Temas e Controvérsias

NORUEGA: A TRAGÉDIA E A BOA NOVA

RosaSe pode haver alguma consequência “aproveitável” de uma chacina como a ocorrida na Noruega, foi a desmistificação de que essas ocorrências são manifestações aleatórias, meros produtos de loucura e, por isso, incompreensíveis. Em outro artigo (sobre a chacina de Realengo), pensamos haver demonstrado que, mesmo quando realizadas por doentes mentais propriamente ditos, representam muito mais um hiperrealismo do que um absurdo: transformam em fatos, de maneira crua e concreta, os discursos irresponsáveis de muitos cidadãos tidos como respeitáveis. Quantas vezes ouvimos que, para acabar com as favelas, só jogando “napalm” sobre elas?! É nesse “caldo de cultura”, que algumas pessoas, ressentidas e sem projeto de vida, começam a considerar heroismo o levar à prática aquilo que outros, talvez por covardia, limitam a discursos.

A pista a seguir, para a compreensão do acontecimento, deve ser sempre a mesma: em que ambiente aquelas idéias e planos foram gestados, nutridos e acalentados? Logo após o acontecimento, a mãe e a madrasta do atirador tiveram atitudes muito dignas e, ainda, o cuidado de não dizer sandices diante da tragédia. Seu pai, entretanto, de imediato, tomou a providência de transmitir: “eu não tenho nada a ver com isso“. Mais do que isso, chegou a dizer que, infelizmente, seu filho não se suicidara (antes ou depois da chacina). Os mais ingênuos viram nisso uma consequência, mas certamente foi apenas o último ato de uma crônica de muitas “eliminações”, como veremos abaixo.

Tentando avançar na compreensão, perguntamos: quem é esse pai? UOL-F.deSP trouxe uma notícia muito ilustrativa a respeito. Quando os primeiros repórteres chegaram à sua casa, na França, encontraram-na guardada por membros da “Legião Estrangeira“¹, logo substituídos pela polícia OFICIAL francesa. Ele deve ser, ou ter sido, um membro muito importante desse “exército das sombras”, criado por Napoleão III (“O Pequeno”, segundo V. Hugo) para infernizar os povos da África e Indochina, impondo os interesses do imperialismo francês. Hoje, seu financiamento deve ser feito por empresas francesas com “interesses na África”. Por ironia, desde a sua criação, a França nunca mais venceu uma guerra convencional sequer, sendo humilhada em várias delas. É fácil imaginar os discursos que aquele rapaz ouviu em sua infância e adolescência. Em seu manifesto, diz ele a respeito do pai: “Eu tinha uma boa relação com ele, até os meus 15 anos. Ele tem 4 filhos, mas rompeu contato com todos, portanto, está claro de quem é a culpa. Não quero o seu mal, mas os meus meio-irmãos sim”(“O FARDO DE SER PAI DE UM MONSTRO“, OGLOBO). Não há por que inculpar familiares, mas que não digam: “Não tenho nada a ver com isso”! Houve mesmo muitas “eliminações”, individuais e coletivas, nessas relações.

A cobertura do acontecimento tendeu a enveredar pela caracterização de um monstro ou “besta-fera”. Alguns psicanalistas, chamados a se pronunciar, também procuraram por palavras cada vez piores, participando de uma espécie de “malhação de Judas”; um Judas, aliás, bem fácil de malhar. De profissionais da nossa área, esperam-se palavras e atitudes um pouco diferentes². Todos interpretaram a frieza, com que ele reagiu após a prisão, como uma demonstração de triunfo, mas pode haver outras interpretações. Em um pequeno e pouco conhecido texto, Freud demonstrou (inspirado em Nietzsche) haver muitos criminosos, especialmente os mais jovens, que cometem um crime com o objetivo de sofrer a punição. Os atos fantasiados seriam mais dolorosos do que o crime objetivo. Muito sugestivamente, depois de cometê-los, demonstram, por um certo período, curioso apaziguamento.

Para alguns estudio sos dos atos de violência contra imigrantes na Europa (“Entre Aspas” Globo News), felizmente deixando de lado a questão da loucura, ele seria visto como um lider e sairia da prisão como herói. Temos a impressão de que estão errados. Se fôssemos apostar, baseados em experiência em H. Penitenciário, e nos autores citados, diríamos que, em breve, o atirador entrará em um quadro psicótico pleno:

O problema estava em saber se é a doença que engendra o crime, ou se o próprio crime, por sua natureza, é acompanhado por um certo gênero de doença” Dostoiévski (Crime e Castigo)

…o sentimento de culpa existia antes do delito, não decorrendo dele…Uma vez obtido o castigo, mostram-se tranquilos” Freud (O Delinquente por Sentimento de Culpa)

…Estava à altura do ato quando o realizou, mas não suportou a sua imagem, depois de consumado…O golpe que deu fascina-lhe a pobre razão: a isso chamo a loucura depois do ato…Há ainda outra loucura: a loucura de antes do ato. Ah! Não penetraste profundamente nessa alma!” Nietzsche (Zaratustra, do Pálido Delinquente).

Falar de heroísmos, nesse caso, é até um tanto tolo. Ele foi de uma covardia total, especialmente em relação aos homens de farda. Segundo o relato, antes sequer dos policiais o abordarem, ele já havia atirado a arma para bem longe e posto as duas mãos sobre a cabeça. Parecia um menino covarde, apanhado fazendo uma arte. Quem pode se identificar com uma conduta tão desprezível, sob qualquer ponto de vista? Que mal podem fazer os video-games voltados à violência!

Houve ainda um outro subproduto–do trágico acontecimento–que a humanidade, quem sabe, poderá aproveitar. Um ator, que participou do resgate de vários jovens no lago, disse, dias depois, enquanto jogava flores em homenagem aos mortos: “Vivíamos uma infância! Agora, descobrimos o mundo!“. Havia muita sabedoria nessas palavras. Nós completaríamos, dizendo: o mundo também “descobriu” a Noruega. De agora em diante, não poderá mais ignorá-la, só porque as agências de notícias³ não gostam de seu governo, considerado “de esquerda”! Quando nos lembrarmos da Noruega, não será mais somente por ser a terra dos “Fjordes”, do petróleo, de H. Ibsen ou E. Grieg. Não! De agora em diante, a Noruega será o país onde está acontecendo uma grande novidade no mundo moderno; uma boa nova (“Evangelho”): a terra que entronizou a solidariedade e o acolhime nto. Em que lugar do mundo, cerca de mil jovens reunem-se em uma ilha para discutir os destinos e seu país e do mundo? Quantos, dentre tantos os que foram chamados “idealistas utópicos”, nas últimas décadas, conseguiram preservar um sonho da juventude de ver algo parecido em suas próprias cidades?

…Depois os dois deram-se os braços/Como há muito tempo não se usava dar/E cheios de ternura e graça/ Foram para praça e começaram a se abraçar… (Valsinha C. Buarque e Vinícius).

Um checheno, que escapou de perseguição em seu país e participou dos primeiros socorros no local da bomba em Oslo, disse: “As pessoas foram consolar a mãe do criminoso. Em certos países, toda a sua família teria sido perseguida e morta“. Foi esse espírito o grande ferido no massacre; pela inveja dos excluído e fracassados. A resposta do povo e de seu governo, entretanto, parece estar sendo um esforço enorme para compreender e fazer do acontecimento um instrumento de mais avanços e mudanças.

¹Há cerca de dois anos, um brasileiro que se engajara na tal “Legião”, tentou dela fugir (torna-se uma prisão por 5 anos) e, na tentativa, teria matado alguns. Ninguém sabe o que foi feito dele. Deve estar recolhido a alguma “Guantanamô”, em algum lugar na África.

²A quem, em nossa área, procura por explicações lineares, ou faz julgamentos morais, dizemos que talvez estejam na profissão errada. No outro extremo, sofremos muito com o excesso de especulação.

³Essas “Agências” criaram no mundo uma espécie de “play ground de notícias”: decidem que notícias devem ou não ser divulgadas e em que “brinquedos” os povos podem “brincar”. Onde foi noticiado que o povo da Islândia, há alguns mêses, decidiu em plebiscito não pagar a dívida que os bancos fizeram em seu nome? Só o soubemos, por que estávamos por perto de lá. Não era mesmo uma notícia muito interessante para os bancos.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ