o grego) era constituído de uma imensa maioria de analfabetos (segundo Nietzsche). Por isso, suas principais expressões artístico/culturais eram eminentemente ORAIS: Teatro, música (dança). Até a maior parte de sua filosofia foi produzida sob a forma de DIÁLOGOS. Além disso, os próprios RAPSODOS (reunidos sob o nome de Homero) eram analfabetos, repetindo de cor seus versos que, um dia, outros escreveram. A palavra alemã para poeta: “DICHTER” (aquele que dita, referência a partir também de NIETZSCHE) é uma ilustração do que aqui se afirma. Transpondo essas observações para o nosso caso: a resistência da gente mais simples do nosso povo contra as manipulações eleitorais promovidas pela G. MÍDIA e por membros da JUSTIÇA; e o fato de pessoas com mais escolaridade estarem revelando intenção de voto em grande percentual em candidatos que fazem apologia da grosseria e da barbárie, levam-nos a, no mínimo, relativizar aquele discurso.

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A “INFERIORIDADE” EDUCACIONAL BRASILEIRA DESDE NOSSAS ORIGENS

Tem-se dado muita importância ao fato de Portugal ter feito um esforço concentrado na NÃO EDUCAÇÃO formal de nosso povo: ausência de escolas, Universidades e proibição de livros e imprensa até início do séc. XIX. Nesse ponto estivemos atrás dos demais povos das Américas nos quais esse processo educacional se iniciou bem antes. Nem preciso dizer que isso é tomado como um dado fundamental para nossa ‘”inferioridade” no que se refere à generalização da escolaridade. Como tenho o hábito de olhar tudo pelo seu oposto (ou avesso) e tomando como referência a longa citação de Nietzsche quanto aos perigos da educação formal como foi promovida na Europa ( ver texto anterior desse blog), suponho que aquele longo período de não “intervenção escolar”** na nossa cultura teria servido para sedimentar e reforçar essa cultura, de maneira resistir e se afirmar quando os processos educacionais FORMAIS tiveram seu início. Infelizmente, a regra entre educadores era a de se insurgir atacar e debochar das manifestações culturais. Por outro lado, a gente simples se vingava debochando do papel das escolas criando até expressões como: “isso não se aprende nas ESCOLAS” associada às lições mais importantes para a vida. A própria expressão “ESCOLA DE SAMBA” me parece ter conteúdo irônico (não uma submissão ao conceito, como querem alguns), como a dizer: “é aqui que aprendemos o que verdadeiramente importa”.

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MENOSPREZANDO O TRABALHADOR BRAÇAL…ou MANUAL!

“Os filhos dos trabalhadores precários, sem os mesmos estímulos ao espírito; que brincam com o carrinho de mão do pai, servente de pedreiro, aprendem a ser, efetivamente e pela identificação com quem amam, trabalhadores manuais DESQUALIFICADOS” (“A Elite do Atraso“, pág 88); “Produz-se (!), nesse contexto, seres humanos com carências cognitivas, afetivas e morais, advindo daí sua inaptidão para a competição social” (pág. 100).

…Sei que amanhã, quando acordar/Ouvirei o martelo do ferreiro/Bater corajoso o seu cântico de certezas.” (“O Martelo” M. Bandeira)

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Mais uma vez…é a LINGUAGEM utilizada aquela que denuncia as tendências mais profundas de uma pessoa; algo bem para além (ou para aquém) daquilo que ela mesma julga ser ou pensar! Há sim, naquelas palavras de Jessé, uma DESQUALIFICAÇÃO da gente mais simples dos povos e também do trabalhador braçal em geral; aqueles que constroem nossas casas, erguem paredes e criam tetos para nos proteger a todos. Como ignorar as cantigas de trabalhadores?

As cantigas lavam as roupas das lavadeiras/As cantigas são tão bonitas, que as lavadeiras/Ficam tão tristes, tão pensativas!/As cantigas tangem os bois dos boiadeiros…” (Jorge de Lima).

Quem sabia que CARTOLA, o mais refinado de todos os poetas da nossa música (arrisco-me a dizer) foi pintor de paredes e que seu apelido deriva de seu hábito de criar um chapéu de jornal (à maneira dos pintores) mais se parecendo com uma…cartola? Mas também, certamente, por algum sentimento profundo de dignidade logo identificado e reconhecido por seus colegas: aquela que não precisa de pompa ou artifícios, pois vem da consciência profunda de seu próprio valor. Uma coisa é certa: palavras como as de Jessé, funcionam como uma “mortalha caridosa”. Nada de bom pode derivar do achatamento dos espíritos: “SURSUM CORDA“, “Elevai os corações”! E nem importa se há ali alguma “verdade” ou não. O que mais interessa em um juízo qualquer, não é se ele é verdadeiro ou não, mas se ele injeta mais vida na vida; se é edificante (a partir de Nietzsche em “A Verdade e a Mentira no sentido Extra-moral”). Todos os “prisioneiros da verdade”, aqueles que tudo reduzem a uma falsa racionalidade, entraram em decadência.

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HAVERIA CASTAS FIXADAS GENETICAMENTE? QUE FALTA FAZ P. FREIRE!

Considerando que os trabalhos manuais (ou braçais) são imprescindíveis em qualquer sociedade e que alguns deverão a eles se dedicar, mesmo na sociedade mais evoluída e de perfil SOCIALISTA, fica a PERGUNTA: isso implicaria alguma INFERIORIDADE naqueles que as exercem? Haveria CASTAS pré determinadas? Teriam alguns (aqueles que não querem mais estudar) nascido com alguma tara ou inferioridade, independentemente da classe social em que nasceram? Tenho um excelente “posto de observação” sobre o tema: sou pai de 2 suecas (27 e 21 anos) e lá vou anualmente. A família na qual nasceram tem: médicos, enfermeiros, mecânicos de bicicleta, a. sociais, garçons, engenheiros, carteiros…e todos se reúnem sem qualquer sentimento de superioridade/inferioridade. Nas escolas suecas aprendem-se a cozinhar lavar, passar, além de trabalhos de marcenaria e outros. E a grande comemoração social/familiar ligada a uma diplomação estudantil é feita—por todas as cidades, com bandas e desfiles—quando da completude do curso SECUNDÁRIO e não de um “superior” (já uma aberração em termos). É provável que esse discurso tolo (de Jessé e outros) termine por ganhar algum efeito deletério até por lá também, mas não acredito. As teses de P. Freire que mais me impressionam são exatamente aquelas que acabam com a dicotomia entre trabalho intelectual e manual, desenvolvidas especialmente em seus trabalhos na ÁFRICA. Uma pessoa que não faz nenhum trabalho braçal/manual é um DEFICIENTE.

……………….CONTINUA

*Há aquela psicologia que investiga e espicaça o amor próprio das pessoas para, através da auto observação crítica, crescer tomando cada vez mais posse de si mesmo. Mas há uma outra, exercitada nos porões do poder, que estuda como controlar melhor as mentes, principalmente através da manipulação LINGUÍSTICA: os trabalhadores se “tornaram” “colaboradores” e são convidados da “participar do nosso time”. Sabem aquele discurso: “tudo depende de você e da sua própria determinação”? Ele atinge a dois objetivos: 1- o que fracassou fica desmoralizado e não olha para as condições sociais; 2- o que venceu tende a deles se afastar deixando de exercer uma liderança que poderia ELEVAR E ARRASTAR os demais para um sucesso coletivo.

**A intervenção mais conhecida foi muito respeitosa, a de J. de Anchieta (e outros jesuítas) que falava com perfeição o tupi, do qual chegou a escrever uma gramática.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

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