Temas e Controvérsias

AS EVIDÊNCIAS E O REFLEXO CONDICIONADO (RC)!

(A Razão surgiu da libertação do RC; a Ciência...das EVIDÊNCIAS)

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“Os homens procedem como os (animais) irracionais quando agem somente a partir de suas percepções e da memória (há aqui quase uma definição de RC). Assemelham-se ao médico empírico que só tem a prática sem teoria. Em 3/4 de nossas ações somos exclusivamente empíricos. Por exemplo…quando esperamos que haja dia amanhã somente pelo fato de, até hoje, ter sido assim…”* (GW Leibniz “A MONADOLOGIA“)

Leibniz 1
GW LEIBNIZ- 1646-1716

NOTA: Eis aquele que considero o mais importante pensador de seu tempo! E como foi negligenciado! O silêncio que se fez em relação à sua obra tem três razões principais: 1– ter ele discorrido sobre temas incompreensíveis para seus contemporâneos (a relatividade do tempo e espaço, por exemplo, contrariamente ao que dissera Newton para quem eram grandezas absolutas) e para os assim chamados “ILUMINISTAS” muito práticos que se seguiram; 2– ter desbancado todos os empiristas ingleses, especialmente o muito mecânico e endeusado NEWTON (e como o muito raso e debochado Voltaire atacou Leibniz em suas sátiras!); 3- ter sido ignorado por KANT que se valeu de muitos dos seus conceitos sem o reconhecer**. Em relação ao nosso tempo, não é por acaso, a tal “Medicina Baseada em Evidências” tem também inspiração inglesa: o “eterno reino dos empiristas crônicos”…Naquela ilha, estão sempre tentando reduzir a complexidade da natureza e da vida em geral ao mecanismo e às limitações e estreiteza de suas próprias mentes.
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Antes de tudo, há que explicar a afirmação peremptória no sub título. Que a RAZÃO tenha surgido em função da libertação/superação do RC é apenas uma hipótese; daquelas que nascem condenadas a continuar eternamente… hipótese: sem qualquer esperança de ver submetida a alguma testagem. Mas é uma hipótese muito interessante. Sem dúvida, superar o RC representou uma LIBERTAÇÃO. E, por isso mesmo, um enorme salto para a RAZÃO. Afinal, e no início, todos os animais estiveram como que a ele escravizados. Sempre imagino um animal mais evoluído (aprisionado em gaiolas, é claro) pensando, diante das campainhas de PAVLOV: “Lá vem o velho PAV..de novo com essas campainhas! Vamos ver o que ele tem prá me dar depois! Vou fingir que acredito só mais uma vez!”. E dizer que há tantos seres humanos sendo manipulados por uma MÍDIA cuja “psicologia” é toda voltada ao “COMO MANIPULAR ANIMAIS QUE SE JULGAM RACIONAIS”! Agora…uma coisa é absolutamente certa: o espírito científico entrou em “trabalho de parto” no dia em que a mente humana não aceitou como VERDADE aquilo que aparecia na superfície, os fenômenos!Afinal a própria palavra INTELIGÊNCIA deriva de “intro legere”: ler dentro das coisas. Que ainda existam pessoas, posando de sérias e se dizendo cientistas, fazendo apologia das EVIDÊNCIAS em medicina, é de surpreender. Já para gestores de políticas públicas…é muito razoável.
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E AS EVIDÊNCIAS? COMO ENTRAM NESSA DISCUSSÃO?
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“O conhecimento das verdades NECESSÁRIAS e eternas….nos distingue dos simples animais e nos permite alcançar a RAZÃO e as CIÊNCIAS. É o que denominamos Alma racional ou Espírito…é ainda pelo conhecimento das verdades necessárias e suas abstrações que nos elevamos aos ATOS DE REFLEXÃO; fazendo-nos pensar no que se chama o EU e considerar se isto ou aquilo também está em nós” (GW Leibniz, idem).
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“EVIDÊNCIAS”….! Nunca um cientista digno do nome se satisfez com elas. Muito pelo contrário, TODOS tiveram a capacidade de INTUIR forças subjacentes e determinantes daquilo que APARECIA aos olhos que se contentavam apenas com o que saltava aos olhos…as EVIDÊNCIAS (prefixo “E“, para fora). O mais curioso é que os médicos que se dizem “basear em EVIDÊNCIAS” referem-se aos demais (os clínicos em geral) como pouco criteriosos e sem preocupação em sustentar suas condutas nos fatos…sempre muito evidentes, é claro. E o que mais usam como instrumento para sustentar, eles mesmos, as suas próprias condutas e teses? A EPIDEMIOLOGIA e o saber constituído. Ocorre que a epidemiologia (de que gosto muito, aliás), em PRINCÍPIO, baseia-se em observações do passado; visando orientar decisões do presente/futuro e nisso não há nada de espírito de INVESTIGAÇÃO propriamente dito. É prudente? É prático? SIM! Mas daí a gerar conhecimento, vai uma distância. Afinal, a epidemiologia, usada dessa forma, torna-se o “REINADO DO EMPIRISMO” com suas muitas certezas um tanto tolas, especialmente se tratadas como ABSOLUTAS: o que vai acontecer amanhã será muito parecido ou igual ao que aconteceu ontem. Convenhamos: visando orientar políticas públicas, tudo bem. A possibilidade de acerto há de ser bem maior. O máximo que se consegue assim é reforçar algum conhecimento prévio (ou—quem sabe?—reproduzir velhos erros).
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O FUTURO HÁ DE SER TÃO DIFERENTE DO PASSADO!!
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Leibniz2Com relação à previsão do futuro a partir do passado, basta que olhemos para a natureza, a partir de uma escala geológica de tempo (poderia dizer CÓSMICA, mas fiquemos só no terra a terra), para termos certeza: na Terra e no Universo, o futuro será MUITO diferente do que é hoje. Mas tudo isso “é muito teórico”, diriam os “Reis das EVIDÊNCIAS”. Tudo bem! Desçamos para o dia a dia. Se há algo irrespondível é a consideração: quando tomamos como VERDADE somente aquilo que repete o já conhecido—é assim que se caracteriza uma EVIDÊNCIA: através de confirmações—ficamos rodando em círculos, incapazes de desenvolver novos conhecimentos sobre novas situações. Além disso, nesse caso, partimos necessariamente do princípio e que o conhecimento prévio é sempre confiável e o melhor. Aprisionado a esse modelo, qualquer um que se deparasse com um dado novo (daqueles que podem abrir uma linha de investigação) tenderia a descartá-lo. Afinal, não estaria conforme o esperado. Os perigos dessa mentalidade levada ao extremo são enormes. Volto novamente a dizer: para executar políticas públicas, tudo bem! Já para pensar e agir como cientista e investigador, quanta pobreza!
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*Já no séc. XX Popper discutiu o assunto em texto denominado: “O Problema de Hume“***. A rigor, o “problema” fora não somente equacionado como até resolvido por Leibniz quase 100 anos antes de D. Hume o discutir. Aliás aquela crítica do grande alemão ao empirismo só se tornava um problema para as mentes empiristas renitentes. Bastava abandonar o empirismo, aceitando haver coisas para além da capacidade da mente humana abarcar, para que o problema se resolvesse. Mas, para isso, só deixando de ser inglês. O caso de Berkeley é ainda mais dramático. Aproxima-se da obra e dos conceitos de Leibniz, valendo-se até de um método muito parecido: um DIÁLOGO. Mas não o cita, nenhum inglês o cita. Como solução extrema parece desacreditar na própria existência de um mundo exterior, embora nunca o tenha afirmado, independente da sensação/percepção. Os ingleses têm horror a LEIBNIZ, certamente muito mais por seus acertos do que por erros eventuais. O fato de tentarem desconhecer sua obra é uma comprovação. Se lá encontrassem erros de fundamentação teriam se apressado em demonstrá-los.
**E como Kant adula os ingleses em sua obra (Hume, principalmente). Talvez temesse sofrer os mesmos ataques que levaram Leibniz a ser totalmente abandonado nos seus últimos dias.
***Sabem qual o “grande problema” de Hume? Em verdade, são 2 como se podem ver em afirmações que não depõem muito bem a seu respeito: “…Quando uma dada espécie de acontecimento acompanha sempre e em todos os casos a uma outra, já não temos escrúpulo de predizer uma ao acontecimento da outra…”; e também: “…todas as nossas ideias são simples cópias de nossas impressões… Tratei de explicar e provar essa proposição…”. (D. Hume, “Investigação Sobre o Entendimento Humano”). Essa última é a base do EMPIRISMO e LEIBNIZ já a refutara totalmente em discussão com LOCKE: “Pois se até para esculpir algo em uma pedra de mármore o escultor precisa estudar os seus veios, sulcos, consistência, para ver se é adequada aos seus fins…!”. Quanto mais para seres tão complexos como nós e…os mamíferos em geral.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ