Temas e Controvérsias

FREUD E O SUICÍDIO: UMA OMISSÃO E A PERGUNTA ESSENCIAL

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(E como ele evitou a palavra tão dura e direta língua alemã, “Selbsmord”: auto assassinato!)
Márcio Amaral, vice-diretor IPUB
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Chega a ser estranho que Freud não tenha dedicado estudos àquele que costuma ser o desfecho de alguns dos maiores dramas humanos: o SUICÍDIO. Afinal, toda a sua obra é voltada ao APROFUNDAMENTO do entendimento desses mesmos dramas. A ironia maior da história é que ele mesmo teria morrido por uma ação intencional e pelas suas próprias mãos. É o exemplo que mais assinalo daquilo que E. Durkheim chamou Suicídio Racional: quando alguém, pesando todas as consequências da evolução de uma situação (em geral por doença crônica) resolve abreviar seu próprio sofrimento, humilhação e/ou despesas. É um tipo de suicídio muito comum entre médicos e demais profs de saúde, implicando elevação das taxas entre esses profissionais. Estava Freud em tal situação que, segundo seu médico assistente, nem seu cão dele mais se aproximava. Apesar dos múltiplos estudos de personagens da literatura que se suicidam (“Rosmershom” de IBSEN e outros) Freud parece ter evitado elaborações a respeito. Para que escrevesse algo mais específico, e até citasse a palavra alemã para o ato (“Selbstmord”*), foi necessário um convite para participação (não sabemos direito com que papel específico) em um SIMPÓSIO SOBRE O SUICÍDIO (1910) sobre o qual (e a posteriori) escreveu 2 curtas páginas..
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DEMONSTRANDO “HABILIDADE POLÍTICA”: RECUANDO EM QUESTÃO ESSENCIAL.
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Como não estão acessíveis  os relatos específicos sobre o evento, somos obrigados a inferir fatos a partir dos dados disponíveis. Alguns dos discípulos de Freud, em apresentação oficial, teriam argumentado que o sistema educacional (Austríaco, com certeza, mas de inspiração certamente PRUSSIANA) seria um forte indutor ao suicídio. Um educador (ao que tudo indica indignado) teria tomado a palavra na plateia e feito um discurso em defesa daquele sistema educacional. Diz Freud a respeito: “Todos escutamos com profunda satisfação o arrazoado do educador que tomou a palavra para defender a instituição que lhe é mais cara de uma acusação injustificada. Sei que todos vocês resistiam a crer com ligeireza na acusação de que a escola induziria ao suicídio…Mas não nos deixemos levar demais pela parte que sofreu uma injustiça…!”.  Aqui ele introduz a possibilidade de criticar a crítica, mas não a levou adiante e concluu:“Não é essa a ocasião para desenvolver uma crítica ao ensino secundário no seu estado atual”.
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E esse momento parece nunca ter chegado para Freud. Sim, o revolucionário Freud era mais “político” do que imaginamos. Não julgo atitudes do gênero a partir da cobrança de bravatas. É fácil imaginar o nível de pressão a que todos estavam submetidos em uma sociedade incapaz de lidar com críticas em geral. Apesar de elogiar (em vários momentos de sua obra) a capacidade de estar sozinho, Freud, desde que conheceu a fama, não mais viveu a solidão que a exposição das nossas verdades necessariamente determina. E por falar em solidão, ataques bem mais contundentes àquele sistema já tinham sido dirigidos por NIETZSCHE!  Seu paralelo com as “menageries” (escolas de adestramento de animais) cada vez mais brilha com sua verdade! Sim, Freud não era Nietzsche, mas certamente exagerou na adulação ao educador e no abandono de seus discípulos na discussão. Quem pode hoje duvidar do acerto daqueles que criticaram o sistema educacional PRUSSIANO e em geral?
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COREIA DO SUL CONFIRMANDO AFIRMAÇÕES DOS DISCÍPULOS DE FREUD
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E de onde nos vem o melhor exemplo para a demonstração desse possível papel fatal da “educação”? Exatamente daquele sistema que é apontado como a “pérola na afirmação capitalista”: o sistema educacional mais voltado aos interesses do CAPITAL; aquele que esteve na base do “grande salto econômico e tecnológico do maior dos “tigres asiáticos”. Até a década de 1980 suas taxas para o suicídio giravam em torno de 8/cem mil/ano. Passados quase 40 anos, essas taxas superam os 33/cem mil/ano nos dias que correm. Mais do que isso, há um PARALELISMO quase perfeito nos gráficos entre: elevação de RENDA PER CAPTA E PIB, por um lado, e elevação das taxas para o suicídio. Seu sistema educacional foi não somente a “pedra fundamental” da edificação de uma nova sociedade, como também a lápide que hoje encima muitas covas de pessoas que não se julgaram dignas de participar do “grande acontecimento”! Já eu, afirmo sem duvidar (mas sem acreditar no FALSO DILEMA apresentado): se o preço do desenvolvimento é excluir e eliminar pessoas…não contem comigo. Para maiores detalhes sobre a evolução das taxas de suicídio na CORÉIA DO SUL ver texto:
http://equilibrio.ipub.ufrj.br/portal/ensino-e-pesquisa/ensino/residencia-medica/blog/item/585-suic%C3%ADdio-coreia-o-pre%C3%A7o-do-desenvolvimento
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A GRANDE PERGUNTA CUJA RESPOSTA FREUD JÁ DERA HAVIA MUITO…..
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Em um segundo e bem curto texto de conclusão de sua participação no SIMPÓSIO, disse Freud:
“Não chegamos a uma conclusão a respeito do problema que mais nos interessa. Queria averiguar, antes de tudo, como é possível que o poderosíssimo INSTINTO DE VIDA seja superado; se isso seria possível somente pelo efeito da libido deslocada ou se existe também uma renúncia do EU à sua própria conservação, resultante de motivos puramente “egoicos” . E eis que, a exemplo da imensa maioria dos médicos, abdicou à investigação psicológica, recorrendo a uma DOENÇA específica: “…podemos aqui partir do conhecido estado clínico da MELANCOLIA e sua comparação com o LUTO”. A rigor, esse não deveria nunca ser um ponto de partida nesse tipo de investigação; quando muito um resultado final, implicando uma confissão de incapacidade. Por fim, deu ele o melhor dos conselhos para a época:Afastemos nossos julgamentos até que a experiência resolva esse problema”
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A “SUPERAÇÃO” DO INSTINTO DE VIDA
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Curiosamente, a resposta para aquela pergunta estava já esboçada em um texto de 1895 (“Projeto de uma Psicologia para Neurólogos”), bem antes da formulação dos conceitos e princípios que o levaram à TEORIA PSICANALÍTICA e quando ainda raciocinava em termos POSITIVISTAS e termodinâmicos* Segundo sua formulação da época e em termos de obtenção de satisfação e tranquilidade, tudo se resumiria à necessidade de uma “descarga neuronal”. O recém nascido, por exemplo, não teria condições de realizar esse processo sozinho, apenas: “…por meio de assistência alheia…chamando a atenção de uma pessoa experimentada (a mãe?) sobre o estado em que se encontra…Esta via de descarga adquire assim a importantíssima função secundária de compreensão (comunicação com o próximo). Assim, o estado indefeso original de todo ser humano se converte na fonte primordial de todas as motivações morais”. Antecipava uma conclusão cada dia mais confirmada, especialmente pelas pesquisas sobre SUICÍDIO: o instinto social/gregário é mais importante do que o de sobrevivência individual; não somente no início da vida, mas por toda a sua extensão. É SEMPRE uma rede social que nos sustenta. Por isso, começo minhas aulas invertendo a pergunta habitual: “Por que alguém se suicida?” para “O QUE NOS MANTÉM VIVOS? O OUTRO é tão essencial que, caso não exista, nós o inventamos**.
Mas o conceito essencial para a compreensão do conflito que costuma resultar na auto eliminação somente seria formulado plenamente em “A PSICOLOGIA DAS MASSAS (Freud, 1924): o de IDEAL DO EU, derivado do aprofundamento do estudo dos mecanismos psíquicos implicados nas melancolias: “Mostra-nos o EU dividido em duas  partes, uma das quais combate implacavelmente a outra…”. De estranhar, como assinalado no início, é que sua associação direta com o SUICÍDIO propriamente dito (consequência natural daquele “combate implacável”) não tenha sido assinalada por ele mesmo.
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*Pessoas mais capazes nesse tipo de investigação poderiam procurar quantas vezes a palavra “SELBSTMORD” é usada em sua obra. Seria interessante.
**O EU é DUAL e DIVIDIDO. Nietzsche já o havia dito quando discutiu a palavra INDIVÍDUO, aquele que não se pode dividir (a alma). Mas quem melhor o disse foi MACHADO DE ASSIS no conto “O ESPELHO”. Haveria 2 EUs: um olhando de dentro para fora e outro de fora para dentro e advogando, respectivamente: o interesse próprio e os dos que amamos. Já H. Arendt disse que o outro é imprescindível para que esse DOIS mantenham a UNIDADE. No filme “O NÁUFRAGO”, o tema da necessidade do outro é muito bem abordado.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ