Temas e Controvérsias

ANSIOLÍTICO OU INDUTOR DE ALIENAÇÃO POTENCIALMENTE FATAL?

(Que falta pode fazer uma boa capacidade e conceituar!)
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Imagem: iStock

https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2019/06/19/brasileiros-descobrem-ansiolitico-que-reduz-ansiedade-e-ajuda-a-memoria.htm

NOTA: Trata-se de pesquisa utilizando um chá preparado com a cortiça de árvore brasileira. A referência a um uso anterior por indígenas ocupa uma linha quase perdida no texto, mas foi, certamente, a referência de que partiram. Ou será que ficam preparando chá a partir da casca de árvores aleatoriamente? A pesquisa é séria e promissora, desde que alguns cuidados CONCEITUAIS sejam respeitados. Já a referência à memória não encontra qualquer lastro na matéria.

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“Os roedores têm medo de espaços abertos e altura. Ao expormos os animais a um lugar alto e aberto e ele vai até lá diversas vezes, fica ali e movimenta a cabeça para baixo, significa que ele não está mais ansioso…”
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Conhecer os mecanismos e as boas práticas da experimentação é importante, mas não suficiente para a realização de boas pesquisas, menos ainda para autorizar conclusões a partir de alguns dados muito parciais. A própria citação acima se refere a um comportamento inicial (antes da intervenção) INSTINTIVO, muito adaptativo e de auto proteção. Afinal, os roedores estudados não “foram feitos” (no sentido da seleção natural de comportamentos) para permanecer em lugares altos e abertos; os gaviões que o digam. Esse foi, aliás, o drama do poeta aos 6 anos de idade, quando ganhou um porquinho da Índia:
…Levava ele pra sala/Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos./Ele não gostava:/Queria era estar debaixo do fogão./Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…” (“Porquinho da Índia”, Manuel Bandeira).
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Ou seja, o que estaria mais em jogo—implicando mudanças no comportamento a partir da administração da substância— significaria mais o abandono de um comportamento adaptativo do que uma superação de reação patológica (embora possam se parecer muito, admitamos) a algum fator estressor. E podemos garantir: na natureza, essa mudança tenderia fortemente a ser desastrosa para as cobaias.
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Alguns poderiam perguntar “Mas também podemos adoecer e até morrer pelo excesso de expressão de algum mecanismo que era, originalmente, adaptativo”. É verdade! Considerando que as condições ambientais e culturais mudam com uma rapidez que a seleção natural não tem tido condições de acompanhar, isso pode acontecer, O que não se pode aceitar é a ignorância de todo o processo envolvido e um nivelamento de todas as reações associadas a algum sofrimento ou pela sua expectativa, como se fossem uma coisa só. Trata-se de erro grave decorrente da não aplicação de conceitos fundamentais. É o espírito da época, consequência da entrada na pesquisa sobre funções mentais de pessoas sem qualquer formação em psiquiatria ou em psicologia, como veremos abaixo.
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QUE MAL PODE FAZER O CONCEITO DE “AFETOS NEGATIVOS”!
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Como seu “POSITIVISMO” medíocre e mesquinho, os pesquisadores influenciados pelo “american way of life” (independentemente de serem norte-americanos ou não*) passaram a denominar “NEGATIVOS” todos os afetos que cursam com algum mal estar e sofrimento. Trata-se de uma nova roupagem para o mesmo espírito os livros de “auto atrapalhação” (ou ajuda como acreditam alguns menos críticos)** que recomendavam olhar para o espelho e repetir “EU ESTOU OK! VOCÊ ESTÁ OK!?”. Chamo isso de “síndrome dos violinistas do TITANIC”. Agimos como se tudo o que é agradável devesse ser bem vindo. E eu pergunto: ainda que seja, por exemplo, uma sedução de graves consequências, por exemplo? Os venenos são muito mais perigosos quando adocicados. Por isso mesmo, remédios (especialmente os mais perigosos quando da ingesta por crianças) precisam ser amargos. Trata-se de uma apologia da alienação de consequências muito perigosas. Afinal, nos momentos mais difíceis da vida o que costuma nos salvar são sentimentos nada agradáveis.
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O QUE É AGRADÁVEL É NECESSARIAMENTE  BOM?
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Trata-se de algo com que nos defrontamos a todo momento em nossa prática PSIQUIÁTRICA e PSICOTERÁPICA: demonstrar que algo vivenciado em certos momentos cruciais da vida e apesar da dor associada, pode ter sido extremamente enriquecedor e edificante para o futuro de alguém. Há que fazer uma distinção muito clara entre aquilo cujo vivenciar foi agradável daquilo que foi bom (no sentido do crescimento e das consequências futuras). Com muita frequência, uma situação muito agradável, no momento em que era vivenciada, foi desastrosa em suas consequências. Ao lado disso, e com frequência, as pessoas haverão de referir uma intuição que avisava dos riscos (previsíveis, muitas vezes), deixada de lado exatamente pela aversão a conviver com….”afetos negativos”!
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E O CONCEITO DE ANSIEDADE: QUAL APLICAR?
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Se há um conceito sobre o qual os estudiosos não entram em acordo é o de ANSIEDADE. Eu, por exemplo, considerando existir uma muito bem caracterizável SÍNDROME (conjunto de sinais e sintomas) DE ANSIEDADE, concluo de imediato que o termo deveria ser restrito a esse uso específico. Dirão alguns que a aplicação corriqueira do termo, seja para: 1-uma expectativa (agradável: conquistar um amor, passar em um concurso, etc); 2- uma apreensão (quanto a algo “negativo”: risco de acontecimento indesejado) nos obrigaria também a esse uso. Até pelo contrário, se há algo a evitar é que nos rendamos ao mau uso de termos, na maior parte das vezes para agradar à mídia (como o uso errado do termo “psicopata” que tem sido resgatado, infelizmente).
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*Há apenas 3 sentidos para essa palavra: 1- fotográfico; 2-como ausência (de doença, etc.); 3 como juízo de valor, aquilo que se quer evitar e/ou eliminar. Gosto de perguntar nessas situações: quantos “afetos negativos” foram necessários para Van Gogh pintar suas terríveis maravilhas? E para Chopin escrever seu 24 Prelúdios? Afetos “negativos” são apenas os negativados, ou não existentes; assim como “cabelo ruim” são apenas os que caíram da cabeça.
**Partem de 2 ideias perversas: 1- existiria UM caminho para o bem estar, quando cada um faz o seu próprio caminho; 2- alguém conhece esse caminho por você. Quanta atrapalhação!
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Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ