Temas e Controvérsias

SÍNDROME- “SIN-DROMUS” OU “O QUE ANDA JUNTO”

Até o advento do DSM-III, o interesse em relação às síndromes em psiquiatria era muito pequeno. Nós mesmos, que aprendemos a importância da boa caracterização de uma síndrome nos cursos voltados às doenças infecciosas e parasitárias (durante o curso médico), não encontramos essa mesma valorização na nossa especialidade. Considerando a não existência de sintomas patognomônicos em psiquiatria, e que nenhum dos tratamentos que aplicávamos dirigia-se propriamente às causas específicas das doenças (eram meramente sintomatológicos ou sindrômicos), esse pouco interesse era muito de se estranhar. A grande verdade, porém, é que, diante das magistrais descrições dos autores clássicos, cada um de nós se achava em condições de estabelecer diagnósticos somente pela psicopatologia ou até mesmo pelo “jeitão”, biotipo ou até mesmo a sensação de uma “parede de vidro” (como que interposta, em relação aos esquizofrênicos). Que as novas gerações se admirem, mas isso acontecia e era até verbalizado dessa forma.

O início das pesquisas e o entrechoque dos diagnósticos atribuídos por médicos (até mesmo de um mesmo serviço) a um paciente (desde que não se comunicassem) mostrou o quanto esses “critérios” eram falhos. A taxa de concordância (confiabilidade) era baixíssima. E, então, a partir da exigência da observação da evolução, foi redescoberta a síndrome como elemento essencial no estabelecimento de um diagnóstico em psiquiatria, sem qualquer prejuízo para a terapêutica. Muito pelo contrário: evitando a precipitação diagnóstica, quantos benefícios para os pacientes!

Todo o valor atribuído às síndromes baseia-se em 3 princípios:
1– não há especificidade na relação entre sinais/sintomas particulares e transtornos psiquiátricos (seria uma enorme perda de tempo e esforços falar em síndrome se fosse possível aquela correlação direta).
2– uma mesma síndrome (conjunto de sinais e sintomas) pode decorrer de mais de um transtorno psiquiátrico (de novo, se houvesse relação de especificidade entre cada conjunto e um transtorno específico, não perderíamos tempo e esforços com síndromes). Por isso, esse tipo de diagnóstico funciona como uma espécie de “estação-síndrome” na qual fazemos como que uma “parada”, objetivando delimitar um pouco mais o campo de investigação e, na quase totalidade das vezes, iniciar a terapêutica.
3– a combinação entre sinais/sintomas (conjuntos) não se dá ao acaso, uma vez que, estando esses mesmos sinais/sintomas na casa das centenas, suas combinações possíveis (conjuntos em grupos de três) elevar-se-iam à casa dos milhões e isso tiraria todo o interesse pelas síndromes. Para nossa felicidade, as combinações encontradas na clínica psiquiátrica não chegam a duas dezenas, número que varia dependendo da inclusão (e subdivisão) de síndromes orgânicos mais propriamente ditos.

A própria palavra, derivada de SIN-DROMUS, dá a indicação para a origem desse fenômeno, uma vez que diz, literalmente: aquilo que anda junto. Ou seja, cada sinal ou sintoma tem como que uma “força gravitacional” que atrai alguns outros correlatos e não os demais. Os delírios, por exemplo, “andam junto” com (ou “atraem”) as alucinações, assim como hipertimias levam consigo a impulsividade, por exemplo. Essa observação aponta, ainda, para uma outra utilidade do diagnóstico sindrômico: a indentificação das simulações, uma vez que os simuladores, não conhecendo essa relação, associam sinais/sintomas que não caracterizam uma síndrome conhecida.

Por fim, e ao final de um exame, gostamos de atribuir ao caso apenas um síndrome psiquiátrico (ao qual podemos associar outros síndromes de outras especilidades). Reconhecemos haver casos aos quais se podem atribuir mais de um, mas, na maioria das vezes, esse segundo diagnóstico sindrômico decorre de falta de critério.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ