Temas e Controvérsias

A INFERIORIDADE DO PRECONCEITUOSO

(o que leva alguém a desenvolver preconceitos de raça, classe ou de escolha sexual?)

Entre os dias 26 e 29 de março (2011), nossa imprensa foi “brindada” com algumas importantes manifestações de preconceito: uma casca de banana atirada aos pés de Neymar; as declarações de um Dep.Fed. (reincidente específico) atacando homossexuais, negros (além de outros grupos considerados mais fracos) e, ainda, as declarações de um ator/autor contra as pessoas mais modestas e humildes.

Lendo as manifestações públicas de indignação, tive uma forte impressão de que os mais efetivos instrumentos de ataque, muito cultivados entre nós: o deboche e a ridicularização, ainda n ão foram utilizados suficientemente nessa luta contra o preconceito. Talvez porque ainda não nos tenhamos dado conta de que o preconceituoso (ao contrário do sertanejo) é, antes de tudo, um fraco.

Comecemos pelo racismo no futebol, pois ali a tese como que salta aos olhos. Por definição, as pessoas que frequentam jogos de futebol e que são membros de torcidas organizadas, valorizam muito o esporte. Alguns, até, tratam-no como o maior de todos os valores. Sendo assim, somente um ressentimento enorme, por uma “humilhação” recorrente, sofrida dentro dos campos e provocada pelos jogadores estrangeiros, pode explicar o ato. Não suportando as autoimagens que retornam como que refletidas em espelhos côncavos e convexos, quebram os espelhos. Essas pessoas são mais dignas de pena e comiseração do que de ódio. Um dia ousamos cunhar uma máxima (ou algo com pretensões a): “O racista é um ser que se sente o último dos seres e precisa colocar alguém abaixo de si para se sentir, pelo menos, o penúltimo!”

O caso do Dep.  é um pouco mais complexo, pois envolve quase todos os tipos e preconceito. Considerando todos os grupos que ele ataca, logo, somente o espelho o satisfará. É provável, entretanto, que termine por fazer um discurso contra a sua própria imagem invertida e, ainda, contra os canhotos. Em relação à homofobia, sempre se pode perguntar: se essas pessoas veem nas “práticas homossexuais” algo tão desagradável, tão inferior, tão perverso, porque ocupam o seu tempo atacando quem as pratica? Talvez porque, em camadas mais profundas, não considerem o “banquete” tão repugnante assim. Com uma frequência considerável, um pavor ou aversão permanentes repousam em desejos e atrações não conscientes. Voltando aos espelhos, como bem diz um personagem de M. de Assis, todo homem foi dotado de duas almas (“O Espelho”, conto).

O ator/autor merece um estudo mais sutil: “Lá fora, v. vê no Tony uma gente bonita, bem vestida. Aqui…dá vontade de sair dando um dinheirinho…O teatro, no Brasil, é de uma indigência total..uma velha de pires na mão…Só em SP, entrar em um teatro me emociona…O humor vem da raiva…É uma comédia de intolerância (novela que está escrevendo), com cada um na sua tribo…”. (M. Falabella, OGLOBO 30/03/2011).

Antes de tudo, há naquele “Lá fora” uma reedição do já tão superado “complexo de vira-latas”. Mas não de um “vira-latas” qualquer, pois ele deve se achar uma mistura de pastor alemão com “pointer” inglês. Curiosamente, “lá fora”, o que mais tem atraído a todos não são as muito decadentes Fêtes Galantes, “À la Ricardo Amaral” (onde todos tinham sobrenome, segundo o próp rio), mas a alegria  espontânea  da gente simples e anônima das ruas. O “mundo desenvolvido” começou a perceber que há algo de grande valor “muito para além do espelho”, senão, estaria tecendo loas a B. Aires (um cenário europeu, segundo Borges) e não ao Rio.

O ator esmerou-se sempre em debochar da gente simples, especialmente das “pelancas e varizes” das mulheres do subúrbio. Nisso havia uma graça inofensiva, pois nosso povo adora rir de si mesmo. Como foi criado no subúrbio, sabe bem do que está falando. Quem sabe não está atacando um certo “paraíso perdido”, à maneira de um Cidadão Kane, e também querendo quebrar algum espelho? De que tem tanta raiva, a ponto de confundir HUMOR com SARCASMO? Por que as “velhas com pires na mão” merecem tanto desprezo? Que “superioridade” é essa que precisa da raiva para se alimentar? Não! Há algo muito mal resolvido nesses ataques. Quem sabe muita inveja do desprendimento da gente simpl es? “Será que eu serei o dono desta festa/ Um rei no meio de uma gente tão modesta…Diga espelho meu! Se há na Avenida alguém mais feliz que eu?” (Didi e Maestrinho)

Em meio a tantos deboches, ele terminou por debochar também do rádio em geral e de Roquete Pinto em particular. Como “se criou” na TV, despreza o rádio, até porque: “Narciso acha feio o que não é espelho”. Já em relação a Roquete Pinto, sua vida e obra são  expressões do que de melhor há nessa nossa brasilidade. Sua sentença ao promover a radiodifusão no Brasil: “Pela cultura dos que vivem em nossa terra, pelo progresso do Brasil!”, deveria servir de inspiração a todo o mundo, especialmente o “mais desenvolvido” com suas tantas exclusões e intolerância.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ