Temas e Controvérsias

CONFINAR PESSOAS EM INSTITUIÇÕES: SEMPRE UM SINAL DE FRACASSO

Confinamento de pessoas em instituições não costuma ser objeto de política pública. No mundo moderno, de maneira organizada e generalizada, aconteceu nos GULAGS stalinistas, nos campos de concentração nazistas e com japoneses, durante a II Guerra, nos EUA. Alguns subgrupos, como órfãos ou idosos, têm sido a ela submetidos, não como um OBJETIVO, mas apenas como um constrangimento diante de algum fracasso. Se para crianças órfãs: no encontro de famílias de adoção; se para idosos: do acolhimento por parte das próprias famílias. A única política pública, como um fim, voltada para o confinamento de pessoas, deve ser aquela que lida com APENADOS e, mesmo assim, se representarem algum perigo para a sociedade e não meramente por vingança.

A triste exceção tem sido a atitude das sociedades em relação aos DOENTES MENTAIS. Essa é a alegoria contida no “METAMORFOSE” de Kafka. De um momento para o outro, a doença mental transforma as pessoas em seres que devem ser mantidos distantes e escondidos dos demais. A idéia da necessidade do confinamento dessas pessoas parece tão entranhada, que até muitos profissionais de saúde mental continuam a repetir que a “RPsiq fechou leitos em hospitais psiquiátricos, mas não ofereceu alternativas terapêuticas, jogando, com isso, pacientes nas ruas“… Como se fosse obrigação da psiquiatria resolver os problemas sociais decorrentes de abandono! Antes de mais nada, o objetivo principal da Rpsiq era, exatamente, promover o retorno dessas pessoas à sociedade¹. Essa é a principal tarefa da psiquiatria: esforçar-se para que as pessoas não vivam em hospitais e que voltem à sociedade, assim que sejam superadas as situações de emergência. A partir desse ponto, os órgãos responsáveis pelos encaminhamentos deveriam ser outros, aos quais a psiquiatria daria apenas acessoria e apoio. A RPsiq representou, antes de tudo, um BASTA da psiquiatria em aceitar continuar a ser uma espécie de “esgoto” no qual a sociedade atirava os seres indesejáveis que não cometeram ilícitos penais. Por isso: NÃO VENHAM COBRAR DA PSIQUIATRIA O PAPEL DE CERCEAR A LIBERDADE DE PESSOAS (que não estejam em situação de emergência). Que psiquiatras aceitem esse papel, como um fim, deveria ser motivo de vergonha.

Todo o erro dos que atacam a RPsiq parte da seguinte crença: estar em uma instituição seria melhor do que não estar. A pergunta que se coloca, imediatamente, é: melhor para quem? Não nos enganemos, a institucionalização permanente de pacientes não visou o interesse dos próprios pacientes, antes, a vontade de tirar do raio de visão, pessoas consideradas “desagradáveis”. Feito isso, tudo degenerou para as piores perversões. É o “princípio da cozinhas de restaurante“: sem transparência(“glaznost“) e visibilidade, tudo degenera. Diga-se de passagem, os horrores descritos nos orfanatos religiosos, deveriam ser suficientes para que duvidássemos de qualquer confinamento em instituição. Até mesmo muitas pessoas ricas conhecem isso muito bem. Quem viveu em colégios internos, mesmo tendo família (e posses), sabe bem do que estamos falando.

Os interesses dos que defendem esse tipo de confinamento não passam por assistência ou cuidado. Agora, deram início a uma campanha para a criação de “instituições para acolhimento de idosos” e o mesmo se pode perceber nas campanhas sensacionalistas contra as “novas drogas” que estariam invadindo o país. Logo, estarão promovendo convênios para “assistir” (ou confinar) as pessoas. Há, efetivamente, muito “capital ocioso”, na área médica, ávido por abocanhar recursos públicos. Parece que desistiram de brigar pelas internações psiquiátricas e resolveram “diversificar”, aplicando-o em “atividades correlatas”. Isso faz crer que a RPsiq venceu e que o retorno dos doentes mentais à sociedade, finalmente, entrou na mente das pessoas como um valor a preservar. Os idosos que se cuidem! Ou, melhor: as famílias dos idosos que se organizem para, com o apoio dos governos (prédio, água, luz, e refeições), promover rodízios de assistência em cada bairro ou região. Qualquer coisa diferente disso haverá de degenerar no que já conhecemos. Em relação aos moradores de rua, que se abram albergues VOLUNTÁRIOS, com banho e comida, próximos dos lugares onde habitualmente ficam. Só assim, demonstraremos nosso interesse por eles.

Por fim, e para aqueles que ainda depositam alguma confiança em instituições que confinam pessoas, vai um poema de M. Bandeira, inspirado pela visão de um grupo de meninas órfãs:

“Pálidas crianças/ Mal desabrochadas/Na manhã da vida!/Tristes asiladas/Que pendeis cansadas/ Como flores murchas!…/Pálidas meninas/Sem amor de mãe,…/Ai quem vos dissera,/Ai quem vos gritara:/—Anjos debandai!…/Açucenas murchas,/Procissão de sombras/A quem ninguém diz!/Anjos debandai!…”
“Flores Murchas” (Estrela da Manhã, M. Bandeira).

¹Até o ano de 2000, mais de 90% dos recursos públicos aplicados em saúde mental eram destinados ao pagamento de AIHs. Em 2008, esse percentual fora reduzido a menos de 50%. Parodiando um certo ex-presidente, nunca antes na história do mundo, e em tempos de paz, verificou-se uma inversão tão marcante nos dispositivos oferecidos em saúde pública. Uma perda importante de referencial, presenciamos na comemoração ruidosa de muitos, na semana em que os novos dispositivos superaram os antigos. Afinal, espera-se que o referencial seja o bem estar das pessoas e não apenas números.

NOTA- no mesmo dia em que este texto foi divulgado, a Pref.RJ anunciou sua “nova” política de confinamento de menores utilizadores de droga encontrados na rua, contando com o apoio do Juíz da Vara correspondente. Tudo isso, sem sequer terem sido tentados contatos com possíveis famílias e esforços para recomposição de rede de apoio. O objetivo, dessa vez, nem foi escamoteado. A mensagem é “Vocês são um estorvo do qual queremos nos livrar, em nome da ‘sociedade'”. Logo começarão as denúncias de maus tratos, motins e fugas. Na continuação, vai crescer o sentimento, em alguns meios e sob influência dessa política, de que só a eliminação física pode funcionar. Não demorará muito e tragédias, como a da Candelária e do “Rio da Guarda”, vão se repetir. Os responsáveis maiores acusarão subordinados, esquecendo-se de que foram eles os criadores do ambiente propício às ocorrências.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ