Arte e Cultura

CARNAVAL: CENTRAL NA AFIRMAÇÃO DA CULTURA POPULAR-I

(De como a igreja conseguiu matar o carnaval na Europa…sua Ressurreição no Brasil)

Márcio Amaral, vice-diretor IPUB

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“A arte de descobrir as causas verdadeiras dos fenômenos, ou de fazer as melhores hipóteses, é como a arte de DECIFRAR. Muitas vezes, uma conjectura engenhosa abrevia muito o caminho…”—(JG LEIBNIZ, “Novos Ensaios” Cap. XII).

No seguimento, depois de citar Bacon e Bayle que fizeram avançar a experimentação, conclui: “…Todavia, se não se acrescentar a essa experimentação a arte de bem utilizar os dados, deles tirando as consequências acertadas, não se chegará (ainda que com as maiores despesas) àquilo que uma pessoa de grande penetração poderia descobrir sozinha.” 

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Há um consenso entre os estudiosos da história dos festejos populares de que o carnaval teve origem nas celebrações de DIONÍSIO, especialmente nos seus cortejos de música e dança. Mais ainda: o próprio teatro—em geral e a tragédia em particular—teria também nascido do “Espírito da Música” (NIETZSCHE “O Nascimento da Tragédia a partir do Espírito da Música”) ali cantada e tocada. E a maioria desses cantores, senão todos, mascaravam-se como animais: reais ou mitológicos. Já naquela época parecia existir a necessidade de se libertar (ainda que por alguns dias) do “personagem social” que nos oprime no dia a dia. Pergunto: não seria estranho que tudo isso se desse em pleno mês de fevereiro, quando a escuridão e o frio imperavam na Europa? Soa absurdo, mas suas verdadeiras razões (as intenções que teriam levado a isso) ficam muito evidentes quando conseguimos ligar alguns pontos e certas práticas das igrejas ditas cristães vigentes até hoje. E como todos esses dramas estão presentes nas nossas canções de carnaval!

“…Quero me perder de mão em mão/Quero ser ninguém na multidão…”

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CARNAVAL E SEMANA SANTA: IRMÃOS SIAMESES?

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Durante muito tempo estranhei que o carnaval tivesse uma relação tão íntima (“siamesa” mesmo) com a Semana considerada Santa, o que faz dele também uma festa religiosa—pois é parte do calendário religioso—ainda que “pelo avesso”. Afinal, o carnaval, do ponto de vista do moralismo religioso seria a menos “santa” (segundo certos critérios) de todas as festas. Com relação à S. Santa, assinalemos logo que os acontecimentos referentes ao martírio de Cristo devem ter se passado de maneira semelhante aos relatos. Não duvido disso, mas o período do ano em que se deram muito provavelmente foi bem outro. Aliás, caso se tenham dado no período tornado “oficial”, com certeza o foi por uma enorme coincidência, nada mais do que isso. A rigor, todo o calendário anual cristão foi elaborado pelos seus “doutores” de forma a atingir certos objetivos de CONVENCIMENTO e proselitismo e, se isso não desse resultado, viria a IMPOSIÇÃO direta mesmo aos vários povos. É bom assinalar que os europeus foram as primeiras vítimas da catequese.

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EM QUE PERÍODO DO ANO ERAM OS FESTEJOS DE DIONÍSIO?

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Uma coisa podemos quase afirmar: esses festejos não deviam se dar em pleno inverno. É o que falam as imagens. Que os mais doutos no assunto digam se há referência a algum festejo, digamos assim, mais “transbordante”—no qual se usavam poucas roupas—durante o inverno, por todo o período anterior a Cristo. Há 3 outras possibilidades bem mais prováveis, todas e cada uma elas, do que aquela tornada “oficial”:

1- no início da primavera;

2- no solstício do verão (eles também estudavam alguma astronomia e seu céu era muito mais rico do que o nosso…tão pouco olhado hoje em dia);

3- no início das colheitas mais fartas: o outono.

As uvas em profusão e o vinho obrigatório—certamente de uvas verdes, pois há várias citações nas obras clássicas do “mar cor de vinho”—típicos daqueles festejos, dão uma boa pista quanto a isso. É sempre bom lembrar também que essas festas são muito anteriores ao poder romano, a Cristo e à igreja católica. Obrigados a lidar com esse fato o que fizeram, então, os doutores da igreja? Apossaram-se das datas, impondo aquelas que mais lhes convinham: o carnaval foi relegado a um período do ano no qual ele haveria de ter, quase inevitavelmente, uma agonia lenta. Foi o que efetivamente aconteceu…na Europa, pelo menos.

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PRIMAVERA E RESSURREIÇÃO: O GRANDE SIMBOLISMO

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“…demonstrei que a verdade das coisas sensíveis consistia exclusivamente na conexão entre os fenômenos e que isso deve ter a sua razão…Contudo, a conexão entre os fenômenos garante apenas as verdades de fato, relacionadas às coisas sensíveis existentes fora de nós. Já sua verificação se dá por meio das verdades de razão, da mesma forma que as aparências da óptica se esclarecem pela geometria” (LEIBNIZ, IDEM, cap. II)

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A ideia da Ressurreição está no centro da afirmação e do poder católicos (mas também da Reforma). Conta a tradição que, quando da pior opressão aos católicos, um dos aprisionados dizia bem alto “Em verdade, Ele ressuscitou!” e todos respondiam afirmativamente. Foi mesmo muito efetivo, além de muito bonito: “Morte: onde está tua vitória?‘. E o que poderia haver de melhor, nesse processo de convencimento dos povos, do que sua associação à PRIMAVERA? Quem conhece a natureza, nos países nórdicos em especial, sabe o que é a impressão de que quase tudo está irremediavelmente morto em pleno inverno. Como não acreditar em milagres quando havia tantos se passando à volta? Há ali uma espécie de ressurreição na própria natureza. O efeito de uma teorização—muito poética, admitamos, mas com fins nem tão poéticos assim—sobre os povos deve ter sido enorme.

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APERTAR O CERCO PURGANDO OS MALES DA CARNE: “CARNE VALE”!

“…A lua lá no céu é artificial/Porque é carnaval…”

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Fixadas as datas das festas católicas, e diante do fracasso das tentativas de impedimento direto dos festejos pagãos (devem ter ocorrido muitas, como até hoje entre nós), restava aos doutores da igreja promover “acordos” tácitos implicando um projeto de “morte lenta” dos festejos, além de uma grave ferida sobre a CULTURA em geral—essencial no processo de “aprisionamento”, senão dos corpos, das almas—é claro. Assim, apoderaram-se também da LUA CHEIA (junto com o seu simbolismo feminino): não somente a S. Santa sempre se dá em plena lua cheia, como a “expulsaram” dos festejos carnavalescos, consequência da fixação nos exatos 40 dias anteriores; confinaram a festa ao pior dos climas (em todos os sentidos) e ainda posaram de bonzinhos: “Vejam como somos tolerantes! Podem se divertir, mas não exagerem”. O tratamento da alegria e da sensualidade como uma DOENÇA é tão sério que disso resultou a expressão QUARENTENA como período de observação e controle da “saúde” (moral, na maioria das vezes) das pessoas…suspeitas. A quaresma seria o período em que se purgariam os males e pecados cometidos nos festejos. Depois dos “exageros”…que a “carne se vá!”. O último resultado de tudo isso foi a ideia/sentimento cultivados na própria gente do povo em relação aos sacerdotes em geral: “Eles são mesmo homens superiores! Todos gostaríamos de ser como eles, mas somos fracos… E vejam como ainda são bonzinhos e tolerantes para conosco, pois aceitam as nossas falhas e fraquezas!”. E foi assim que os INVEJOSOS da alegria alheia—seres adoentados, que faziam da mortificação da própria carne um galardão—conseguiram tirar boa parte do brilho da vida humana em geral.

………………………………………..(CONTINUA)

SAMBA DE RAIZ!

Vem…….

Prá cá curtir um bom samba/Verdadeiro e de raiz. (POIS)

Quem ouve, ama, volta/Se encontra e é feliz.(Pois)

Quem ouve, ama, volta/Se esbalda e pede bis

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É assim que se sustenta/Toda a cultura brasileira,

Povo que perde sua raiz/Vaga sem eira nem beira;

O amor tá sempre por um triz/A harmonia vira caco (Assim)

Tô com o samba de raiz/E acredito no meu taco

(Tô com o de raiz/E a TV já encheu o saco)

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Vem… (REFRÃO)

Tem gente que só repara/Em quem aparece na telinha.

Prá mim a coisa é bem CLARA/”Planta de estufa” não é a minha.

Na TV tudo perde a graça/Longe do que eu sempre quis.

Na rua, boteco e praça/É que eu encontro a minha raiz.

(Que o pessoal da bela raça/Siga gingando os quadris)

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Vem….. (refrão)

O “VIVO” aqui é tão PROFUNDAMENTE!/Lá na TV a vida vai no vácuo!

Olho no olho…a gente tá contente/Com artifício vai ficando fraco!

AH! Como tocam na roda de bamba!/E nenhum nome eu destaco:

O povo vibra prá caramba/Cum percussão, viola e cavaco.(repetir)

………………..(CONTINUA)

E ENTÃO…O CARNAVAL DESCOBRIU O BRASIL-II

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