Temas e Controvérsias

ECT: M. SAÚDE “SOLTOU A LEBRE”…INCAUTOS CORRERAM ATRÁS!

(Bem mais graves são a "Abstinência" como projeto e as "C. Terapêuticas")
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…o Ministério da Saúde passa a financiar a compra desse tipo de equipamento para o tratamento de pacientes que apresentam determinados transtornos mentais graves e refratários…”
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Lebre corridaNas antigas corridas de cachorro, soltavam-se lebres e os galgos corriam atrás. Na política adotam-se práticas semelhantes. Os técnicos do MS deviam saber exatamente o que conseguiriam ao incluir a aplicação da ECT na sua proposta para uma “NOVA SAÚDE MENTAL”. Havia ali uma PROVOCAÇÃO em torno daquela que os leigos consideram a mais controversa de todas as práticas psiquiátricas (embora reconhecida mundialmente como efetiva, desde que bem indicada e aplicada). Pois bem, enquanto os tolos “correram atrás da lebre”, a discussão de outras práticas—essas sim desumanas, perigosas, sem lastro teórico que as sustentem e com origem em um “fundamentalismo” religioso—foi para um segundo plano. Como, porém, aqueles técnicos sequer conhecem bem a prática que defendem, terminaram por apresentá-la da maneira mais irresponsável e antiquada possível. Falar de ECT apenas citando como projeto “financiar compra de aparelhos”; sem nada dizer dos atuais protocolos e exigências para sua aplicação; sem falar da obrigatoriedade da intervenção de um ANESTESISTA e outros cuidados, induz à conclusão de que estão propondo a volta, essa sim, de uma das mais irresponsáveis práticas psiquiátricas: o “ECT a SECO”. “Devagar com o andor”, senhores responsáveis pelo M. da Saúde. O “santo” é elétrico e muito frágil.
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“ABSTINÊNCIA” COMO OBJETIVO: MORALISMO SEPULTANDO “REDUÇÃO DE DANOS”
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O moralismo desumano está de volta, especialmente na abordagem do consumo de substâncias psicoativas. E, como costuma acontecer, vem sob o disfarce de “ideais muito elevados” pregando “abstinência total”. De uma tacada está ali configurado o enterro da longa prática de humanização (de tão bons resultados) denominada REDUÇÃO DE DANOS. Para compreender os perigos dessa prática, basta que nos perguntemos qual deve ser a prioridade em qualquer política de saúde: os seres humanos envolvidos ouqualquer outra coisa, ainda que se pareça com um ideal? Sendo assim, que mensagem devemos apresentar às pessoas a quem vamos oferecer os nossos serviços?
1- “Venha como estiver e será acolhido. Temos alguns objetivos, sim, mas eles serão adaptados à sua situação, sem prazos ou metas rígidas. Tentaremos oferecer o que há de melhor no conhecimento científico para o seu tratamento. Comemoraremos juntos alguns possíveis e desejados avanços, mas você continuará a ser acolhido sempre, mesmo que não tenha conseguido os progressos desejados e apresente recaídas, desde que esteja disposto a um novo investimento.”
2- “A partir de nossa concepção religiosa e moralista, consideramos as drogas um mal a ser erradicado e essa será a nossa prioridade. Temos uma meta a ser alcançada e v. também vai ter que a abraçar. Para que continue a ser recebido aqui, terá que cumprir alguns mandamentos que estabeleceremos. Em casos mais extremos, por vezes até ao arrepio das leis mundanas e “para o seu bem”, cercearemos seu direito de ir e vir, mesmo que você não apresente alguma emergência bem caracterizada.
A PRIMEIRA acolhe sem selecionar; a SEGUNDA estabelece condições, induzindo associação a alguma “IGREJA”.
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NOTA: não é intelectualmente muito honesto apresentar ideias de adversários em contendas teórico-ideológicas, pois a tendência é torná-las caricaturais. A “tradução” que delas fiz, entretanto, está tão configurada na história das perseguições religiosas de todos os gêneros, desde a INQUISIÇÃO, que me sinto autorizado a fazê-lo. “Toda virtude precisa ter o ser humano como referência! Qualquer ‘virtude’ que se perde nas nuvens volta-se contra os seres humanos” (“Assim Falava Zaratustra”). Usar “virtudes” como uma espécie de chicote é a pior das perversões.
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E AS “COMUNIDADES TERAPÊUTICAS”!?
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Inverteram completamente o sentido da expressão, consagrada na década de 1970 e associada a um primeiro passo na humanização da assistência à s. mental. Eu mesmo, quando ainda acadêmico, participei de uma CT no H. Pinel. Havia uma ingenuidade enorme, tanto na denominação quanto nos seus projetos, mas quanta riqueza associada! Seu enorme papel, na divulgação de novas práticas e formação da mentalidade que resultou na assim chamada R. Psiquiátrica*, ainda não foi suficientemente reconhecido. Aquelas traziam a marca da libertação; as atuais, da imposição. Não têm o espírito de formação de alguma COMUNIDADE e estão longe de serem TERAPÊUTICAS. Muitas foram associada até ao trabalho escravo e outras práticas abusivas. Começaram sob o manto de “igrejas” em suas CRUZADAS modernas e agora foram “santificadas” pelo estado.
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 A ESPERTEZA DO M. DA SAÚDE AO INTRODUZIR A ECT NA DISCUSSÃO
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Um bom princípio na avaliação das falas de políticos é perceber a que público se dirigem; no caso, aos seus ALIADOS mais antigos: os médicos e suas Associações e, no outro extremo, aos que gostariam de acabar com a PSIQUIATRIA. E com qual o objetivo? Aprofundar o abismo entre os médicos e as demais profissões da área da saúde. Não posso falar por toda a rede, muito menos pelo que se passa no Brasil, mas no IPUB temos avançado muito na aproximação das várias profissões e no respeito ao alcance e limitações do saber e prática de cada uma delas. Os avanços são lentos, mas consistentes, na medida em que tomam a boa clínica como referência. Pois bem, o documento do MS fez disparar uma série de textos e afirmações irresponsáveis. Muitos médicos, sentindo-se ofendidos por gente que não sabe do que está falando, especialmente no que se refere ao ECT, reforçam sua ligação com os espertos, sem perceber que estão sendo MANIPULADOS. Com isso, tolda-se o seu espírito crítico e abraçam práticas com as quais sequer concordam. E o abismo se aprofunda.
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APESAR DA ESPERTEZA, O MS “DERRAPOU NA CURVA”.
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Se a proposta para a ECT fosse séria (e não apenas retórica vazia), começariam por ouvir quem a aplica bem no serviço público; acompanhariam o procedimento; examinariam as instalações e todo o pessoal envolvido e, por fim, providenciariam o PAGAMENTO do procedimento** àquele que já aplica. Se o fizessem, concluiriam que a REDE pública existente, com o desinvestimento generalizado que vem sofrendo há anos—nesse quesito, aliás, há décadas—está absolutamente incapacitada para promover a prática; seguindo os protocolos, é claro. A não ser que: 1- estejam defendendo a “ECT a SECO” o que é inadmissível e/ou; 2- queiram cumprir promessas de campanha com empresas que vendem os aparelhos. Afinal, a ECT pode ser o mais caro ou o mais barato de todos os nossos procedimentos. Depois desse tipo de estudo talvez se dessem conta de que o melhor seria criar um POLO de aplicação da ECT para cada região. Foi o que se passou no nosso Estado onde somente o IPUB aplica a ECT respeitando os melhores protocolos. Tornamo-nos, naturalmente, esse POLO. Quase todas as unidades de S. Mental em nosso Estado a ele já recorreram. Seria esperado de seus gestores que “saíssem da toca” e declarassem sua importância na remissão de quadros muito graves a nós encaminhados.
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*Fico pensando como podem gostar tanto de uma expressão que se inicia por “REFORMA” e se completa por “PSIQUIÁTRICA”. Ser chamado do de “reformista” era ofensa em outros tempos. Limitar o que se passou à PSIQUIATRIA é tolice. Essa foi uma expressão para tornar palatável aos conservadores a grande INVERSÃO DE PARADIGMAS que se seguiu.
**O IPUB, apesar de servir a toda a rede, não recebe um centavo pelo serviço no qual investiu pesado e que tem salvado muitas vidas.