Temas e Controvérsias

BIPOLAR 1, 2, 3…: uma mistificação?

Questionado, em aula de graduação, quanto a uma paciente sofrer de T. BIPOLAR 1 ou 2, embatuquei. Fiel àquela sequência progressiva, que a razão humana aprecia, na qual cada etapa é intimamente ligada à anterior—1-FENÔMENO– (observação e descrição); 2-CONCEITUAÇÃO; 3-DENOMINAÇÃO (nota abaixo)—tenho uma resistência quase insuperável para registrar nomes que não dizem nada e, mais ainda, para numerações, quase sempre artificiais. Até para o diabetes, preciso parar e me lembrar qual seria 1 ou 2. O que dizer, então, dos antigamente chamados “alcoolismos alfa, beta, gama?! Espera-se que os nomes não sejam arbitrários e digam algo sobre aquilo que buscam denominar.

Passando da discussão da denominação ao conceito, fui estudar o tema mais a fundo, e de maneira mais crítica, para verificar se a subclassificação proposta corresponderia aos fenômenos, ou se atenderia apenas a um capricho (ou exercício intelectual ocioso e inútil) de alguém. Nesse sentido, não bastaria, para sua justificação, a ocorrência de alguns casos com certas peculiaridades em comum. Seriam necessários, além de sintomatologia: epidemiologia e morbidade genética comuns; prognóstico semelhante e, PRINCIPALMENTE, diferenças nas condutas terapêuticas. Não sendo assim, podemos ter certeza de que qualquer proposta mais confunde do que ajuda. Só para exemplificar, a separação entre UNI E BIPOLAR correspondeu a uma necessidade clínica, impondo-se de maneira rápida. Já em relação à subdivisão seguinte…..

Em relação ao Bipolar tipo 2 (“predomínio” de depressão), mais complicação ainda: teria sido encontrada sua alta correlação com Ciclotimia e com Personalidades “Borderline“. Isso levou alguns autores à sugestão da expressão—totalmente inadequada e sem sentido—para sua denominação: Depressão Ciclotímica. Além disso, um outro estudo teria demonstrado que entre 25 e 55% dos classificados como UNIPOLARES, em verdade, sofreriam de BIP tipo 2 (p.1663), segundo um certo olhar viciado, em minha opinião. Para piorar as coisas, em alguns desses casos, a HIPOMANIA seria tão difícil de caracterizar que foi criada outra estranha expressão: “soft bipolarity” (p.1637). Isso me fez lembrar dos termos muito pouco claros e honestos “disritmia leve” (para algumas epilepsias) e “disfunção cerebral mínima” (para pacientes que, certamente, sofriam de TDA).

E dizer que a minha geração brigou tanto pela superação de termos com essas características! Agora, seu espírito retorna pela “boca/pena” de pesquisadores, com sua “autoridade” e naquele que é considerado o mais importante livro-texto em psiquiatria, no ocidente! Aqui talvez trabalhe apenas a tendência muito humana para “inflar” o que o interessado pesquisa, à custa de outros transtornos (Unipolaridade, no caso). Já estão defendendo até a existência dos BIP 3 e 4! Sem dúvida, os clínicos precisam se defender nesse “bombardeio”.

Em relação a uma possível transmissão genética mais específica, apenas uma referência vaga à tendência à transmissão de quadros parecidos entre parentes. Por fim, e o mais importante: NO CAPÍTULO REFERENTE À TERAPÊUTICA, NÃO ENCONTRAMOS REFERÊNCIAS À IMPORTÂNCIA DAQUELA SUBDIVISÃO.

Em todas aquelas expressões, muito artificiais e até erradas, vejo apenas uma tentativa de substituir o já consagrado ESPECTRO DOS TRANSTORNOS DO HUMOR, por um hipotético “espectro bipolar”, o que seria um contrasenso. A tese, que justificaria esse rearranjo da nosologia, seria a de que todos os pacientes sofrendo de transt. do humor seriam todos bipolares em potencial. Com isso, cairíamos no muito perigoso “acredite se quiser”, uma vez que seria absolutamente impossível sua testagem. E, se assim fosse, por que mudar o nome? Somente para atender à vaidade de alguém? Quem sabe, não descobriremos serem, em verdade, dois espectros (UNI X BIPOLAR) e não apenas um? Mas…deixemos de especulações ociosas. Que há pelo menos um espectro associado, disso não há dúvidas. Muito significativamente, o mesmo Akiskal sugere que sejam usadas cores (p.1634) para indicar os diversos cursos do transtorno. Como sabemos, a inspiração em relação ao espectro decorre exatamente da passagem da luz branca por um prisma, gerando as cores do arco-íris.

1- A etapa seguinte seria: “4- ELABORAcão DE UMA TEORIA”, de maneira a tentar explicar e correlacionar diversos fenômenos aparentados. Os gregos antigos costumavam colocar um deus no início de cada um desses processos. Era já uma tentativa unificadora. Embora não tenhamos encontrado registro, é irresistível associar a isso o termo THEORIA.