Temas e Controvérsias

PROPAGANDA: PSICOLOGIA, IMORALIDADE E INDUÇÃO AO CRIME

Quem pode duvidar de que as pessoas ligadas ao “marketing” valem-se de instrumentos finíssimos de observação/investigação psicológica? Afinal, influenciar pessoas é seu objetivo maior e, para isso, é preciso, antes de mais nada, conhecer. Sempre que se fala de investigação psicológica, porém, a questão que se coloca, OBRIGATORIAMENTE, passa a ser: em que sentido ela aponta? 1-ajudar as pessoas na sua libertação individual e no desenvolvimento pleno de suas capacidades e seu potencial ou; 2-refinar os instrumentos para manipulação dessas mesmas pessoas? Considerando que todas as agências de publicidade são julgadas, em princípio, pela capacidade de vender, o risco da predominância da segunda opção é enorme.

Vivemos em um mundo de seres humanos e não de anjos ou santos. As pessoas têm suas necessidades de sobrevivência e crescimento e alguns excessos são inevitáveis. É quase impossível imaginar um mundo sem “marketing”. A questão passa a ser, então: como desenvolver, nas pessoas-alvo, a capacidade para submeter, tudo o que invade seus órgãos dos sentidos, a uma crítica e também esperar que seja respeitado um código de ética, aumentando o controle social sobre a atividade? Os exemplos que citaremos demonstrarão em que sentido esse controle social deve ser exercido, segundo nossa opinião.

Deixando de lado as propagandas que envolvem a degradação da imagem das mulheres—seria um desfilar de exemplos, sem fim—Comecemos por um caso que envolve nossa atividade profissional mais diretamente.

1- Um jovem procura uma agência de seguros, querendo “comprar um futuro”. A atendente lhe apresenta uma espé cie de “mostruário animado”: dois idosos jogando golfe. Ele diz “tá bom, mas quero ver mais!”. Ela vai mostrando outros (todos com cenas ligadas à riqueza) que lhe vão interessando, até que esbarram em dois idosos jogando damas em uma praça. O possível “freguês” faz uma expressão de aversão e mal estar, saindo rapidamente do lugar, como se estivesse diante de algo execrável. Diríamos: sorte dos idosos que jogam damas e gamão—esses instrumentos para facilitar a comunicação e troca entre seres humanos—nas praças. Talvez a maior parte, dentre todos, esteja por trás de janelas, aprisionados às depressões e demências, além das suas próprias idiossincrasias. Em seu redimensionamento dos valores, muitos dos idosos, como as crianças, não precisam de artifícios para encontrar prazer. Nada melhor, aliás, do que uma outra propaganda, essa cheia de lirismos e beleza, para derrubar a triste “tese” da possibilidade de se “comprar um futuro”: que m se lembra da propagando de um cartão de crérito, mostrando que se pode comprar tudo, menos o essencial. O mais importante, até nas coisas mais comesinhas, não tem preço e, por definição, não pode ser comprado. O que dizer, então, da “compra de um futuro”?

2- Vários belos animais de pelúcia “conversam” enquanto observam um certo carro que desfila lentamente por uma rua. Dizem uns para os outros: “Ah! Se eu fosse gente, eu queria ter um carro desses“. Há várias combinações de situações com outros animais muito engraçadinhos, todos dizendo a mesma coisa: “Se eu fosse gente…“. Há tanto lirismo nos bichinhos, que uma outra “mensagem” (nada lírica ou poética) como que impregna a partir de níveis mais profundos: quem não tem carro, não é gente. Há uma outra, muito mais recente e mais sutil, mostrando um rato, cinza e enorme, cuj a alusão é parecida, farejando no ar a aproximação de um desses carros. É muita sutileza, mas quem disse que as pessoas de “marketing” não são sutis?

3- Agora, a indução ao crime: Um jovem, que tem um carro velho, fica sem gasolina em uma estrada e, na volta, já com um galão cheio de gasolina, recebe carona de alguém com um carro super-moderno. No caminho, o dono do carro vai listando as vantagens do seu carro (não basta a satisfação com as suas próprias coisas, é mais saboroso quando um outro quase “morre de inveja”). Chegando ao carro abandonado na beira da estrada, seu dono atira sobre ele a gasolina e ateia fogo.
Considerando que há muitos registros de pessoas que burlam as Companhias de seguro, forjando acidentes e ateando fogo a seus carros velhos, parece haver nisso uma indução ao crime.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ