Temas e Controvérsias

SENTIMENTOS, HUMOR, AFETOS, EMOÇÕES, PAIXÕES E TEMPERAMENTO

A impossibilidade de aplicar definições satisfatórias aos termos e fenômenos do título, sem cair em TAUTOLOGIAS (ver texto anterior), não nos desobriga dos esforços para desenvolver uma linguagem comum e criteriosa em torno deles. Pelo contrário, exige um esforço ainda maior, de maneira a criar uma rede de conceitos por aproximação; uma espécie de “teia de aranha”, com capacidade de sustentar e instrumentalizar o pensamento e as intervenções práticas.

Antes de mais nada, há que procurar, também aqui, pelo elemento primordial do qual todos os demais derivam. Em relação à VONTADE, esse elemento é o DESEJO (ou INTERESSE), pois é ele que dispara o todo o processo. Em relação à sequência: SENSAÇÃO-PERCEPÇÃO-APERCEPÇÃO, também o elemento primordial é óbvio. Sem a capacidade dos seres vivos para reagir aos estímulos físico-químicos (e outros) do meio, não existiriam as demais.

Passando à esfera mais subjetiva, e para além das interações físico-químicas (mas a elas também relacionada), vários seres vivos desenvolveram a capacidade de reagir de maneira mais complexa a situações do meio (através do medo e raiva, por exemplo) e, por derivação natural, o termo mais abrangente para denominar essa capacidade há de ser SENTIMENTO. Se alguns vegetais desenvolveram capacidade para a SENSAÇÃO (reação à luz e a estímulos mecânicos, nas plantas carnívoras, por exemplo), isso não aconteceu em relação ao SENTIMENTO, apanágio dos animais.

Os americanos dão preferência à palavra EMOÇÃO para aquela função, enquanto os autores latinos valem-se da AFETIVIDADE. Curiosamente, quase todos iniciam seus capítulos correspondentes apresentando a classificação dos SENTIMENTOS, segundo M. Scheller¹, em uma espécie de “confissão tácita” de onde deveriam procurar pelo termo primordial, só não o fazendo por algum vício (derivado talvez, do uso em  “Transtornos Afetivos”). No mínimo, estamos em muito boa companhia, uma vez que, além de Scheller (e, por consequência, os que o citam) , K. Jaspers e K.Schneider também utilizam a palavra SENTIMENTO para esse fim.

O termo AFETO, tão caro a todos, curiosamente, não tem uma origem assim tão edificante. É primo-irmão de AFECÇÃO que, como sabemos, é sinônimo de doença. Sua aplicação, durante séculos (talvez milênios), foi associada às “reações que perturbavam o bom funcionamento da Razão”: as “Afecções da Alma” (S. Agostinho/Spinoza). Sob influência platônica (e, posteriormente, de Kant), todo objetivo de uma “mente superior” deveria ser “pairar acima dos afetos”, sem ser AFETADA. Dessa forma, reafirmavam a “inferioridade” das mulheres, sempre mais sujeitas à sua expressão. Assim seguiu o pensamento humano, até que Nietzsche bradou ao mundo: “Não somos batráquios pensantes, aparelhos de gélidas entranhas” (Gaia Ciência). Os AFETOS seriam contados às dezenas: amor, ódio, inveja, ressentimento, desprezo, ciúmes, orgulho, tristeza, e assim por diante. Por definição, são também como que “fogos-fátuos” por seu brilho efêmero e dependente das situações imediatas.

HUMOR, ao contrário, seria a “corrente subjacente” que impõe seu colorido a tudo o que surge na superfície. Corresponde a um ESTADO e, por definição, tem uma longa duração. Até mesmo pelo seu outro uso, como secreção glandular, alude a determinações muito mais profundas. Por isso, aliás, estamos convencidos de que a denominação T. Bipolar do Humor é a mais adequada, uma vez que é o HUMOR que está exaltado ou deprimido nas manias ou depressões. Defini-lo, ainda, como a “soma dos sentimentos na consciência em um momento dado” (Bumke), apresenta pelo menos duas impropriedades: 1-se é um estado, não é momentâneo e; 2-na esfera subjetiva, nada é meramente somado ou justaposto. Tudo se mistura e influencia mutuamente

EMOÇÃO, por sua derivação do verbo latino movere, deveria permanecer fiel à sua origem e denominar as situações nas quais, junto com o sentimento, são disparados atos e movimentos, como na incontinência emocional. Serve também para denominar situações nas quais as pessoas são movidas a fazer algo, em função de alguém ou de uma causa.

Toda PAIXÃO implica um embotamento importante da capacidade de julgar e planejar racionalmente os atos e avaliar suas possíveis consequências. Por isso, damos esse nome às situações nas quais a natureza, que vive em cada um de nós, como que “toma as rédeas” determinando nosso comportamento, muito para além (ou aquém) da Razão.

TEMPERAMENTO implica disposições/inclinações genético-constitucionais. Empédocles e Hipócrates (há cerca de 2400 anos) listaram quatro possíveis, dependendo da predominância de um dos líquidos/humores corporais. Akiskal, tentando resgatar o tema e não querendo ficando atrás, vem defendendo a existência de cinco. Logo deveremos ter um número bem maior, pois o TH (t. hipertímico), por exemplo, deverá ser subdividido em THI, THII, THIII…

No mínimo, temos a impressão de haver critério em cada uma das sentenças acima.
No próximo texto, vamos nos dedicar à classificação e semiologia dos transtornos nessa área.

¹É verdade que Scheller também confundiu um pouco o tema, ao falar em “sentimentos sensoriais”. Enquanto as sensações são muito simples e diretas os sentimentos são extremamente complexos e subjetivos. Juntá-los, somente porque representam formas pelas quais os seres humanos reagem ao meio, parece-nos totalmente inadquado.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ