Temas e Controvérsias

“CANECÃO”! QUEM PRECISA DESSE NOME?

A discussão sobre os destinos a serem dados ao terreno da UFRJ onde, um dia, foi construída uma Casa de Espetáculos, está “esquentando”. Precisamos nos apressar, antes que “o Aventureiro lance mão”! O “donos do Rio”, depois da decisão judicial que reconheceu os seus legítimos donos, já estão adaptando suas táticas para solapar nosso poder e direito sobre a área. Nesse sentido, Copa do Mundo e Olimpíadas se transformaram em uma espécie de senha para fazer passar todo tipo de esperteza. Aproveito para declarar meu cansaço em ouvir delas falar.

Quem pode negar a importância daquela casa de espetáculos—e de seu nome— na história de nossa cidade e do país? Hoje, entretanto, não é mais do que um nome e, ao que tudo indica, o único trunfo daqueles que tentam avançar sobre o patrimônio público. QUEM PRECISA DELE? SERÁ UMA PALAVRA MÁGICA? Se funcionar como um “Abre-te Sésamo“, atrás poderão vir os “40 ladrões”. Soa bem? Sim, mas que fique na história! Tornou-se um empecilho: “PAI! AFASTA DE MIM ESSE CANECÃO”! É hora de “trocar de pele” e aquele nome pode representar uma espécie de nó da pele abandonada de uma cobra. Coloquemos, nas paredes remanescentes, uma placa solene, homenageando a casa de espetáculos que, um dia, esteve lá. Até porque, tudo o que não queremos ser é uma mera casa de espetáculos.

A Rede Globo entrou no debate com uma matéria de conteúdo eminentemente jornalístico, desempenhando o seu papel (“apenas”) de jornal: ouviu todos os envolvidos, propiciando a chegada de cada um às suas próprias conclusões. Por outro lado, no dia 13/01, o “Em Pauta” (Globo News) recebeu um ferrenho defensor da restrição aos poderes da UFRJ na administração da área: Ricardo Cravo Albin. Eis um nome bastante conhecido que se tormou apenas um nome conhecido. Depois de elogiar e adular nosso Reitor, ousou fazer duas afirmações que mostram bem o pouco respeito que tem pela UFRJ.

1- “Não é função de uma Universidade gerir uma Casa de Espetáculos. A Academia deve se voltar apenas ao desnvolvimento do saber, etc.”

2- “A Prefeitura deve “absorver” o CANECÃO e dar a ele o destino que tem…”

1-Verdadeiramente, não seria nossa função a administração de uma “Casa de Espetáculos”, nos moldes estreitos do Sr Cravo Albin e daqueles a quem está emprestando seu nome. Se o que está em jogo, porém, é o desenvolvimento de um projeto cultural digno do nome, voltado (principalmente) à cultura brasileira e sem visar lucro, além daquele que permita a expansão do próprio centro, ninguém há de ser mais preparado do que a Universidade Pública, especialmente a UFRJ. Um dia, o nosso Ministério chamou-se MEC e nós continuamos a ter esse destino e função.

2-Com relação à Prefeitura “absorver” o Canecão, diria que nós não somos “líquidos” e, muito menos, “liquidantes” do patrimônio público. Não consta, ainda, que a Prefeitura seja um “absorvente”. Além disso, o seu projeto de doar um terreno público no Fundão à GE (ver Elio Gáspari, O Globo 11/01) não torna a sua atual administração um “fiel depositário” para o patrimônio público.

Em todo esse processo, o que há de mais perigoso, é que nos deixemos adular e seduzir por palavras adocicadas, mas que servem aos piores propósitos. Dizer que somos a ACADEMIA e que devemos nos voltar apenas para o saber, é tentar limitar nosso alcance como agentes da cultura de uma cidade e de um país. ACADEMIA, aliás, é um termo muito adequado aos interesses dos que querem nos afastar da vida. Foi criada por Platão visando viver no “mundo das nuvens” (Aristófanes), depois do trauma que representou a execução de Sócrates. Até hoje a filosofia ocidental ainda não se libertou completamente daquele trauma e da “solução” Platônica (H. Arendt: “O Que é Política”).

Chamar, por exemplo, a bela ponte que vai ser inaugurada no Fundão de “Ponte do Saber“, além de extremamente cafona, é de uma arrogância sem par. Quem se diz sábio deve, antes de tudo, cair em suspeição. A palavra FILOSOFIA, aliás, muito diferentemente do que se pensa, foi cunhada em função da humildade. Teria dito alguém a PITÁGORAS: “O Senhor é um sábio“; ao que ele teria respondido: “Não! Sou apenas um amante do saber!“, ou seja, apenas um….FILÓSOFO.

CULTURA “VERSUS” ENTRETENIMENTO

Há muito mais em jogo nessa situação, e essa “oposição” talvez seja a mais importante. Os administradores de “casas de espetáculo” somente pensam em termos de entretenimento, diversão e passatempo. Que promovam, em outros lugares, musicais da “Broadway” ou inspirados no “Molin Rouge”! Terão seu público! A CULTURA é muito mais do que isso. É em função dela que devemos estar. É ela que cria a identidade de um povo sem transformar as pessoas em uma massa amorfa. Não estamos condenando o entretenimento. Ele tem o seu espaço natural. São eles, as pessoas voltadas ao ENTRETENIMENTO, que não gostam da CULTURA; são eles os que fazem de tudo contra a identidade cultural dos povos e regiões. Tornando as pessoas uma massa amorfa, é mais fácil atirá-las em todas as direções, como uma biruta ao sabor dos ventos. O ENTRETENIMENTO não é mesmo uma função das UNIVERSIDADES. A CULTURA SIM. Que aquele espaço organize mostras permanentes e festivais de ritmos e outras artes, costumes, comidas, etc. de todos os cantos de nosso país, tornando-se uma referência para os que amam a cultura de nossa terra, muito para além das “globalizações”. É bom lembrar, por fim, que todo aquele terreno foi doado, através um esforço de Pedro II, em função do tratamento dos doentes mentais. Que esse grupo de pessoas também tenha garantido, por ali, um espaço de expressão.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ