Temas e Controvérsias

DESABAMENTO: CORPOS HUMANOS NÃO SÃO ENTULHO!

(O que têm em comum: "Cracolândia", Pinheirinhos e os corpos removidos como entulho?)

Há alguns meses, escrevendo sobre Jornada promovida pelo Colégio da Magistratura do Rio, “Recolhimento Compulsório de Drogados“, disse que o termo “recolhimento” não é aceitável nem para o translado (ou remoção) de corpos de pessoas, pois deveria ser reservado apenas para lixo ou entulho. Há quem afirme, até mesmo, que a civilização começou exatamente a partir dos cuidados de nossos ancestrais para com os corpos dos membros falecidos de sua cultura.

Ao horror do desabamento que nos atingiu a todos, a PREFEITURA DO RIO se encarregou de acrescentar ainda um pouco mais de horror, quando, em total desrespeito para com os corpos dos desaparecidos, acelerou suas retroescavadeiras e os dilacerou. Depois dos desaparecidos da ditadura, deveremos ter alguns “desaparecidos da Prefeitura“, duplamente vítimas do descuido de pessoas muito apressadas e mais preocupadas com as aparências do que com os seres humanos. Pensam que estão avançando para um RIO muito bonito e moderno, mas seus “dinossauros mecânicos”, com sua imoralidade reptílica, fazem pensar que estão em processo de desumanização.

Por que corpos humanos tinham de ser removidos com aquela pressa e tratados como se fizessem parte do entulho? E os objetos das pessoas, que são como que um prolongamento de cada um? E seus bens e objetos de valor? Enquanto, em pós-terremoto, tomam-se muitos cuidados, no Rio não esperaram nem 48hs para iniciar uma remoção totalmente indiscriminada. E a Globo? Um “especialista” em “grandes acidentes”, disse que tudo tinha funcionado perfeitamente e sob o comando de um gabinete único e centralizado. Deus nos proteja desses “especialistas”. NINGUÉM HAVERÁ DE ME CONVENCER DA IMPOSSIBILIDADE DE QUE HOUVESSE AINDA SOBREVIVENTES QUANDO INICIARAM A REMOÇÃO. Diante disso, ouvir um bombeiro de SP, falando com voz e semblante graves (em vez da arrogância jactante ouvida por aqui) dos cuidados que adotariam na procura de uma desaparecida em outro desabamento, foi um consolo.

Quem duvida de que do pó viemos e para lá haveremos de voltar? Antes disso, porém, há muito luto a chorar e corpos a respeitar. O que pesou ali foi a vontade de “desobstruir, limpar e esperar que tudo caia o mais rapidamente possível no esquecimento”. É esse mesmo estado de espírito que une as situações assinaladas.

Agora, estão em curso verdadeiras chacinas contra as pessoas que vivem na rua. A nota mais macabra, foi o aproveitamento da greve na Bahia para eliminar algumas dezenas de pessoas vivendo naquelas condições. Com isso, atingiram dois objetivos: tiraram de sua visão pessoas incômodas e FIZERAM SUBIR AS TAXAS DE MORTALIDADE, DEMONSTRANDO, COM ISSO, COMO É PERIGOSA UMA GREVE DA POLÍCIA! No IML, quase tudo são números! Tudo foi tão rápido, que fez pensar em matança planejada, acoplada à greve. Por tudo isso, a atitude do jovem que defendeu o morador de rua na I. do Governador deve ser louvada. Sim! Pode um ser humano concentrar o que há de mais elevado em toda humanidade em um só momento! Já os tolos que o espancaram, como disse o homem da Galiléia: não sabiam o que faziam. Não sabiam que estavam apenas sendo um intrumento de um estado de espírito vigente na sociedade e que tenta eliminar os que vivem e morrem “atrapalhando o trânsito”.

Foi essa mesma gente que atacou pessoas na “CRACOLÂNDIA”. Foram eles mesmos os que invadiram PINHEIRINHOS. Tudo o que “atrapalha” a paisagem ou interfere nos interesses do CAPITAL e do sacrossanto lucro, deve ser removido o mais depressa possível. Alguém duvida de que o Rio se tornou uma mina de ouro para o CAPITAL DESUMANO? Pensando bem, há aqui uma redundância, afinal: “O Capital nasce pingando sangue por todos os poros!” (K. Marx, “O Capital”)

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ