Arte e Cultura

SEIS CANÇÕES SOBRE POEMAS DE “OU ISTO OU AQUILO” DE CECÍLIA MEIRELES

Márcio Amaral
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cecíliaCompor canções sobre poemas, especialmente os de valor artístico já plenamente consagrado, exige alguns cuidados:
1- um sentimento profundo de estar como que desentranhando a música pré-existente no poema, embora existam muitas possibilidades.
2- em consequência, que a música tenha uma relação muito intima com o espírito que o teria gerado.
3- um respeito à própria inspiração e a eliminação de qualquer artifício.
Quanto à composição estar ou não à altura do poema, é coisa que somente o tempo poderá dizer. O primeiro direito de quem julga estar fazendo alguma arte é o de expor.
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Engana-se redondamente quem julgar que poemas para crianças tendem a ser superficiais ou pueris. Há poemas extremamente dramáticos nesse ciclo, entre os quais cito “O VILÃO E O VIOLÃO”: “…Vida de Olívia levada/Por um vilão violento/Violeta violada/Pela viola do vento…”

Cecília IIIgualmente dramático é o poema aqui apresentado “FIGURINHAS II”, no qual a morte e a saudade são temas principais: “…E Júlia e Maria e Amélia onde estão?…Em que altos balanços se balançarão” (aproveitando, aliás, trecho da canção de F. Schubert “Der Musensohn”, O Filho das Musas) .
Pelo menos em uma canção tenho certeza de que acertei (segundo aqueles princípios estabelecidos no início). Aquela que foi intitulada exatamente “CANÇÃO”. Todo o seu espírito é de um acalanto. A relação estabelecida entre o barco, o braço e o berço o comprovam. A canção que a mim inspirou foi exatamente um típico ACALANTO.
As gravações, do ponto de vista técnico, são bastante simples, mas suficientes para expressar aquilo que visam expressar.
Por fim, não posso falar de C. Meireles sem referir o poema que Bandeira fez em sua homenagem: “Cecília, és libérrima e exata/Como a concha/Mas a concha é excessiva matéria/E a matéria mata…”
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O Mosquito Escreve

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O mosquito pernilongo
trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo,
faz um S.

O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
faz um Q,
faz um U, e faz um I.

Este mosquito
esquisito
cruza as patas, faz um T.
E aí,
se arredonda e faz outro O,
mais bonito.

Oh!
Já não é analfabeto,
esse inseto,
pois sabe escrever seu nome.

Mas depois vai procurar
alguém que possa picar,
pois escrever cansa,
não é, criança?

E ele está com muita fome.

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A BAILARINA

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá
Mas inclina o corpo para cá e para lá.
—–
Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.
—-
Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.
—-
Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.
—-
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
—-
Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.
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LEILÃO DE JARDIM

Quem me compra um jardim com flores?
Borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?
Quem me compra este caracol?
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera?
Quem me compra este formigueiro?
E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?
(Este é o meu leilão.)
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Figurinhas II

Onde está meu quintal
amarelo e encarnado,
com meninos brincando
de chicote-queimado,
com cigarras nos troncos
e formigas no chão,
e muitas conchas brancas
dentro da minha mão?

E Júlia e Maria
e Amélia onde estão?

Onde está o meu anel
e o banquinho quadrado
e o sabiá na mangueira
e o gato no telhado?

– a moringa de barro,
e o cheiro do alvo pão?
E a tua voz, Pedrina,
sobre o meu coração?
Em que altos balanços
se balançarão?

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CANÇÃO

De borco
no barco.

(De bruços
no berço…)

O braço é o barco
O barco é o berço.

Abarco e abraço
o berço
e o barco.

Com desembaraço
embarco
e desembarco.

De borco
No berço…

(De braços
no barco…)

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Pescaria

Cesto de peixes no chão.
Cheio de peixes, o mar.
Cheiro de peixe pelo ar.
E peixes no chão.

Chora a espuma pela areia,
na maré cheia.

As mãos do mar vêm e vão,
as mãos do mar pela areia
onde os peixes estão.

As mãos do mar vêm e vão,
em vão.
Não chegarão
aos peixes do chão.

Por isso chora, na areia,
a espuma da maré cheia.

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