Temas e Controvérsias

“MEDICANDO” PESSOAS HÍGIDAS: VIOLENTANDO A MEDICINA

("DE OLHO NA EPIDEMIA")

Segundo notícia de “O Globo” (14/07/11), um professor de “neurologia e psiquiatria” (Sam Gandy, Mount Sinai Hosp.), em um suplemento da pretigiada “Nature”, defendeu a utilização de terapia imunológica para atacar as placas beta-amilóides em pessoas sem qualquer sintomatologia para o “mal de Alzheimer“. Era uma curiosa resposta à observação de um grupo finlandês, que, mesmo tendo conseguido a redução dessas placas em até 25% em vários pacientes sofrendo da doença, não obtiveram melhora nas suas funções cognitivas. Qualquer pessoa, com um mínimo de formação científica, teria considerado ser a relação, entre essas placas e a doença, meramente CIRCUNSTANCIAL e suspeitaria estar perseguindo uma falsa pista. O referido professor, porém, sequer considerou essa possibilidade. Listou 3 hipóteses para o achado, todas confluindo para a necessidade de aplicar a substância mais incisivamente ainda¹. Aferrou-se à sua crença inicial como se fosse uma questão de fé.

Já há algum tempo, temos observado uma tendência ao abandono do princípio que praticamente fundou a Medicina: PRIMUM NON NOCERE (antes de tudo, não fazer o mal). Sem ele, mais brincamos de aprendizes de feiticeiro do que fazemos medicina. Quanta sabedoria há em ser cuidadoso diante do desconhecido, especialmente ao lidar com a saúde e a vida das pessoas!

Na mesma semana, “Le Monde” (12/07/11) trouxe matéria sobre uma vacina para prevenir o câncer do colo do útero (“Gardasil” , Sanofil Pasteur, 2006-8) que, aplicada a milhares de jovens francesas, não apenas mostrou-se completamente ineficaz, como também vem provocando inúmeras manifestações indesejadas. Todo atropelo que cercou sua aprovação, mas também as verbas públicas aplicadas no seu reembolso (mais de 400 milhões de Euros, até agora), provocaram enormes desconfianças quanto à existência de motivos inconfessáveis por trás da campanha de vacinação. O erário, que pagou pela aplicação, deverá participar das indenizações que estão a caminho. Especialistas vêm demonstrando haver métodos muito mais eficazes, baratos e seguros na detecção precoce e prevenção daquele tipo de câncer.

E aquela era apenas um VACINA, procedimento que, em princípio, é aplicado a pessoas que não sofrem do transtorno que se quer prevenir! O que dizer, então, da defesa de um “tratamento” para pessoas saudáveis, a partir apenas de alguns “marcadores biológicos” e indicadores epidemiológicos!? E se esse “tratamento” visar atacar algumas placas que a pessoa sequer tem? Seria um total absurdo, não é mesmo? Muitos parecem ter se esquecido de que todos os fenômenos da natureza, incluindo os que se passam nos organismos, dão-se em cadeia, como uma corrente, na qual os elos vão se sucedendo progressivamente. Por várias razões, alguns desses “elos” são mais visíveis e abordáveis do que outros. As mentes muito apressadas (e que cedem facilmente a outros apelos), quando conseguem desenvolver um método capaz de identificar um desses “elos”, tendem a tomá-lo como “a causa” da doença, sem considerar, sequer, a possibilidade de se tratar, por exemplo, apenas de uma reação de defesa contra um agressor qualquer. Nesses casos, atacar “uma defesa” poderia ser desastroso². Estaríamos agindo como o caçador desastrado que, sem ver nada em que atirar, atirou no seu próprio cão. Afinal, ele era o único animal “visível e abordável” no lugar.

Tem sido galopante a escalada da perda de qualquer pudor, por parte de certos grupos, no ataque aos princípios que sempre nortearam os bons cuidados com a saúde. Há poucos anos, discutíamos com alguns pesquisadores que se queixavam das restrições ao uso do placebo em suas pesquisas. Tinham eles, pelo menos, um argumento razoável em relação aos psicofármacos: desconfiavam de que os medicamentos, ora em uso, fossem verdadeiramente efetivos. Sendo assim, o uso do placebo não estaria, necessáriamente, privando os pacientes de um tratamento efetivo. Diante da tendência atual, e do uso “experimental” e generalizado de certas substâncias para pessoas hígidas, bem melhor seria cair no grupo do placebo, até porque, como bem o disse um colega do Inst. de Bioquímica da UFRJ “…as proteínas e enzimas responsáveis pela fabricação do beta-amilóide não estão no cérebro por acaso” (Jerson Lima e Silva, na mesma matéria). Aquela seria mesmo uma conduta de aprendiz de feiticeiro.

Quase sempre, nesse tipo de matéria, os interesses inconfessáveis acabam por deixar um rastro. O gato se esconde, mas o rabo fica de fora. Depois de falar no impacto econômico, anual e global das diversas formas de demência (604 bi de $), e fazer algum terrorismo (elemento essencial para vencer resistências³) em relação ao futuro, disse o articulista: “De olho nessa epidemia, alguns pesquisadores já estão propondo…”: “olho grande”, complementaríamos. “Estar de olho”: a mesma expressão que usam quando se referem ao pré-sal, ao mercado de turismo, ou coisa parecida!! Quem pode confiar naqueles que tratam a saúde humana como se fosse apenas um negócio a mais?

Qualquer atividade precisa de recursos e bom gerenciamento para ser bem sucedida, mas a perda da dimensão humana nunca há de resultar em boa coisa, especialmente quando lidamos com situações nas quais as pessoas estão mais frágeis. O velho ditado latino está mais atual do que nunca:
Corruptio optimi pessima” (corromper o que há de melhor, é o que há de pior”)

¹No mínimo, não há proporcionalidade entre o número de placas e a deficiência, enfraquecendo a hipótese inicial. A hipótese, por exemplo, da relação direta entre: bloqueio de receptores Dopaminérgicos e mecanismo de ação dos antipsicóticos, é reforçada pela proporcionalidade entre a intensidade desse bloqueio e a melhora observada nos pacientes.

²É verdade que, para algumas condições, uma reação exagerada do organismo pode se tornar o maior fator de risco, como parece ter sido o caso da gripe pelo H1N1. A OMS, em toda sua conduta referente à gripe que esse vírus causou, fez também um terrorismo inaceitável ao lhe atribuir o grau máximo de pandemia. Até o nosso MS se deixou envolver em um programa de vacinação que, nos próprios países produtores das vacinas (França e Suíça), fracassou completamente. Mais do que o desperdício de recursos, houve uma quebra no maior patrimônio relacionado aos programas de vacinação brasileiros: a CREDIBILIDADE.
³Por que, aliás, resgataram a expressão “Mal de…..”? Preferimos ver nisso, além de terrorismo, um enorme Mau Gosto.
Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ