GLOBO E PAES: DECLARANDO “GUERRA BRANCA” À CULTURA CARIOCA!
(“ECONOMIA CRIATIVA”: UM REQUIEN PARA A CULTURA!)
Márcio Amaral
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No primeiro dia do ano, marcando o início da segunda gestão do Prefeito do Rio, “O Globo” fêz publicar artigo que deveria ser visto como uma espécie de declaração de “guerra branca” à cultura carioca e brasileira. Versava sobre uma certa “Economia Criativa”; trazia a assinatura de Ana Paula Souza (de Londres), mas servia como plataforma de um Secretário de Cultura (Sérgio Leitão) que parece estar sentado na cadeira errada. Sua declaração: “A Economia Criativa será o meu norte!”, mostra bem a serviço de que ele está. Não é preciso ser um professor de português para identificar ali uma confissão: A ECONOMIA É A SUA REFERÊNCIA! Já a criação…mero qualificativo desqualificante. Se fosse Secretário de Finanças, tudo bem! Essa gente, aliás, não tem qualquer idéia do que seja criação, no sentido cultural e artístico (quando muito, sabem registrar patentes). É natural, então, que tentem diminuir aquilo que não conseguem alcançar.
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AH!!! Mas o tal artigo trazia frases tão grosseiras e tão reveladoras, que, tenho certeza, todos se darão conta do perigo que esse Secretário representa para a Cultura, em geral, e carioca, em particular. Vejamos:
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1- “A partir de hoje, com a posse de Eduardo Paes, o Rio ADERE a um novo discurso no que diz respeito à politica cultural” .
Bem…o Rio não é “fita durex”, nem “absorvente” e, além disso, odeia ADERIR a qualquer coisa. Sofremos múltiplas influências, mas transformamos tudo em algo novo e nosso: muito carioca. Além disso,“aderir a um discurso” é uma confissão de SUBMISSÃO. Ainda bem que a articulista parece estar vivendo em Londres há um tempo suficiente para ADERIR à sua grosseria e falta de sutileza. Só assim, certas coisas foram ditas claramente.
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2- “..As indústrias culturais e criativas são o terceiro setor que mais emprega em Londres” . Somente um inglês poderia associar a CULTURA à indústria. Enquanto uma precisa ter a marca de uma individualidade—sintonizada com sua gente e sua história—a outra faz tudo em série, procurando por uma escala…industrial. Em relação a essa última, sim, tudo é “global”. A cultura, entretanto, apesar de sofrer influências diversas, só o é quando sintonizada com um povo e uma região.
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3- “A economia criativa BORRA as fronteiras entre economia e cultura…“. Obrigado, D. Ana Souza, por usar uma palavra tão expressiva e grosseira. Lida em separado, essa sentença mais se parece com uma crítica. Efetivamente, é exatamente isso o que acontece, mas…em prejuízo de quem? DA CULTURA, é óbvio. A senhora poderia ter sido bem mais sutil e utilizado outros verbos como: SUPERA, ULTRAPASSA, etc. Como, entretanto, seu texto é uma “BÔRRA”, as coisas ficaram bem claras para quem quiser ver.
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4- “Sua paternidade (da tal Economia Criativa) é dividida entre UNESCO e Reino Unido…mas quem cuida da criança é o Reino Unido”.
Considerando que “Frankenstein”, “Dr Jekill and Mr Hide” (o médico e o monstro), “Jack o Estripador”, o pedófilo estuprador, J. Saville (Cavaleiro da Rainha), a “Dama de Copas”, a Rainha Vitória…são todos “filhos da Inglaterra”, a tal criança estará em boa companhia.
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5- “O termo (em verdade a expressão) veio a REBOQUE do desejo de se retirar a cultura da margem (traduzindo: deixar de ser MARGINAL)eredefini-la...(como) empreendedorismo”
Mas que confissão grosseira! “A REBOQUE”..! Sempre que li essa expressão, foi em sentido crítico e pejorativo! Com defensores desse tipo a tal “Economia Criativa” não terá muito futuro. Além disso, desde sempre, os grandes criadores viveram um tanto à margem de uma corrente “niveladora”, daquelas que visam produzir pessoas em série e à maneira da indústria. É preciso lembrar que os Impressionistas, por exemplo, expuseram seus quadros nas calçadas, proibidos que tinham sido de expor nas Exposições? Ninguém, entretanto, expressou-o de forma tão dramática quanto V. Gogh: “Sendo uma criatura exilada, expulsa da sociedade, como você e eu—porque somos artistas—a prostituta é certamente nossa amiga e nossa irmã” (carta a E. Bernard, “Biografia de V. Van Gogh”, por sua cunhada) . Com a tal “Economia Criativa”, a muito invejosa formiga parece ter se cansado de tentar matar a cigarra de frio e fome e resolveu domesticá-la*.
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6- “O termo (Economia Criativa) tem viajado por todos os continentes…CABENDO em todos os lugares…A busca “GLOBAL” por um novo discurso…as sociedades têm diferentes modos de produção…O Banco Mundial destacou a importância do bens criativos…”. Pode alguém, lendo estas frases, achar que foram escritas em função da CULTURA? Considerando que toda a cultura se inicia através da linguagem (com os mitos de fundação), é na linguagem utilizada—para além da idéias—que se pode avaliar o tipo de referencial de pessoas e grupos. Que fiquem com a indústria e deixem a cultura em paz! Além disso, que horror aquele “CABENDO”, fruto de cabeças que cabem em “fôrma”.
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7- “…Governo e instituições tentam criar uma MÉTRICA capaz de mostrar o valor da cultura… A questão com a qual Sérgio Leitão terá que lidar até o J.Olímpicos é QUE CARA o Rio quer dar a esse conceito…”. A articulista se confundiu completamente, mas eu vou tentar traduzir suas palavras: como ela mesma não consegue captar a importância, subjetiva e fundamental, da CULTURA; como já se tornou inglesa a ponto de só alcançar o que é redutível a números, valeu-se da palavra MÉTRICA. Tendo, ainda, a mente estreita e delimitada de maneira a caber em pequenos “boxes”, está sugerindo o enquadramento da cultura carioca a partir de moldes forâneos. A cultura do Rio de Janeiro resistiu a muitas décadas de ataque frontal, será que sucumbirá à adulação?
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Por fim, quando até artistas de peso e tradição libertária, como G. Gil, declaram: “Hoje v. tem que competir…tem que achar seu espaço, ter oportunidade, palco, recurso financeiro público, promoção. Ou você se profissionaliza PARA VALER ou… desaparece” (O Globo, 02/12/12) é que a situação da cultura está mesmo difícil. Quando algum artista não teve que competir? Gil falando de ter oportunidade! De recurso público, não digo nada, pois parece que sempre dispôs deles. O que quis dizer com“se profissionalizar“? Já há muitas décadas que ele se profissionalizou, ou não? Mas é no “PARA VALER” que deve morar a questão. Tradução: formar uma grande “entourage” para, valendo-se de meios muito pouco artísticos e culturais, arrancar dinheiro público e se vender para a GMid. Tudo isso….para não desaparecer. Quem sabe Gil ainda se lembra do seu“Se eu quiser falar com Deus”?
“…Tenho que ficar a sós/Tenho que calar a voz/Tenho que ter as mãos vazias/Ter alma e corpo nus…/Tenho que aceitar a dor/Tenho que comer o pão/Que o diabo amassou…Tenho que subir aos céus/Sem corda para segurar…/Dar as costas, caminhar/ Decidido, pela estrada/ Que, ao findar, vai dar em nada…/Do que eu pensava encontrar…”. Em vez disso, talvez esteja vendendo a alma ao diabo.
*Fala-se muito na “moral das fábulas”! Essa, entretanto, é de uma imoralidade incomparável. Parece fazer a apologia do trabalho e da disciplina, mas apenas entroniza a inveja e vingança. Quanta inveja da formiga (pequeno-burguesa), prisioneira das suas contas do final do mês, para com a alegria e desprendimento da muito boêmia cigarra!
Belíssima crítica! Este discurso a favor do “pensamento global” parece estar impregnado em tudo que leio ultimamente.