Temas e Controvérsias

PERCEPÇÃO, OU APERCEPÇÃO DELIRANTE?

(JBP. vol 58. n 1. 2009)

O que você pensaria de se lesse uma das seguintes expressões: “Impulso hipertímico” ou “Afeto hipobúlico“, sendo usadas para a caracterização dos afetos ou vontade de alguém? Estranharia, não é mesmo? Esse mau uso dos termos, poderia ser classificado como um tipo inaceitável de hibridismo. Bem! Temos feito algo muito parecido com a expressão PERCEPÇÃO DELIRANTE, desde os anos 1950. Como todos sabemos: PERCEPÇÃO refere-se aos meios pelos quais tomamos contato com o mundo exterior, enquanto o termo DELIRANTE refere-se ao PENSAMENTO, mais propriamente, à capacidade de JULGAR.

Além disso, sempre que apresentamos aquela expressão a nossos alunos, somos obrigados a começar por algumas ressalvas:
Apesar dos termos, não há nada de errado com a percepção dos pacientes. O problema se resume às suas associações e conclusões (na maioria das vezes autoreferentes e persecutórias), sem qualquer conexão lógica com a situação percebida”.

Esse tipo de “explicação” deveria ser suficiente para a conclusão da impropriedade da denominação.

Foi W. Wundt (1832-1920) quem, na psicologia, primeiro defendeu (depois de JG Leibniz), a existência de 3 momentos distintos na tomada de contato com o mundo exterior e sua integração: 1-SENSAÇÃO, série de reações físico-químicas aos vários estímulos (produzindo o reconhecimento de cores e intensidade de luz, nos olhos, por exemplo); 2- PERCEPÇÃO, reconhecimento de imagens e formas em áreas corticais específicas e; 3- APERCEPÇÃO, compreensão, principalmente nas áreas frontais, de cenas ou situações.
Há referências de que K. Jaspers não apreciava muito o trabalho de Wundt, considerando-o superado em muito aspectos (“Psicopatologia Geral”). Talvez, por isso mesmo, tenha perdido uma boa oportunidade para resolver um grave problema conceitual.
Por muitos anos, tivemos fortes motivos para usar a expressão “percepção delirante”, e até para duvidar da própria existência da apercepção, como fase independente. Depois, entretanto, das descrições das AGNOSIAS APERCEPTIVAS E AGNOSIAS ASSOCIATIVAS, tornou-se insustentável a antiga denominação. A existência de pacientes, que são capazes de desenhar vários objetos em uma cena, mas incapazes de dizer o que estaria acontecendo nessa mesma cena, é uma confirmação da existência da APERCEPÇÃO e deveria ser suficiente para que redenominássemos o fenômeno em discussão como APERCEPÇÃO DELIRANTE.
Do ponto de vista semiológico, quase todos os autores valorizam mais, na sua caracterização, a inexistência de qualquer conexão lógica entre a situação e a conclusão, mas os limites para essa “não conexão” não são muito claros. Para nós, a conclusão AUTOREFERENTE E IMEDIATA, com caracteríticas de REVELAÇÃO pelo paciente, ou seja, sem necessidade de qualquer encadeamento de pensamentos para a conclusão, é também um critério obrigatório.

Márcio Amaral, vice-diretor IPUB-UFRJ, Prof. Adjunto UFRJ e UFF

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ