Temas e Controvérsias

COMPOSTO “ANTI-ESQUIZOFRÊNICO”

ou As Especulações sobre Especulações

O Globo  (09/02/11) trouxe manchete que deve ter surpreendido todas as pessoas que lidam com as doenças mentais em geral, e com as esquizofrenias em particular. Aliás, há muito tempo não ouvíamos a palavra COMPOSTO para se referir a uma substância qualquer com um destino mais específico. A chancela do Inst. de Ciências Biológicas da UFRJ conferia ainda mais credibilidade à notícia, a ponto de os estudiosos da área terem aquele mal estar típico da súbita consciência de sua própria ignorância. Afinal, nas publicações específicas, não temos notícia de que algum “composto anti-esquizofrênico” esteja em fase de experimentação. A leitura do artigo, entretanto, mostrou haver ali apenas: uma observação gerando uma especulação sobre outra especulação, além da constatação de que as doenças mentais andam despertando muito interesse.

observação (a conferir) seria o papel dos flavonóides no estímulo às células-tronco durante sua diferenciação em neurônios. A partir daí, tudo foi especulação (um espelho diante de um outro espelho, e assim por diante). Deixando de lado aspectos muito práticos, quanto às vias e/ou meios de administração/implantação, por exemplo (e tantos outros), as especulações partem de um princípio que, hoje, está muito abalado em nossa área, o de que mais neurônios implicam melhor atividade mental: “…a formação de neurônios poderia ser usada para aumentar a memória em um cérebro já formado”. Aliás, falavam de cérebros danificados ou hígidos? Sabemos que entrevistas em jornal não são muito confiáveis, mas, numa época em que todos querem “aumentar perfomances”, seria bom especificar.

Em relação às esquizofrenias, há décadas se sabe da presença de atrofia pré-frontal, hipocampal e alargamento de ventrículos nessas condições. Apesar disso, não foi possível comprovar a ocorrência de alterações no número de células ou de densidade neuronal em diversas regiões do cérebro (K. Sadock, 2006, p. 45). Além disso, tem sido dada muita relevância à deficiência em uma certa “poda neuronal” que ocorreria predominantemente na adolescência, gerando um excesso de conexões esdrúxulas e prejudiciais. Para completar, vivemos a época da valorização do estudo de áreas estratégicas (muito pequenas e delimitadas), que fazem parte de redes muito complexas e cuja lesão—infartos estratégicos, por exemplo—pode causar graves deficiências. Restabelecer, nos dias de hoje, a relação direta: mais neurônios igual a melhor função, parece-nos um anacronismo grosseiro. Ademais, se há tantas condições mais simples e conhecidas para experimentação, por que falar logo nas esquizofrenias e levantar expectativas totalmente infundadas?

As relações entre o espírito científico e a mídia não são das mais fáceis, uma vez que essa última não tem qualquer compromisso com evoluções e verificações de longo prazo. Tudo ali gira em torno da geração de uma boa manchete. O envolvimento da ciência com o espetáculo nunca deu bons frutos, como, por exemplo, as polêmicas entre Edson e Tesla em torno da corrente elétrica (início do séc. XX) ou o muito ridículo programa nuclear de Perón. É possível que a imagem mais importante de toda a ciência, a língua estendida por Einstein aos jornalistas, tenha exatamente esse significado: “pensam que vão me arrastar para o seu mundo? Pois olhem aqui o que faço prá vocês!”.

A “mídia” também tem o seu papel e, como funcionários públicos, é esperado que mantenhamos as pessoas informadas sobre nossos trabalhos. Muitos de nossos colegas teem conseguido sucesso nessa relação, mas essa não é a regra. Espera-se, entretanto, que tudo se dê segundo os nossos termos. O problema maior talvez derive de uma certa inversão de valores. Em vez de simplesmente “mídia” ela se transformou em critério de valor: só presta aquilo que está na mídia. Para os que pensam e agem assim, melhor talvez seja repetir a careta de Einstein.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ