
Alguns dos estudiosos do tema talvez estranhem o título acima. Afinal, de acordo com aquele que é conhecido como o iniciador da moderna PSICOPATOLOGIA, K. JASPERS: se é um distúrbio do juízo e não preenche as exigências para a caracterização de um DELÍRIO PRIMÁRIO, a manifestação deve ser listada sob o termo genérico “IDEIA DELIROIDE”. Trata-se de uma disposição muito alemã: eleger um IDEAL e atirar todo o resto em uma espécie de “vala comum”. Vou tentar demonstrar o quanto essa atitude é PREJUDICIAL à boa clínica dos dias que correm, uma vez que agrupa (sequer o verbo “classificar” caberia), manifestações fundamentalmente diferentes sob um mesmo título, mais desorientando do que ajudando no raciocínio. Antes de tudo, o próprio sufixo “OIDE” (do grego EIDOS: forma, aparência) implica uma enorme semelhança externa entre 2 (ou mais): objetos, fenômenos, conceitos, etc. A um deles, porém, faltaria algo absolutamente ESSENCIAL (para a plenitude do conceito, por exemplo). No caso dos Delírios, a NÃO INFLUENCIABILIDADE, sem a qual não se pode caracterizá-lo. Isso se aplica claramente aos casos citados por N. de Mello (“PSIQUIATRIA”, C. Brasileira, 1979, pags 459-462): “….ao contrário das Ideias Delirantes verdadeiras, as I. Deliroides ocorrem com abundância nos estados maníacos e melancólicos; em psicoses orgânico-cerebrais…”. Assim, a expressão deveria ser aplicada apenas às crenças: de ruína e culpa nos deprimidos graves; em poderes especiais, riqueza, missões (e outras) nosmaníacos; à sensação de estar sendo vigiado ou perseguido em paciente usando cocaína e outras. Desde que sejam passíveis de abalos (ainda que momentâneos) por demonstrações fáticas.
QUANTO À ASSOCIAÇÃO COM ESTADOS PSICÓTICOS
…………………………
Nesse esforço de demonstrar o quanto são diferentes os dois fenômenos, vejam que, enquanto as I. Deliroides, assinaladas no primeiro parágrafo, cursam SEMPRE com perda de juízo da realidade (caracterizando um estado PSICÓTICO), nas I. Sobrevaloradas, segundo o conceito corrente, isso definitivamente não ocorre. É o que se depreende, aliás, da expressão utilizada na sua definição: “erro por superestimação afetiva“. Os próprios termos da língua alemã: Wahnideen (Delírio primário) e Wahnhaft Ideen (“haft”: ligado) sugerem a necessidade de que sejamos mais restritivos na aplicação do conceito de Ideias Deliroides. A grande proximidade entre as I. Delirantes e as Deliroides aparece em outro trecho de N. de Mello e em bela sentença: “A presença (de ideias delirantes propriamente ditas) não exclui sua coexistência com I. Deliroides, que aí exercem, muitas vezes, função coligativa ou conjuntiva, facilitando a concatenação e a sistematização delirante”.
Sendo assim, podemos concluir: as I. Deliroides propriamente ditas e as I. Sobrevaloradas são 2 tipos de fenômeno muito diferentes para que se continuem a classificar sob um mesmo título. Afinal, o que mais se busca na CLASSIFICAÇÃO, dos fenômenos em geral, é um respeito às suas características fundamentais e de uma DENOMINAÇÃO que deles dê uma indicação clara. Essa, aliás, deveria ser uma razão SUFICIENTE para que não se misturassem fenômenos tão diferentes. Assim, quando alguém se referir a uma i. deliroide todos saberão do que se trata. O mesmo se pode dizer em relação às i. sobrevaloradas. Sendo assim, a expressão I. Deliroide deveria ser aplicada somente às crenças assinaladas no primeiro parágrafo deste texto.