Temas e Controvérsias

NOMOFOBIA: PERDA DE CELULAR OU DE CRITÉRIOS E CONCEITOS?

(As muitas "Celulândias")

Um dia alguém inventará um termo para designar o afã de criar novos conceitos e termos que tomou conta da nossa área. É um sinal da importância social de tudo o que se refere à psicologia e à psiquiatria. Quando, além disso, o assunto é: novas tecnologias e instrumentos de comunicação, as condições para que seja detonado um alvoroço em torno estarão completas.

O primeiro problema em relação ao tema, foi com o (aparente) radical NOMO, aplicado na denominação:

1-“Entre os gregos, composição vocal, acompanhada por cítara…obedecia a certos padrões rígidos aos quais se atribuíam influência mágica…louvar deuses ou celebrações”

2-“Divisão territorial no antigo Egito…distrito, província

3-“Regra, lei; ‘que regula’….(Aurélio B. de Holanda)

Eis que, quando estava “gastando meu latim”, descobri que o termo derivou da junção das primeiras sílabas de “NO MOBILE”. Bem…no mínimo, aprendi alguma coisa em relação à Grécia e ao Egito! O maior perigo, é que o verdadeiro “orgasmo tecnológico” (melhor talvez fosse acrescentar: fruto de masturbação) que tomou o mundo nos leve, finalmente, a perder completamente a linguagem. Repetindo aquelas sílabas, somos retrogradados ao período da protolinguagem, quando apenas repetíamos sons razoavelmente articulados, para simbolizar objetos, e ainda não havia qualquer preocupação gramatical ou estética com a língua (afirmação duvidosa).

Considerando que a linguagem é o primeiro instrumento para acesso à cultura e que é ela quem mais refina nossa atividade intelectual, estaríamos—quem sabe?—a caminho do “Planeta dos Macacos” (sem qualquer ofensa aos macacos)! Dirão alguns: “Ah!…Como uma imagem vale mais do que mil palavras, resolveremos o problema da comunicação apenas com sequências de imagens“. O engraçado é que, até para dizer isso precisaram de palavras (M. Fernandes). Sempre tive a impressão de que os detratores do poder da linguagem, em verdade, são aqueles que têm sérias dificuldades com o seu uso: aqueles que acham feio o que não é espelho, ou que tentam quebrar o que teima em mostrar suas próprias insuficiências.

Vencido o problema da raíz etimológica—ou apenas sonorosa, pois ali não há raíz alguma—passemos ao conceito. Em vários textos consultados, a definição do termo se iniciava por “medo de perder o celular…“. Por definição, se estamos falando de um medo objetivo, não podemos falar de fobia, pelo menos respeitando os conceitos básicos do que seja FOBIA. Dizer que são provocados: mal estar, ansiedade, e outras manifestações, pelo risco da perda (e/ou sua antecipação) também não me parece suficiente. Há muitas pessoas que sofrem dessa apreensão em relação a automóveis, por exemplo, e que precisam tê-los sempre muito novos em função dessa apreensão. Alguns sequer viajam, pois imaginam: e se o carro apresentar defeito?; e se não tiver ninguém a quem recorrer… (ao infinito). Teríamos que inventar, então, uma “NOCARFOBIA”. Está demonstrado, além disso, ser um medo inconsciente a passar fome—por parte de pessoas que a sofreram no início da vida— um grande fator para obesidade entre as camadas mais pobres da população. Assim, teríamos que considerar criar uma NOFOFOBIA (“no food”).

O problema, certamente, é outro: as pessoas que receberam aquele diagnóstico, em verdade sofriam de fobia a estar sozinhas, de passar mal e não ter a quem recorrer (independentemente do local onde se encontram); descobriram um instrumento para disfarçar provisoriamente essa sensação de solidão e isolamento, dando-se conta, subitamente, da sua fragilidade. Alguns (aplicando um raciocínio psicanalítico que pode ser deixado de lado pelos que não o aceitam) não teriam desenvolvido firmes e boas relações objetais e, por isso, precisariam da presença física (ou eletrônica) das pessoas amadas; na solidão, são invadidas por uma sensação insuportável de um VAZIO que nunca poderá ser preenchido por quaisquer artifícios (pelo menos pelas soluções enganosas que costumam desenvolver)!

Significativa é a maneira “engraçadinha” com que a imprensa vem tratando do tema. Ela certamente tem razão! Sabe que não está lidando com um TRANSTORNO ou FOBIA de verdade! Afinal, se o fosse, não estaria sendo tão “glamourizada”. O que parece estar ocorrendo, em relação ao CELULAR, é um TRANSTORNO DO CONTROLE DOS IMPULSOS estimulado pelas grandes corporações e a mídia. É o que se pode depreender das multidões aglomeradas à frente de lojas por dias e noites a fio, à espera do lançamento de um novo aparelho, verdadeiras “CELULÂNDIAS“: pensam estar “jogando a seu gosto, mas já passaram a ser jogadas ao gosto das máquinas“.

Essa é a nova praga nas relações entre as pessoas em um contato direto. Percebo um impulso incontrolável em muitas pessoas a manipular, de maneira quase erótica, alguns aparelhinhos. Há algo de masturbatório nisso, na medida em que atrapalha a troca e comunicação entre pessoas diretamente. Alguns dirão: “…Ah! Mas eu consigo prestar atenção no que está acontecendo, mesmo enquanto verifico meu aparelho!“. Acredito plenamente nisso, mas posso também concluir que nada do que essa pessoa faz está gerando um sentimento de preenchimento e completude, no sentido da entrega a algo que realiza. Muitos vão mesmo conseguir acompanhar o que está se passando: apenas isso. Serão superficiais em tudo o que fizerem, afinal, espera-se que as pessoas façam bem mais do que acompanhar as situações.

Quem pode desmerecer a importância do celular e da possibilidade de comunicação rápida, em geral? Outra coisa, entretanto, é se tornar um joguete desses instrumentos e de quem está por trás deles. Às novas gerações, declaro, posso jurar, e tenho várias testemunhas ainda vivas: a humanidade já existiu sem esses instrumentinhos tão importantes (mas por vezes irritantes); as pessoas já amavam, trabalhavam, dançavam e brincavam antes do surgimento dessas “coisinhas” quase mágicas! O que não deve ser aceito é que conceitos sejam usados como brinquedos, como tem acontecido com frequência.

Duas coisas, pelo menos, posso garantir que pioraram com a chegada dos celulares: 1-a pontualidade. Aquilo que já funcionava mal entre nós, piorou muito. Agora, os “atrasadinhos” arranjaram uma boa forma de aliviar sua própria ansiedade e sensação de estar em dívida: ligam e dizem que não vão chegar na hora por “isto ou aquilo”; que estão chegando, etc.: simplesmente assim. Ou seja, deram um instrumento aos “atrasadinhos” para controlar os pontuais: grande virtude! 2- aquelas pessoas que ficam monitorando a família ou outros grupos em situações mais ou menos dramáticas—atrapalhando quem “está no campo”—ganharam um instrumento de confusão poderosíssimo. Se achassem mesmo muito importante a situação, estariam lá; ficam culpadas por saberem da sua própria omissão; não conseguem fazer sua própria crítica e atiram suas insuficiências sobre os que estão no campo. É um tipo de situação nada desprezível na clínica. Para os jovens, digo: não aceitem esse tipo de manipulação à distância.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ