Arte e Cultura

“BURN OUT”! UMA HIPÓTESE PARA O PILOTO?-III (CONCLUSÃO)

(Alguns dos maiores destruidores do mundo em que viveram!)
Márcio Amaral
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NOTA- 1: terminei o texto anterior levantando a hipótese do copiloto haver sofrido algo parecido com um “burn out” nos meses que antecederam a tragédia. Posteriormente, li em publicação alemã que, em 2009, esse diagnóstico teria sido registrado em seu prontuário. Há aí alguns problemas conceituais, talvez insuperáveis no caso: confundiram um “esgotamento” inicial com um “burn out” propriamente dito (embora um possa evoluir para o outro). Ele teria apenas 21 anos e esse diagnóstico parece precipitado. Em um “simples esgotamento”, o aspecto da energia física (OBJETIVO) predomina. Já no “burn out“, haveria como que uma “queima” de todos os sonhos, projetos e relações, passando por decepções graves com todos os envolvidos—toda a humanidade?—associadas a injustiças sentidas (SUBJETIVO). O processo desembocaria no CINISMO, também observado nas expressões verbais finais do copiloto. Arrisco-me a afirmar: NÃO HÁ “BURN OUT” SEM CINISMO. A insistência na mesma atividade certamente foi um erro e a falta de flexibilidade, consequência de uma cultura. Assim, o caminho para o “burn out” pareceu inevitável. Em minha opinião, trata-se de um grande erro chamar a síndrome também de “de ESTAFA OU ESGOTAMENTO PROFISSIONAL“. O mesmo também deve ser dito para outra denominação: “ESTRESSE PROFISSIONAL CRÔNICO“. É esperado de nós um pouco mais de profundidade na avaliação dos processos por que passam as mentes humanas, valorizando a SUBJETIVIDADE. Outro dado também impactou bastante: ele teria colocado laxante (consultou na INTERNET) em bebidas do piloto para provocar sua ida ao banheiro. (para maiores informações sobre “Burn Out”, ver dissertação de mestrado de Isabela Magali Vieira, embora as considerações acima sejam totalmente pessoais).
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NOTA DE ÚLTIMO MOMENTO: Lubitz, para acessar seu computador pessoal, usava o termo “SKYDEVIL”. Muito significativo! Já faz muito tempo que repito: as pessoas têm se preocupado com o INFERNO, mas o maior problema da humanidade é o conceito de CÉU. Quando “inventaram o Céu”, atiraram a humanidade no inferno. Como um novo e trágico ÍCARO, ele tentou chegar ao Céu e se precipitou no abismo, infelizmente levando 149 pessoas com ele. E que não tentem reduzir o problema a algo meramente médico: “Já de acordo com a revista “Spiegel”, Lubitz…consultou ao menos cinco médicos, incluindo psiquiatras e um neurologista nos últimos meses. ‘Para um jovem, ele consultou um número espantoso de médicos”, diz a revista, citando um investigador que afirma ter visto um relatório sobre o tratamento do copiloto.
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Emile Zola (1840/1902)Emile Zola (1840/1902)NERO: Levou esse nome o maior “destruidor de seu próprio mundo” na antiguidade. Hoje se sabe que ele não teria propriamente posto fogo em Roma (ver W. Durant “História do Mundo”). Ainda não existiam lança-chamas. Foi seu mundo que se destruiu naquele fogo. Ele, muito provavelmente, expressou algum cinismo em relação ao acontecido, como se até estivesse gozando o fato. Mas se engana quem pensa ter sido Nero sempre um ser perverso, etc. Todos os dados mostram um jovem ligado às artes, ao teatro e à música; capaz de atos de ternura, mas sem caráter forte o insuficiente para resistir à perversão do ambiente em que vivia. Daí ao cinismo e desejo de destruição generalizada do mesmo mundo que tinha destruído seus maiores valores…apenas um passo, contando que tivesse poder para isso. Afinal, são, ou não, os valores que sustentam nossas vidas?
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SUVARIN: personagem do GERMINAL de E. Zola. Um anarquista que, depois das derrotas das grandes greves dos mineiros franceses (final século XIX) e vendo como eles se deixavam, de novo, engolir e devorar nos buracos sujos—hoje visitados por turistas muito alienados em relação ao que representam aquelas minas*—promove uma sabotagem inundando a mina e matando dezenas de mineiros. Aquele era também “um mundo que precisava morrer”, embora as minas continuem a engolir muita gente por aí. O Chile que o diga: “…Voltou a encontrar o monstro engolindo sua ração de carne humana, os elevadores emergindo, mergulhando, sumindo com sua carga de homens, sem descanso, abocanhando com a facilidade de um gigante voraz…Suvarin, a partir desse momento, parecia ébrio de ódio. Os sopros do invisível arrebatavam-no, o negro horror daquele buraco batido pela água lançou-o num furor de destruição…A besta estava ferida na barriga (depois da sabotagem), ver-se-ia se ela poderia viver até a noite. E lá estava a sua marca; o mundo, aterrado, viria a saber que ela não morrera de morte natural“. Ele também queria ter os créditos da destruição.
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Göering, Goebbels, Heidrich, Himmler, Röhm. É fácil dizer que se trata de um desfile de monstros, de corpo e alma. Mas eram seres humanos, em cujas expressões se podem ver: ódio, ressentimento, inveja... Não deixaram também de ser filhos da sua época e de seu lugar. Triste época; triste lugar!Göering, Goebbels, Heidrich, Himmler, Röhm. É fácil dizer que se trata de um desfile de monstros, de corpo e alma. Mas eram seres humanos, em cujas expressões se podem ver: ódio, ressentimento, inveja… Não deixaram também de ser filhos da sua época e de seu lugar. Triste época; triste lugar!A. HITLER: poucos dos destruidores de mundo foram tão efetivos quanto aquele ser abjeto. Quem ler “Ascensão e Queda do III Reich” (W. Shirer) ficará convencido de que seu móvel era APENAS (não só principalmente) a destruição de um mundo que teimava em não desaparecer. Essa é também a tese defendida por Sebastian Haffner (“Alemanha: Dr Jekyl and Mr Hyde”, 1940). Aquele “enterro”, aliás, precisou de duas etapas e muitas mentiras envolvidas em falsos ideais. A rigor, a “solução final” não se restringia aos judeus. Lembram-se daquela máxima de que a imoralidade, quando não atacada, acaba tomando a todos, inclusive seus executores? Os últimos vitupérios e anátemas do “Füeher” foram dirigidos ao próprio povo germânico que ele tanto adulara: “Um povo que não conseguiu fazer prevalecer os mais altos valores do nazismo não merece continuar existindo”. Sentença parecida com a que Fraus Goebbels justificou o assassinato de seus 6 filhos, todos com nomes começados por H, como seu “Fueher”. Nunca o NARCISISMO atingiu pontos tão altos. Deixemos de tratar as pessoas que levaram a efeito toda a barbárie possível como “loucos”. Sempre que ouço algo do gênero falo bem alto “Não ofendam os loucos!”.
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Vou terminar emitindo um juízo temerário e que soará preconceituoso a muitos. Socorro-me em H. Arendt, segundo quem: TODOS os juízos têm seu matiz preconceituoso, ao menos de início. Julgamos sempre comparando. Há problema quando alguém tenta dar cunho de “ciência” e “evidências” a esses juízos. Não o farei aqui. O fenômeno do piloto assassino/suicida haveria de ser algo muito alemão. Nenhum outro povo ocidental conseguiu fazer com que tantas pessoas se comportassem quase como peças de uma engrenagem desumanizada (“Arbeit macht Frei”). Além disso, é típico dos alemães** levar à prática mais extrema os preconceitos acalentados por outros povos momentaneamente dominantes do ponto de vista cultural. O antissemitismo era principalmente um fenômeno francês copiado e levado ao extremo pelos alemães. A própria expressão “solução final” implica: “Vamos dar um desfecho competente e definitivo onde outros povos tentaram e falharam”. Talvez, hoje, esteja ocorrendo algo semelhante em relação ao domínio cultural americano. Lubitz teria tornado ato um discurso que leva INEVITAVELMENTE à conclusão: as vidas humanas, a sua, a minha, e as de todos, não valem nada por elas mesmas, somente quando transformadas em algum tipo de valor contábil. Que um dia honremos uma das mais belas sentenças da filosofia: “Age de maneira a que tomes sempre toda a humanidade—tanto na tua pessoa, quanto na pessoa de qualquer outro—como fim, nunca meramente como um meio!“, (I. Kant: “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, Os Pensadores, Abril Cultural, SP).
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NOTA-2- Talvez eu tenha cometido uma injustiça contra a Alemanha e seu povo. Há que tentar entender o porquê da sua associação com a violência e a brutalidade. A história, mas também a LINGUAGEM, têm algo a dizer a respeito. A violência cometida contra seu povo, durante a Idade Média, por parte dos cristãos (e em função da catequese, de má lembrança) ainda não foi suficientemente estudada. Nenhum outro povo recebeu denominações tão variadas: Deutsch (na própria língua), German (inglês), Tisk (escandinavos), Tedesco (italiano) e Allemagne (segundo denominação francesa). Para esse último, a associação é direta: ALLE MAGNE indica “totalmente pertencente a CARLOS MAGNO”, seu “conquistador” e violentador de seus mitos e mitologia. O dado mais candente dessa conquista teria sido o corte de um enorme carvalho sob o qual as diversas tribos “bárbaras” (ninguém foi mais bárbaro do que aqueles que inventaram essa denominação) se reuniam anualmente para festejar o solstício de verão. Talvez os alemães estejam procurando por sua própria história e mitos até hoje.
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*Não visitei, até hoje, minas no Brasil, mas “Serra Pelada” faz pensar que o espírito indomável de nosso povo não aceitaria viver em buracos. Por isso, fizeram somente um buraco…enorme; agora transformado em um belo lago.
**De minha parte, digo que estou muito esperançoso com os movimentos já ensaiados pelo governo alemão no caso. Denotam independência em relação aos americanos, inclusive em relação à história de obrigar ao mínimo de 2 na cabine. Que sejam tão efetivos como na paz ucraniana, quando rugiram contra a OTAN—essa instituição sempre empenhada em promover crises—e assumiram o protagonismo pelo lado ocidental.
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