Arte e Cultura

O DUPLO INCÊNDIO DO PARLAMENTO ALEMÃO: MORAL E FÍSICO-II

(Tropas de Assalto-SAs…Imprescindíveis ao poder NAZI-FASCISTA)
Márcio Amaral, vice-diretor IPUB
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NOTA: Textos baseados em “ASCENSÃO E QUEDA DO III REICH” de Willian L. Shirer
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Quando um “líder político” ganha projeção e apoio de milhões com discursos francamente fascistas nada deve interessar mais a um povo do que o risco da formação de TROPAS DE ASSALTO (no caso alemão, as “SA”: paramilitares de camisas caqui; na Itália, os camisas pretas). Sem elas um poder fascista nunca se efetiva de fato. Tudo o mais seria luta política. E é esperado que, em relação a essas, os democratas tenham alguma superioridade de argumentação, discussão e convencimento. Já em relação às tropas de assalto, são mesmo uma ameaça real e permanente. E quem pode negar haver muitos dos seus ensaios acontecendo entre nós? No caso brasileiro, há algo mais preocupante ainda: estão por demais ramificadas entre os próprios militares. Para que tenhamos a dimensão da importância dessas “tropas paramilitares”, foi em torno do fracasso de seu desarmamento e eliminação—tentada por alguns ministros militares nas últimas reuniões do governo Hindenburg (já em coalizão com o PARTIDO NAZISTA)—que se travou a batalha decisiva quanto à inevitabilidade da ascensão de Hitler ao poder absoluto. A partir da sua manutenção (mais violenta do que nunca), as urnas e o Reichstag tornaram-se meros instrumentos passivos que iriam responder às ordens de seu FÜEHER (ainda não assim auto proclamado).
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HITLER EVITANDO GOLPE MILITAR: SALVO PELAS “SA”!
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Pode parecer contraditório para alguns, mas o ex-cabo tudo fez para evitar a solução militar proposta pelo último Chanceler da República, general Schleicher, quando da fraqueza generalizada do governo Hindemburg (1933): “…reconhecendo ser...impossível reunir uma maioria no Reichstag…pediu ao presidente a eliminação provisória do Reichstag, e a transformação de seu governo em uma ditadura militar…”. Com a habilidade política desenvolvida no período, Hitler percebeu que, por esse caminho, nunca alcançaria o poder total. O fato de ser um ex-cabo ainda pesava muito na sua relação com seus “ex-superiores”. Por isso, esforçou-se ao máximo para evitar aquele caminho e “…foi sempre  reconhecido às forças armadas por ter sido aceito nesse momento crucial“. Pouco depois, quando da sua nomeação como chanceler, correu a informação de que aquele mesmo Schleicher colocara as  tropas de POTSDAM (reduto dos prussianos) em pé de guerra para impedir a posse de Hitler e impor a ditadura militar. Mais uma vez, foram as SAs que deram apoio decisivo ao líder nazista. Naquele momento, as ordens de Hitler ao seu comandante (General von Blomberg) foram: preparar 6 de seus batalhões dispondo-os sobre a Wilhelmstrasse...” ; e também: “…seguir até Berlim em 30 de janeiro (dia da posse)  chegando às 8 hs da manhã; apresentar-se ao ‘Velho’ para prestar obediência e homenagem. Por fim, Blomberg deveria assumir o papel de comandante em chefe da Reichswehr (Defesa do Império) e estar preparado para reprimir qualquer tentativa de golpe de Estado”. Não demoraria muito e essas mesmas tropas seriam eliminadas pelo próprio Hitler, depois de consolidado seu poder e quando a questão principal passava ser conquistar as elites econômica e militar do país. Todos os seus chefes foram assassinados naquela que ficou conhecida por “A Noite das facas longas”. Tratava-se agora de se livrar da ralé de criminosos comuns e homossexuais (muitos deles o eram) que Hitler mesmo reunira e utilizara “tão bem”*.

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PODER ASSUMIDO…NAZIFICAÇÃO EM MARCHA BATIDA!
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Menos de 24 depois de ter sido nomeado Chanceler, Hitler deu início às manobras para dissolver o REICHSTAG e promover novas eleições. Tratava-se, agora, de conquistar o poder total tendo à mão todos os recursos do governo: “Agora, será mais fácil vencer esse combate, pois poderemos recorrer a todos os meios de que dispõe o Estado. A Rádio e a Imprensa governamental estão à nossa disposição. Faremos obras primas de propaganda e o dinheiro não nos faltará” (J.Goebbels em 03/02/33, no jornal Nazista). E é nesse exato momento que Hitler começa o seu esforço para ganhar apoio direto dos grandes industriais alemães reunindo-se secretamente com 20 deles na casa de H. Göring (20/fev) um anexo ao Reichstag por ele mesmo presidido. Três foram as garantias dadas em seu discurso àqueles industriais: 1- eliminar os marxistas; 2- rearmar a Wehrmacht e; 3- “por termo a essas eleições infernais”. Diante disso, “…KRUPP, o rei dos armamentos e das munições (que havia contraindicado a indicação de Hitler à chancelaria) expressou a Hitler sua ‘gratidão por nos dar uma imagem tão clara da situação'”. Naquela mesma noite, as doações aos nazistas alcançaram 3 milhões de marcos. Restava agora aguardar—em verdade promover—o “TERROR VERMELHO”:  “…Lançamos as linhas mestras da luta armada contra o terror vermelho. Por agora, nós nos absteremos de ações diretas. Antes, é necessário que se manifestem as tentativas de revolução bolchevique. Quando o momento chegar, nós os abateremos.” (Goebbels, idem, 31/jan).
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O INCÊNDIO DO REICHSTAG: O ÚLTIMO SUSPIRO DA  REPÚBLICA

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O dia de abater os comunistas (100 cadeiras no parlamento) não se faria esperar, assim como a total retirada do poder do Parlamento. Além das provas periciais (reunidas a posteriori) demonstrando a impossibilidade de apenas um homem** ter iniciado o incêndio em vários pontos, simultaneamente, muitas declarações de envolvidos não deixaram dúvidas quanto à sua origem: 1- “Foi Goebbels quem primeiro pensou em atear fogo ao Reichstag (H. Gisevius, Min. do Interior);  2- “…Göering sabia exatamente como fazê-lo, por isso ordenou a feitura de uma lista de pessoas que deviam ser presas logo depois…” (R. Diels, chefe da Gestapo em Nuremberg); 3- “‘O único que sabe o que realmente aconteceu no Reichstag sou eu, pois eu mesmo acendi as tochas.’ (Göering, reportado por F. Halder chefe do E. Maior). Mesmo nesse clima, dispondo dos recursos do Estado e tendo prendido centenas de opositores, os Nazistas obtiveram “apenas” 44% dos votos. Estavam ainda muito distantes dos 2/3 necessários à reforma da Constituição de maneira a que todo o poder fosse conferido ao ainda “quase Füeher”. O resto viria em adulações a Hindenburg e às F. Armadas.
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O DIA EM QUE HINDEMBURG CHOROU E O MUNDO COMEÇOU A TREMER
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Se há uma imagem (mas também situação) que ilustra a decadência da Alemanha é a do Marechal/Presidente Hindenburg. Não somente pelos seus 86 anos, mas por ter se deixado levar por uma adulação vergonhosa. Goebbels, mestre da propaganda, montou um verdadeiro cenário de ópera para a posse do seu Füeher: na igreja de Potsdam (onde repousam os restos de “Frederico o Grande”) e na data em que Bismark (21/mar) oficializou o SEGUNDO REICH. Segundo Goebbels (que narrava os acontecimentos), o velho Marechal, com lágrimas nos olhos: “…parou diante do trono vazio do KEISER Guilherme II na galeria imperial… e deu sua bênção ao novo governo dizendo: que todos se libertassem do egoísmo e das querelas dos partidos em função da união em torno da consciência nacional para o bem da Alemanha livre…”. Escreveu o embaixador francês, presente ao acontecimento, diante do poder quase irresistível da adulação/sedução: “…Como poderiam não esquecer das suas próprias apreensões com os abusos daquele partido? Podiam eles agora hesitar a lhes conceder sua inteira confiança…em satisfazer todas as suas demandas…em lhes conceder os poderes plenos que reclamavam?”

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“TERMO DE HABILITAÇÃO”: TODO PODER AO AGORA FÜHER

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Dias depois, com o Reichstag reunido em uma sala de ópera, o “TERMO DE HABILITAÇÃO”—assinado por Hindenburg e concedendo poderes a Hitler para, inclusive, reformar a CONSTITUIÇÃO—foi apresentado. Mais uma vez Hitler demonstrou sua habilidade  política fazendo um discurso de moderação exemplar. O lobo vestia sua pele de cordeiro. Havia muitas “vovozinhas” presentes e poucos “Chapeuzinhos Vermelhos” para desmascará-lo. Foi quando o líder dos Social-Democratas (Otto Wells) tomou a palavra e, sem qualquer exaltação, disse: “…Nesse momento histórico, fazemos um voto solene de defender os princípios de HUMANIDADE e JUSTIÇA; da LIBERDADE e do SOCIALISMO. Nenhum ato de habilitação poderá lhes dar o poder de destruir as ideias que são eternas e indestrutíveis!”. E então, Hitler arrancou a “pele de cordeiro”, abandonou o personagem e a fera raivosa se fez ouvir: “…Não precisamos de vocês…A estrela da Alemanha está se levantando e sua desaparecendo. O dobre de sua morte já soou…Não quero ouvir sua voz…A Alemanha será livre, mas sem vocês…”. Bem, ao que tudo indica,  parece que há mesmo alguns princípios que são eternos e indestrutíveis!

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EPÍLOGO: há muitos paralelos entre o que foi reportado aqui e o que se passa hoje no Brasil. Quando um “líder” de partido ignora e debocha dos PODERES SUBJETIVO E MORAL inerentes à Democracia—privilegiando as armas e a força bruta—está EMASCULANDO aquele que deveria ser o SUPREMO poder a decidir pelas questões da JUSTIÇA. Estamos, SIM, no limite do abismo da ditadura. Por mais que o STF esteja fugindo ao seu papel, os inimigos da Democracia teimam em persegui-lo como a exigir um embate.
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*Mais uma vez, foi H. Göering, agora assessorado por Himmler, quem montou a trama a partir de falsas denúncias de que os chefes das SA (E. Roehm, principalmente) estariam preparando um “PUTSCH” contra Hitler. As SS fariam o trabalho e a ação seria a típica EXECUÇÃO SUMÁRIA (entre 400 a mil, nunca se soube ao certo) e nos próprios lugares onde fossem encontrados. Quando foram criadas as SS, com suas falsas perfeições arianas, estava selado o destino da ralé que constituía as SAs.
 **Um ativista sindical holandês que, ao que tudo indica, não era dotado de muitas luzes (Van der Lubbe) foi inculpado, julgado sumariamente e decapitado.
Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ