Temas e Controvérsias

RESPONSABILIDADE CRIMINAL: REVENDO CRITÉRIOS!

("Capacidade de se determinar": um critério que só criou confusão!)

AbusadorNOTA: trata-se de trecho do capítulo “Transtornos da Personalidade” a ser acrescentado ao livro: “PSICOPATOLOGIA: FUNDAMENTOS E SEMIOLOGIA ESSENCIAL”, disponível na pág. do IPUB. Se o tema já era atual, o mau uso da psiquiatria por uma JUÍZA do MT (em “benefício” de seu próprio filho) trouxe-o à discussão generalizada pela sociedade. Além disso, os recentes casos de perversões sexuais envolvendo abusos contra mulheres em ônibus* também podem gerar o argumento, igualmente perverso (mas em outro sentido), de que essas pessoas teriam direito a algum “benefício” na avaliação de sua responsabilidade associado à perversão. Os critérios sugeridos abaixo resolveriam o problema definitivamente, embora sempre se possam criar outros.

Se há uma boa controvérsia em psiquiatria/psicologia é quanto à responsabilidade criminal das pessoas que receberam o diagnóstico de Transtorno da Personalidade. E não são somente os juízes que têm dificuldades para compreender essas condições e o porquê de, apesar de receberem um diagnóstico previsto nas nossas classificações, deveriam responder à Justiça como qualquer outro cidadão. Mais uma vez, é a fidelidade a um PRINCÍPIO que resolve a questão: as variações extremas da normalidade (como nesses casos) são APENAS isso mesmo (…variações extremas da normalidade) implicando que as sociedades devem tratá-las como tal, considerando-as plenamente responsáveis por seus atos.
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A discussão quanto aos dois quesitos exigidos para considerar se a “responsabilidade de uma pessoa é plena ou não” (conceito aberrante nele mesmo): 1-capacidade de compreender o caráter delituoso do ato; 2-capacidade de se determinar segundo essa compreensão, tem gerado muita confusão, especialmente por estimular filigranas intelectuais com as quais a aplicação da JUSTIÇA não convive bem. Aquilo que vou defender é: sofrer de uma doença psiquiátrica deveria ser condição para que a investigação da responsabilidade criminal de uma pessoa tivesse seguimento. A perda da capacidade de compreender o caráter delituoso do ato é, por definição,associada aos quadros mais propriamente psicóticos, implicando, segundo penso e durante o episódio psicótico, irresponsabilidade criminal plena e universal. Na investigação de um paciente, caso isso se confirme, a discussão ali se encerraria: a pessoa seria considerada NÃO RESPONSÁVEL.

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Em primeiro lugar, entretanto, há que investigar quanto ao paciente sofrer ou não de uma DOENÇA MENTAL propriamente dita. Somente em caso afirmativo passaríamos a avaliar a influência da doença na sua conduta (seria abolida dessa discussão a expressão “capacidade de se determinar”). Assim, estariam eliminadas dessa avaliação, em princípio e por princípio, os T. da Personalidade e as Perversões Sexuais. Como exemplos de situações, envolvendo pacientes psiquiátricos, nas quais essa influência deveria ser avaliada—depois de afastada um estado psicótico ao tempo da ação, repito—poderíamos ter: um episódio hipomaníaco bem caracterizado; um distúrbio grave do humor (basicamente irritabilidade) em um paciente epilético (bem diagnosticado e no caso de ter se envolvido em agressão) e até mesmo um paciente esquizofrênico fora de episódio de reagudização**. Esses poderiam pleitear uma eventual diminuição de pena. É bom lembrar que uma diminuição de pena, nesses casos, poderia implicar uma ORDEM para tratamento permanente, sob pena de nova custódia a qualquer tempo, caso não seja cumprida. Reparem que me referi apenas à possibilidade da atribuição de uma diminuição da pena e não a um “abrandamento de responsabilidade”. O conceito de “semirresponsabilidade” é uma aberração.

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FIM DO “ALEIJÃO CONCEITUAL”

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Outra boa consequência dessa proposta seria a eliminação de um critério que já foi até motivo de deboche (um homem “semihonesto“, por exemplo): a “semirresponsabilidade” comumente aplicada aos T. da Personalidade (especialmente antissociais e “borderlines”). Vi vários casos nos quais esse mau uso da Psiquiatria “beneficiou” indevidamente pessoas influentes na sociedade. Há, nos dias que correm, uma franca discussão a partir da intervenção arbitrária e ilegal de uma juíza (MT) em “benefício” de seu próprio filho, traficante conhecido e com crimes bem tipificados. Para se ter uma ideia da confusão que os critérios atuais têm induzido, um psiquiatra teria inventado até a aberração: “SÍNDROME BORDERLINE” para justificar a transferência do acusado para uma clínica psiquiátrica. De minha parte, e diante desses fatos, tive apenas mais convicção de que os critérios e termos aqui propostos são melhores.

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Por fim, apresento a sequência de condutas cuja adoção sugiro na discussão da atribuição de RESPONSABILIDADE PENAL a uma pessoa qualquer:

1– A consideração quanto à responsabilidade penal de uma pessoa (que tenha cometido um ATO ILÍCITO) deve se iniciar pela resposta à seguinte questão: a condição alegada pela defesa trata-se de uma doença psiquiátrica e/ou neurológica propriamente dita ou não? Se a resposta for NEGATIVA, encerra-se a discussão e o cidadão responde por seus atos como qualquer outro.

2– Em caso AFIRMATIVO (sim, a pessoa sofre de uma DOENÇA psiquiátrica e/ou neurológica propriamente dita), deve-se passar à seguinte questão: o paciente examinado tinha, ao tempo da ação, consciência do caráter delituoso de seu ato? Caso a resposta seja NÃO (o ato ilícito decorreu de atividade delirante ou furor catatônico, por exemplo), a pessoa seria considerada totalmente irresponsável do ponto de vista penal; receberia uma MEDIDA DE SEGURANÇA de duração variável, segundo critérios dos juízes, sendo, ou não, colocada sob custódia (dependendo do risco associado);

3– Caso a pessoa, apesar de uma doença psiquiátrica e/ou neurológica prévia bem caracterizada (TAB, Epilepsia, sequela de TCE diminuindo controle de impulsos e até mesmo uma Esquizofrenia), tivesse, ao tempo da ação, condições para a consciência do caráter delituoso dos seus atos, mas, apesar disso, houvesse a certeza de ter sido (aquele ato) executado sob influência da doença de que sofre, o paciente poderia ter alguma redução da pena***. Quando da sua libertação, entretanto, receberia a ordem de permanência em tratamento sem prazo determinado; com a possibilidade de perda da liberdade a qualquer tempo (potencialmente por toda a vida) caso suspenda o tratamento ou se, em decorrência da própria condição clínica, voltar a representar uma ameaça a ela mesma ou à sociedade. É possível até que isso desencoraje muitas das pessoas, possivelmente beneficiárias do dispositivo, pois implicaria uma relação permanente com a Justiça.

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*FROTAÇÃO é a denominação dessa PERVERSÃO DE NATUREZA SEXUAL. É termo de origem francesa: “frotacion”, sem correspondente em português, implicando esfregar com força. Procurar aglomerados de pessoas (especialmente em transportes coletivos) de maneira a exercer sua perversão. Que tenha sido chamado de “MANÍACO DO ÔNIBUS” é mais um demonstração de que devemos redenominar os episódios extremos de elevação do humor.
**Recentemente, entrei em uma discussão com colegas junto à Justiça por conta da avaliação da responsabilidade criminal de um paciente esquizofrênico (texto publicado neste blog). Seu envolvimento em ato delituoso se dera em função de sua PASSIVIDADE. Em meio à discussão e depois de defender que, diante daquele diagnóstico, a NÃO responsabilidade deveria ser plena, refleti a respeito e concluí por merecer ele, naquela situação, responsabilização, mas com atenuação de pena. Esse texto resultou dessa reflexão.
***O assediador do ônibus, parece ter sofrido um TCE importante cujas sequelas podem estar associadas à DIMINUIÇÃO do controle sobre seus impulsos. Sem entrar em discussões jurídicas quanto aos seus atos se tratarem de crime propriamente dito, seu quadro está longe de ter expressão psicótica: planeja suas ações e sabe bem do seu caráter delituoso. Sendo assim, e levando em conta o seu descontrole dos impulsos, deveria ser enquadrado nessa última situação: responsável; com abrandamento de pena e obrigatoriedade de tratamento permanente.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ