Temas e Controvérsias

TEM A PSICOTERAPIA UM “EFEITO PLACEBO”?

(DOS PERIGOS DA EXPANSÃO E MAU USO DE CONCEITOS)

Quem acompanha esses escritos sabe que a principal preocupação do seu autor tem sido demonstrar os riscos do mau uso de conceitos e a transposição, sem critério, de conceitos de outras áreas para a saúde mental. Muita gente quer ser identificada como criadora de novos conceitos e, nesse afã, “levantam uma poeira” que só faz confundir, especialmente os iniciantes. Algumas dessas “tentativas” são apenas inúteis; outras, altamente prejudiciais. É o caso da transposição do conceito de “efeito placebo”—associado, originalmente, à investigação psicofarmacológica—à “explicação” dos efeitos da palavra, presença e gestual do profissional, na promoção da saúde (em geral, mas especialmente da saúde mental). O mais dramático, nessa transposição, é que seu s autores e divulgadores, julgam, com isso, estar reforçando o papel da PSICOTERAPIA e dando a ela forum de ciência. Falta-lhes até mesmo um mínimo de senso histórico, como tentaremos demonstrar abaixo.

Esqueceram-se, além disso, que o “efeito placebo” se apoia e origina em um ENGANO—mesmo que seja com a cumplicidade do próprio enganado—enquanto, a palavra, para ser efetiva e consistente do ponto de vista terapêutico, precisa, ao contrário, procurar por algumas verdades. Não cometerei o absurdo de falar em verdades eternas e absolutas. Refiro-me às verdades de cada um: seus sentimentos, inclinações e assim por diante, assumindo as consequências da sua expressão. Somente elevando essa sintonia de alguém com suas verdades mais profundas é possível obter melhoras consistentes em psicoterapia. Aplicar aquele termo à PSICOTERAPIA implicaria uma prática baseada no AGRADAR ao paciente, afinal, PLACEBO deriva de PLACERE. Pensando bem, temos visto muita gente adotando essa atitude de agradar a seus pacientes, à maneira de um “maître“. Mas, convenhamos, não foi nesses termos que Freud crio u o primeiro método terapêutico mais sistemático baseado na palavra!

A origem desse mau uso do termo está na confusão do que sejam: SUGESTÃO e PSICOTERAPIA. Apenas para a primeira seria aceitável algum paralelo com o placebo. O uso sistemático da sugestão com objetivo terapêutico iniciou-se com A. MESSMER (1734-1815) no final do séc XVIII, em Paris. Influenciado pelas recentes descobertas do magnetismo, interpretou ele os efeitos de “cura”, obtidas em grandes espetáculos, a um certo “magnetismo animal”. Em pleno apogeu da investigação científica, durante o ILUMINISMO, era mesmo difícil aceitar que alguns efeitos se pudessem obter sem a intervenção de uma energia qualquer, ainda que não mensurável*. Em 1809, Puységur (1751-1825), um de seus discípulos, sem intenção específica, obteve um primeiro estado de transe hipnótico, iniciando uma nova era que culminou em Charcot. ATÉ ENTÃO, TODOS COMO QUE “SALTAVAM” PO R SOBRE OS CONFLITOS GERADORES DOS SINTOMAS. Freud, ao contrário, criou um método visando a identificação dos conflitos subjacentes aos sintomas e, por isso, sua obra representa um corte epistemológico em relação ao que havia antes. Quem se diz influenciado por Freud não pode cometer esse erro crasso.

Voltando ao PLACEBO, há uma variedade enorme de enganos possíveis, na clínica e na pesquisa. Quase todos os pesquisadores da área defendem seu uso, mas tem havido uma restrição crescente à sua utilização. Não vamos aprofundar essa discussão. Mas a aplicação de placebos dotados da capacidade de provocar apenas efeitos colaterais—semelhantes ao da droga que está sendo testada—é uma violência inaceitável contra o princípio basilar da Medicina: primum non nocere (antes de mais nada, não causar um mal). A inversão seria total e injustificável, uma vez seria aplicada uma outra prática: antes de tudo, causar desconforto. Está certo que as práticas na pesquisa devam ser um pouco diferentes em relação à clínica, mas certamente não a esse ponto.

E a palavra? Será que tem também um efeito placebo? No caso do “agradar”, discutido acima, o engano costuma ser d uplo: o próprio “terapeuta” estaria também se enganando, tentando acreditar que o simples alívio de tensões seria um instrumento eficiente. Há situações nas quais isso certamente é indicado. Tornando-se a tônica de uma psicoterapia, entretanto, implicará a perda de seu principal instrumento, e as “melhoras” não terão qualquer consistência. As origens para aquele auto-engano dos terapeutas podem ser várias: despreparo, superficialidade insanável, medo de perder os pacientes, não mais conseguir pagar suas contas e assim por diante. Quem não está preparado para correr riscos deveria procurar outras atividades.

No caso do engano intencional, como, por exemplo, dizer que alguém está bem e que vai se recuperar logo, sabendo que a evolução, muito provavelmente, será oposta, talvez se possa obter algo parecido com um “efeito placebo”. Logo, entretanto, o resultado será desastroso, especialmente para a credibilidade do profissional. Quer isso dizer que devemos ser frios e quase cruéis (de crueza) nessas comunicações? Não! Procurar sempre pelo ponto de vista mais otimista possível, sem violentar os fatos, costuma ser produtivo. Não temos, em qualquer circunstância, o direito de dar prazos de vida ou falar de fatalidades inevitáveis. Já vi muitos desses “prognósticos” desmoralizados, junto com quem os fez. Melhor, nesses casos, é dar informações, a partir de dados epidemiológicos em casos semelhantes, evitando sempre fazer “terrorismo” com as informações.

Por fim, vou radicalizar** e dizer que a boa psicoterapia precisa funcionar como uma espécie de “ANTI-PLACEBO”, uma vez que somente ela (em quaisquer dos seus modelos) pode dar consistência às melhoras obtidas através de outros instrumentos. Dou exemplo: tratar um transt. do pânico, bem caracterizado, apenas com psicoterapia costuma ser infrutífero, mas, por outro lado, atribuir aos medicamentos a função de modificação de certos padrões de comportamento—que estariam na base da condição—além de representar um olhar muito restrito para a clínica, implicaria uma condenação ao uso permanente da medicação. As pessoas precisam de um “terreno firme”, e um mínimo de estabilidade, para começar um trabalho de reflexão sobre a própria vida e/ou desenvolvimento de outras estratégias comportamentais (independentemente, repito, de “linhas” e modelos). Por que anti-placebo? Porque é penso ser nossa tarefa, n esse doloroso processo, desmistificar falsas expectativas e melhoras muito rápidas e sem consistência; antecipar possiveis recuos, de maneira a diminuir o efeito de certas quedas; falar do quanto o processo é difícil e outras. ESSAS CONDUTAS VISAM EXATAMENTE DIMINUIR O “EFEITO PLACEBO”.

Quem quiser que fique com os enganos!

*Nem Freud se viu livre de se incomodar com um “excesso de subjetividade”. A invenção do termo CATÉXIA corresponde a uma submissão à física (que também fizera grandes avanços em sua época). Seus raciocínios “termodinâmicos” para o “sistema mental” e suas possíveis “trocas de energia” representam uma traição à sua própria obra.

** Na era do “politicamente correto”, a palavra RADICAL tornou-se xingamento. Declaro que, em todas as discussões, procuro sempre pelo PRINCÍPIO que deve ser tomado como referência. Quando considero tê-lo encontrado, sou absolutamente radical na sua aplicação. Com princípios não deve haver negociação.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ