(INCORPORANDO A LINGUAGEM EMPRESARIAL)

Márcio Amaral

Do ponto de vista dos esforços das grandes corporações para ampliar seu controle, financeiro e ideológico, sobre as sociedades em geral, tenho a impressão de que podem olhar para a Universidades Federais e cantar: “Tá tudo (quase) dominado…! Tá tudo (quase) dominado!”. Não é pouco!

Nossas Universidades fazem parte da sociedade em geral. Não queremos a alienação da ACADEMIA de Platão, mas é bom ir“devagar com o andor…”. Aproximação e interaçãosão muito diferentes de diluição de valores e perda de identidade! “Sem querer ficar do lado de quem não quer navegar…”, não podemos viver “isola”dos, mas há que controlar melhor a invasão de nossa Ilha! Afinal, há muitos piratas por aí! Para isso, entretanto, somente com uma clareza em relação a nosso papel de instância crítica…Mas se estamos perdendo até a nossa linguagem…!

Um outro dia, fiquei pasmo diante de um cartaz, na entrada do Campus P.Vermelha, anunciando: “Semana AYRA DE DEBATES” (maio 2012) promovida por uma certa “Empresa Júnior de Gestão de Negócios da UFRJ”. Ao submeter um povo: primeiro, usam-se as armas; depois, o assassinato de seus deuses (conduta chamada por alguns de catequese); por fim, a dominação se consolida através da incorporação da linguagem do dominador. Lendo os temas anunciados para debate na UFRJ, fiquei um tanto impressionado: nada havia ali de propriamente universitário.

—-“Experiências que levam ao Sucesso”

—“Talk Show: diversas formas de impactar a sociedade!“

—“Um profissional de sucesso: de Trainee a sócio”

—“Itau com: “Sucesso: como chegar lá?”

—“Possíveis caminhos do sucesso: empreendedorismo”

—“O mercado financeiro”

Não sei se terão sucesso no impactar as sociedades em geral. A mim, entretanto—que estou na UFRJ desde 1971, quando aqui entrei como estudante—impactaram fortemente. Não reconheci a minha universidade naquelas palavras. Considerando que tudo começa e termina pela linguagem, e se as coisas já ganharam essa dimensão enquanto a tal empresa ainda se chama JÚNIOR, imaginem quando ela se chamar SENIOR!!!!

A próxima questão passou a ser: de onde tiraram a palavra AYRA? Em tupi-guarani seria “FILHA” e eu digo que fiquei muito preocupado quanto à sua paternidade. Se querem fazê-la passar por “filha da UFRJ”, mais se parece com uma espécie de “OVO DE CUCO”colocado em ninho alheio. Logo, seu “rebento” estará deslocando e atirando fora os ovos originais.Considerando que há, entre nós, muitos empresários frustrados—daqueles que incorporam os discursos dos “poderosos do momento”—podemos pensar também que o “rebento” em questão seja proveniente de uma mutação no nosso DNA, promovida em algum dos nossos laboratórios. Quem sabe não é um “enxerto prá ver se pega”?

Eis que, no dia 06/6, OGLOBO apresentou em manchete “garrafal”: “BIOTECNOLOGIA PARA A VIDA REAL: UFRJ lança BIOLNOVAR, um polo de laboratórios que visa aproximar cientistas e empresas”. Eu, com o meu amor-próprio já um tanto ferido, percebi naquele “Vida Real” uma ponta indisfarçável de deboche. Quer dizer então que, até hoje, tudo o que fizemos foi fora da vida real!!! Mordam a própria língua e envenenem-se com sua realidade tosca! Por aqui há muito mais do que a preocupação com números e produção de bens! Os melhores bens, aliás, são os imateriais:

“Cecília, és libérrima e exata/Como a concha/Mas a concha é excessiva matéria/E a matéria mata…” (Manuel Bandeira, Para Cecília Meirelles)

Mas isso é inacessível para os seres muito objetivos e…muito práticos. Gosto de dizer que ser prático é muito bom…apenas para que sobre mais tempo para o “nada prático”: o amor,  arte, a alegria, a dança, a conversa à toa, etc.

Uma das coordenadoras do projeto valeu-se até de um “mote global” que, por aqui, usamos sempre para ridicularizar as mentes pequenas: “O Biolnovar…reúne gente que faz”. Resta saber “o que que essa gente faz”, uma vez que o estar vivo implica fazer alguma coisa, obrar, etc. Uma outra falou de dar visibilidade a muitas pesquisas que estão hoje “escondidas” nos laboratórios. Considerando: que os maiores pesquisadores da história ficaram, sem exceção e por muito tempo, “escondidos” até conseguir chegar ao melhor resultado, e que há hoje no mundo um verdadeiro espetáculo midiático associado à pesquisa (gatos fosforecentes e outros), diria aos pesquisadores CUIDADO COM O ASSÉDIO, A FAMA E A “APLICAÇÃO PRÁTICA”. Aliás, onde foi parar a preocupação com pesquisa básica? Essa beleza do saber apenas pelo gosto de saber, sabendo que os “homens muito práticos”, um dia, haver ão de tirar algum proveito daquilo?

Por fim, a confissão de que estamos nos tornando caudatários das grandes corporações. Disseram ainda: “A idéia é tirar os produtos da bancada dos laboratórios e dar mais escala, desenvolvendo-os e oferecendo-os à empresas, depois de terem passado por uma prova de conceito“. “Dar mais escala” é uma linguagem industrial. Nem de alta tecnologia é, muito menos de um cientista ou pesquisador! Eu, que sou muito preocupado com a linguagem, confesso que fiquei paralisado diante dessa “prova de conceito”! O que quer isso dizer? Afinal, conceituar deriva de conceber, implicando a tradução plena desse algo concebido em palavras.

Já a EBSERH…! Esse já é um “enorme CUCO”, FEDERAL mesmo, apesar de recém nascido! Está até deslocando várias das instâncias Universitárias e violentando sua Autonomia. E por mais que digam que nenhum funcionário será afastado ou contratado sem a participação dos agora “Superintendentes” (os primeiros “deslocados”, pois não são mais diretores), a Empresa, caso se imponha, ganhará competência para isso. Com o passar do tempo, essas competências acabam por se impôr e executar. Já eu, penso que competências não se devem transferir, especialmente quando elas têm sido bem executadas.

*Na sua reprodução, a fêmea-cuco coloca seu ovo em ninho alheio. Ele eclode antes dos demais e é “programado” para atirar fora do ninho os originais. Enganados, os construtores do ninho se esforçam para alimentar animal muito maior do que eles mesmos.