Temas e Controvérsias

O QUE PODEMOS E O QUE NÃO PODEMOS DEFINIR NA ATIVIDADE MENTAL

Quando K. Jaspers desistiu de definir sentimentos—dizendo serem eles tudo aquilo que, na mente humana, não se consegue chamar de outro modo—não se deu conta de que também esbarramos na mesma dificuldade em relação à maior parte das funções psíquicas. Sua definição de consciência: “O todo momentâneo da vida psíquica”, além de errada, era já um anacronismo no início do século XX.

Definições como, por exemplo, da inteligência ou da consciência, além de serem sempre insuficientes, partem de um erro de origem, uma vez que essas funções simplesmente não têm existência própria. O que existe são seres mais ou menos inteligentes e/ou conscientes. É bom não esquecer, ainda, que definir é reduzir um fenômeno às palavras, de maneira a abarcá-lo completamente. Sempre que o conseguimos, damos fim (finire) a um desafio intelectual qualquer.

Nas nossas tentativas de definir vontade, por exemplo, terminamos por andar em círculos e por utilizar palavras e expressões como: desejar, ter interesse, ter intenção, e outras, caracterizando aquilo que os filósofos chamaram de TAUTOLOGIA (uma vez que esses termos também precisariam de definição). Quem se desse ao trabalho de listar as tautologias, mais ou menos sutis, contidas em nossos livros, encontraria inúmeros exemplos¹. Melhor, então, é começar pelo reconhecimento da impossibilidade de definição, como fez Kurt Schneider ao falar do seu objetivo no estudo da inteligência: “…circunscrevê-la mediante tentativas de aproximação”. É o que nos resta, mas esse não é um problema apenas nosso. A energia, por exemplo, os físicos há muito desistiram de tentar definir. Existe; todos dela tiram proveito, mas sua redução às palavras…!

Se Jaspers fosse reconsultar os “Novos Ensaios” de WG Leibniz (1646-1716), veria que as idéias e os fenômenos mais simples e primários não são passíveis de redução às palavras, ou seja, não podem ser definidos. Contrariamente ao que diz a Bíblia, no início não era o verbo. Há sempre algo para além (ou para aquém) das palavras e da capacidade humana de abarcar e “tomar posse” da natureza através da razão. Estamos, de alguma forma, “condenados” a, no terreno da ciência, repetir o mito de Tântalo, que foi condenado a morrer de fome em um bosque de árvores carregadas de frutos. Sempre que ele esticava a mão, elas se afastavam.

Em relação à senso-percepção, que, curiosamente, não é, de hábito, definida nos livros-texto de uso corrente, poderíamos arriscar uma definição: capacidade dos seres vivos de reagir aos estímulos do meio (através dos órgãos dos sentidos), desenvolvida com o objetivo de forjar representações desse mesmo meio, de maneira a melhor: obter alimento, fugir de predadores e se reproduzir (adaptação).

O tipo de órgão dos sentidos desenvolvido dependeria do ambiente em que vivem esses seres. Assim, os cetáceos desenvolveram o sonar, os tubarões sensores elétricos e os seres da escuridão
abissal tiveram seus olhos atrofiados.

Este texto, a rigor, seria meramente para introduzir uma discussão acerca dos sentimentos, humor, afetos, emoções e paixões, mas terminou por ter vida própria. Logo daremos continuidade ao objetivo.

¹Para que a afirmação não fique vazia, seguem alguns exemplos. Assinale-se que esses esforços de definição não deixam de ter a sua importância. Caso esses autores fizessem como K. Schneider, reconhecendo sua insuficiência e tratando sua própria tentativa como uma aproximação, não haveria nada a criticar.

Afeto-“A subjetiva e imediata experiência da emoção, ligada a representações Mentais” (B.Sadock)

Humor-“Sentimento generalizado e sustentado que é experimentado internamente” (idem)

Atenção-“…determinadas sensações e idéias que excitaram nosso interesse são direcionadas…às quais prestamos atenção” (Bleuler)

Vontade-“É ligada aos conceitos de intencionalidade e na transformação do alerta…no início da ação” (Yager e Gitlin)

Pensamento-“…pode ser definido como um modo de consciência…(que) conduz à apreensão dos pensamentos” (N. Mello)

Sentimentos-“…constituem a camada superior ou catatímica formada pela afetividade elaborada em um sistema pessoal de tendências afetivas complexas” (H. Ey)

Atenção- “Estado de concentração da atividade mental sobre determinado objeto” (Cuvillier, por N. de Mello)

Consciência- “Soma total das experências conscientes de um indivíduo em dado momento” (Dalgalarrondo)

Humor ou estado de ânimo- “…definido como o tônus afetivo de um indivíduo” (idem)

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ