Que o tema é delicado e que todos têm razões fortes, ninguém duvida. Por isso, o CREMERJ deveria ser, no mínimo, mais sensível aos clamores que começam a se levantar contra os seus excessos de “medicalização da vida”, especialmente em relação a algo que, internacionalmente, tem sido motivo para o desenvolvimento de práticas alternativas OFICIAIS. Nada disso se resolve em clima inquisitorial e com julgamentos sumários. Vivemos em uma sociedade e temos que estar com ela sintonizados. Como processaram colegas menos conhecidos, estavam na obrigação de abrir processo contra quem defedesse práticas parecidas. Dessa vez, o desgaste já é enorme.
Por que escrevo sobre o assunto? Porque fui mais do que testemunha de um nascimento em condições completamente diferentes das nossas: marido de uma parturiente que deu à luz na cidade de Gävle-Suécia. Acostumado a dispor, em uma sala de parto brasileira, de 3 ou mais colegas, tive a grande surpresa de ver que o único médico na sala era eu mesmo, e não estava ali para ajudar (talvez muito pelo contrário). Duas mulheres altas e fortes, enfermeiras especializadas da equipe do dia, conduziram todo o processo com habilidade e tudo correu muito bem. Figurante fui e me senti muito respeitado. Anestesia?! Apenas uma máscara de que a própria parturiente lançava mão quando quisesse.
Mas não era uma casa de partos ou uma residência! Tudo se passou em um anexo de um grande hospital. Todo o esforço, porém, era evidentemente voltado para diminuir o impacto das enfermarias ou hospitais. Ligando os dois prédios, uma passarela para um centro cirúrgico, caso necessário. Felizmente não precisei conhecê-lo, mas é fácil imaginar a diferença. Do lado de cá, um grande “hall” com uma ambientação quase residencial e algumas mulheres recém paridas, maridos e até crianças maiores (momentaneamente, pelo menos); quartos grandes para duas ou 3 parturientes: revistas, brinquedos e outras coisas muito humanas.
…..
Como, por lá, as pessoas não dispôem de empregadas e, por vezes, de parentes disponíveis, a parturientes poderiam ficar até uma semana, recebendo visitas com grande liberdade. Depois do parto e da preparação do recém nato, chamaram o médico e ele o submeteu aos exames obrigatórios. De qualquer maneira, era óbvio que a condução do processo não era dele. Poderia ter tomado tudo nas mãos, se necessário, mas não foi o que aconteceu. Seu papel foi de coadjuvante e sua atitude, em geral, muito discreta.
…
Há mesmo muitas coisas a aprender com aquele país que não costuma fazer muito alarde de suas conquistas. Só para fazer um registro aí vão algumas atitudes relacionadas à gravidez que muito me impressionaram: todos os serviços de saúde que verdadeiramente contam são públicos; saber o sexo do nenem antes do parto (essa curiosidade impertinente)? Só no exterior ou em alguma clínica privada. Comprar roupas e montar quartos?* Somente depois do parto. Há nisso uma humildade muito natural perante uma situação dramática (com possibilidade até de tragédia). Sabem, muito profundamente, que aquilo não é um espetáculo e nem um passeio. Com isso, evitam aquela dor um tanto para além da capacidade humana de ter que lidar com roupas que nunca serão usadas.
…
Mas talvez nem precisemos pensar nas situações mais trágicas! A superficialidade observada na abordagem do problema; a banalização do “marcar data para nascimento” e outras atitudes do gênero, certamente não ajudam a que as parturientes falem de seus dramas e, principalmente, da SUA AMBIVALÊNCIA MUITO NATURAL (e quase inevitável) em relação ao desejo tão acalentado. Como falar de ambivalências, se, à sua volta, todos lhe comunicam (das mais variadas formas) que você TEM QUE ESTAR FELIZ?Algumas outras verdades muito individuais (e não necessariamente individualistas) não demorarão a se fazer sentir. Melhor não tentar delas fugir. Se não se podem atribuir depressões e episódios psicóticos diretamente a esses fatores, eles certamente exercem seu peso.
*Verifiquei (jul/2012) ser esta uma prática corrente apenas em algumas famílias que conheci e não algo generalizado entre o povo sueco.