Uma das grandes e boas consequências da INTERNET, foi trazer à luz (e à ordem) do dia, múltiplas situações humanas extremas, anteriormente tratadas simplemente como perversões, aberrações, etc. Depoimentos pungentes—daqueles que demonstram o quão frágil é a condição humana e como somos, com frequência, uma espécie de joguete de forças terríveis—fizeram com que certas condutas deixassem de ser vistas como resultado de uma mera escolha pela qual as pessoas deveriam pagar, não somente nessa vida, mas até mesmo depois da morte.
Dentre essas, uma das mais difíceis de entender, e lidar, é a assim chamada ATRAÇÃO SEXUAL GENÉTICA, termo criado (final dos anos 1980) por uma de suas “vítimas”, a Sra Bárbara Gonyo. Um dia a humanidade lhe agradecerá por sua coragem de discutir o tema abertamente. Conta ela que, aos 42 anos (1979), quando conheceu o filho, dado em adoção ainda bebê e, à época, com 26 anos, foi tomada por um desejo sexual incontrolável a ele dirigido. As coisas só não tomaram um rumo mais perigoso, por não ter ela encontrado reciprocidade. Sua descrição do turbilhão de sentimentos que a invadiu—assim como a várias outras pessoas em situação semelhante—reforça a definição que já propusemos para as PAIXÕES: situações nas quais a natureza como que nos toma em suas mãos, impondo-nos condutas contra as quais a mera racionalidade queda totalmente indefesa.
Dentre as várias combinações possíveis para aquela ocorrência, praticamente todas as que implicam heterossexualidade¹ já aconteceram. As que vão nos interessar—pois deve ser critério para aplicação da expressão—envolvem parentes em primeiro grau e adultos: pai e filha, mãe e filho e entre irmãos; todos separados na primeira infância. Os encontros foram ao acaso ou planejados e os desfechos variados: desde a formação de um casal estável pai/filha (totalmente conscientes da situação já no seu início, e gerando 3 filhos); até os que descobriram o parentesco a posteriori. Como era de se esperar, a Justiça foi acionada em alguns desses casos, e pessoas (unidas “ilegalmente”) foram punidas legalmente (todos esses casos estão disponíveis na INTERNET). A aplicação das leis—especialmente quando os juízes fazem apologia da “cegueira da Justiça”—não se importa muito com as pessoas, individualmente, nem com seus dramas.
A abertura de canais de expressão, voltados às pessoas “emparedadas” pelo choque entre sua natureza e as exigências morais (ou assim ditas), trouxe, pelo menos, um alento a muitos: não eram seres aberrantes ou perversos. Muito mais gente passara por coisas parecidas. Mas a Sra B. Gonyo não se limitou a isso. Propôs até mesmo uma explicação para o fenômeno que, se não o esgota, abre múltiplas vertentes de investigação/reflexão: pessoas adotadas, que passaram toda a sua vida longe daquelas com quem compartilham não apenas a genética, mas também múltiplas inclinações, interesses, gostos e outras idiossincrasias, viveriam em um estado permanente de carência e deficiência do qual nem se dariam conta. Encontrando as pessoas com as quais intuem compartilhar tudo isso, seriam tomadas por uma necessidade avassaladora daquelas mesmas pessoas. Entre adultos, isso se denomina PAIXÃO e, quase necessariamente, envolve o desejo sexual propriamente dito. Curiosamente, porém, essa explicação não seria suficiente para o seu próprio caso, uma vez que seu filho, ao que tudo indica, não foi tomado pelo mesmo sentimento. Na descrição dos demais casos, entretanto, tudo parece ter se dado segundo aquela hipótese
Dentre os múltiplos interesses que derivam desse raciocínio, podemos assinalar: 1-a intuição visceral, que teriam os adotados de sua própria situação (não pertencer à família em que vivem), ainda que a informação não lhes tenha sido dada; 2-o poder da genética na geração de afinidades. Um estudo com os argentinos, que foram adotados por pessoas próximas aos algozes de seus pais, pode ser interessante nesse sentido. Um outro conceito derivado dessa investigação: a convivência, no início da vida, como que imprimiria nos envolvidos uma reação contrária ao desejo sexual—uma espécie de “reverse sexual imprinting”²—parece-nos também da maior importância. Temos a impressão de que há outros desdobramentos possíveis.
¹Não há, entre os casos lidos, referência a atrações mais propriamente homossexuais. Muito há, ainda, a ser colhido e estudado em relação à GSA. O envolvimento mais famoso, no caso (Édipo e Laio), implicou uma confrontação mortal. A GSA haverá também de obrigar a uma revisão das interpretações referentes à tragédia de Sófocles e, quem sabe, ao próprio “Complexo de Éddipo”? Há vários “ensinamentos” que se podem tirar da tragédia. Um deles pode ser: não acredite naquele tipo de profecia. Elas são promotoras daquilo que prevêem. Édipo nunca teria vivido um “Complexo de Édipo” propriamente dito. Por isso, saiu pelo mundo à sua procura. Ele não fugia à profecia de que mataria o pai e casaria com sua mãe, mas à sua procura, pois teria intuido sua própria condição de adotado. Em vez de um “complexo” deparou-se com os fatos à sua frente e deles não fugiu. Seu grande erro, entretanto, teria sido querer ver além do que é permitido aos homens. Por isso, precisou furar os próprios ohos.
² Se a denominação da GSA é discutível, Esse último termo é de uma felicidade enorme.