Temas e Controvérsias

VALENTIM GENTIL “vs” LEGALIZAÇÃO DA MACONHA- I

(Mais perigosa do que álcool e tabaco? INACREDITÁVEL!)
Maconha
NOTA: trata-se de discussão da entrevista concedida pelo Prof. Valentim Gentil Filho ao jornal do UNIAD (Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas, jul-2019). Ver em:
Suas conclusões são OPOSTAS às obtidas pelo respeitado pesquisador David Nutt que, a partir de 9 parâmetros de riscos (physical harm, dependence’ and social harms), “revealed that alcohol or tobacco were more harmful than LSD, ecstasy or cannabis“. 
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O poder do moralismo é impressionante! Tolda até mesmo a visão de cientistas! Só isso pode explicar a afirmação do colega da USP:
“Álcool e tabaco são nocivos de outras formas, MAS não atuam nos receptores de canabinoides prejudicando a maturação do sistema nervoso central. A liberação do uso da maconha seria temerária e irresponsável….”
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À maneira dos religiosos moralistas, tendo sido eleito o “pior dos males” (o “INFERNO” a ser evitado: atuar nos receptores canabinoides) todos os demais males tendem a perder magnitude. Não importa que os causados por tabaco e álcool sejam absolutamente bem conhecidos e caracterizados; que atinjam a praticamente TODOS os sistemas do organismo humano; que seu uso provoque dependência e assim por diante (seria exaustivo desfilar esses males)! Nada disso importa tanto (para o entrevistado) quanto a SUPOSIÇÃO de que A magnitude dos efeitos nocivos da maconha ainda é subestimada”. Vamos ser coerentes no uso da nossa língua: um cientista que fala em subestimação está apenas SUPONDO que o futuro comprovará sua INTUIÇÃO de que os males (no caso) são muito maiores do que os já caracterizados. Já os males do tabaco e álcool…será que ainda há algum mais a descobrir? Efetivamente (e por falar em religião), a “CRUZADA” em que tantos colegas vêm se afundando não tem tido muito boa evolução! Acho bom que saltem logo desse barco.
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EIS QUE O MORALISMO SAI PELOS POROS…OU NARINAS!
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“…A maconha foi uma droga sem maior apelo até o final dos anos 1960…mais sedativa do que estimulante…malcheirosa; usada por pessoas sem maior visibilidade social…” 
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É bom lembrar: entre essas pessoas irrelevantes quanto à “visibilidade social” encontravam-se apenas uma boa parte dos artistas e protagonistas de uma das maiores revoluções culturais que o mundo já testemunhou! Eu, que era também (à época) um adolescente moralista; que tive um irmão mais velho se afundando na maré na qual tantos conseguiram se afirmar, conheço muito bem essa sensação/sentimento do “malcheiroso”! Mas não há nada mais relativo do que o sentimento do “bem e do mal” associado ao efeito de certas sensações. E esses são tão dependentes dos julgamentos morais e dos reflexos um tanto condicionados dos quais não estamos livres de todo! Em resumo: não há julgamento universal quanto ao cheiro e há pessoas que adoram aquele cheiro! Valentim está dizendo apenas que tudo o que cerca essa “coisa horrível” lhe causa aversão visceral. Tudo bem…ninguém está livre disso e a mim o cheiro também não agrada. Mas é esperado que psiquiatras valorizem mais um outro aspecto: por trás do cigarro e da fumaça há pessoas a acolher.
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Sua visão está tão toldada pelo moralismo que chega a acusar as pessoas envolvidas na luta pela liberação uso medicinal dos canabinoides exatamente daquilo que moveu o uso de tabaco e álcool no mundo*: O principal motor para a ampliação do seu uso (canabinoides) hoje é o interesse comercial”. Não! O que se passa é exatamente o contrário: as pessoas estão comprando no exterior, e por preços exorbitantes, medicamentos que poderiam ser produzidos aqui a um custo muito menor. Mentes com malícia parecida com a do entrevistado poderiam lhe fazer a mesma acusação: a defesa de interesses escusos, mas não precisamos levar a discussão para esse terreno. Dizer, por exemplo, que: “O uso ‘medicinal’ tem sido o álibi** para a liberação do uso recreativo, conforme fartamente documentado” além de pouco honesto (afinal, como é possível documentar um mero julgamento malévolo sobre a conduta de alguém?) trata-se de um esforço de desqualificação do adversário…o que também não é muito honesto do ponto de vista intelectual; além de primário, como toda sua argumentação, aliás.
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E ENTÃO MAIS CONTRADIÇÕES…ESCORREGADAS VERBAIS?
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Diante da pergunta quanto à segurança do uso medicamentoso do canabidiol, afirmou: “…É mais seguro do que usar preparações totais da Cannabis, do que usar o THC, e mais seguro do que os agonistas sintéticos do Sistema Endocanabinóide…”
Eis que de repente, não  mais que de repente, nosso entrevistado pareceu estar orientando como usar a substância que antes era apresentada como o maior dos riscos e perigos! Quem sabe ele não vai argumentar que (contrariamente ao que costuma fazer) aplicou uma espécie de “REDUÇÃO DE DANOS” à situação: “Já que o uso é inevitável, por favor tomem alguns cuidados; evitem os mais perigosos…etc.”? Seria uma atitude muito louvável! Depois do que dissera, entretanto, soa contraditório! Algo assim como orientar a tomada de um “veneno mais light”. Mas quero ver nisso um bom indício: a manifestação da mente do cientista tentando superar o moralismo; O INTERESSE DESPERTADO POR UM GRUPO DE SUBSTÂNCIAS que precisa ser estudado por cientistas, sem moralismos…apenas como um conjunto de substâncias cujo interesse é indiscutível!
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E A INDUÇÃO DE PSICOSES? “FÁBRICA DE ESQUIZOFRENIA”
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P- “Existe teste para saber quem tem predisposição à psicose?” 
R-“As drogas comprovadamente relacionadas com a esquizofrenia são Cannabis e metanfetamina.”
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Até que melhorou um pouco a abordagem! Em outros tempos, falavam que a liberação da maconha implicaria uma “fábrica de esquizofrenias”. Era uma aberração lógica e epidemiológica. Como ele mesmo diz, até os anos 1970, havia um uso de pouca monta e “periférico”. Depois disso, veio uma onda de uso impressionante. A ser verdadeira aquela afirmação, deveríamos ter testemunhado uma elevação das taxas de esquizofrenia sem paralelo na história nas décadas seguintes. ELEMENTAR. Definitivamente, não foi o que aconteceu. Muito pelo contrário, com os critérios mais restritivos aplicados pelo DSM-III (1980), o que se verificou foi exatamente o contrário: muitos diagnósticos para a doença foram revistos e suas taxas baixaram (somente por melhores critérios). Além disso, a pergunta foi por “PSICOSE”, o que me parece muito mais cuidadoso. Já a resposta… Curiosamente, o professor tratou as 2 como sinônimos, coisa que só os pouco versados na área fazem.
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*O maior problema associado às assim chamadas drogas se deveu exatamente por conta da percepção de lucro e indução de uso por parte de grandes corporações. Praticamente todas eram usadas com fins ritualísticos e APENAS em situações muito especiais: cachimbo da paz; cortejos de Baco e tantos outros. Sendo assim, não venham com hipocrisia! A substância que aqui discutimos pode inaugurar exatamente o contrário (sem fazer sua defesa): cultivo e uso próprio…sem intermediários.
**Como usam mal a palavra “álibi”! Significa apenas que uma pessoa provou estar em lugar bem diferente daquele em que algum crime se deu. Sendo assim, o uso feito aqui é totalmente ERRADO! Se tivessem usado aspas, melhoraria um pouco.
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Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ