Arte e Cultura

CIGANOS: DELES FORAM ROUBADAS MUITAS CRIANÇAS!-I

(Seriam os poetas alemães—eternos “ciganos apátridas”—descendentes dos ciganos?)

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“Frend bin ich eingezogem/Frend zieh ich wieder aus…” (“Estrangeiro aqui cheguei,/Estrangeiro daqui me vou de novo”) do poema”Gute Nacht” pertencente ao ciclo “Viagens de Inverno” de W.Müller, musicado por F. Schubert. Todo meu acesso a essa poesia foi, aliás, através de suas canções, mas também de R. Schumann.

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Márcio Amaral

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Isso pode!
Isso pode!

O mundo foi abalado, outra vez, por uma das acusações que mais impregnaram a mente dos povos através dos tempos: o possível roubo de crianças brancas por ciganos. Uma criança muito loura—logo alcunhada “anjo louro”—na posse de ciganos muito morenos, fez brotar a imediata certeza de que fora roubada de alguma família “não cigana”, igualmente muito branca, “muito européia” e—quem sabe?—MUITO ARIANA! Fossem outros os tempos e os acusados teriam sido sacrificados ali mesmo, atendendo à sanha popularesca e diante de olhares cúmplices dos “agentes da ordem”. Por agora, somente o linchamento moral e a retirada da criança de seus pais adotivos bastaram. Na Irlanda, as autoridades ficaram em situação pior ainda: depois de uma criança bramca e cigana ter sido retirada de seus pais, o teste de DNA confirmou sua paternidade/maternidade ciganas. A humanidade ainda há de, um dia reconhecer o papel desse povo que, em tempos “nada globalizados”, esforçava-se por colocar toda a humanidade em contato. Eram eles, juntamente com os judeus, os reponsáveis por levar as novidades, cultura, diversão e música para os mais distantes rincões (ver “Cem Anos de Solidão”, quando apresentam o gelo para povos que não o conheciam). E como eram invejados por isso! “Sempre dormir debaixo o céu; nunca ao lado do mesmo rio” seria um dos lemas do “povo das estrelas”. Hoje, essa sua importância e compromisso (objetiva e direta) para a humanidade como um todo não é mais muito clara. Os judeus se fixaram e muitos dos ciganos também.

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Isso não pode!

Nem os mais de 1000 anos de convivência com a cultura cigana foram suficientes para entender que muitos dos seus procedimentos, essenciais para sua cultura, são completamente diferentes em relação àqueles que os “muito civilizados” aplicam. Processar os ciganos por uma atitude habitual e universalmente aceita na sua cultura (acolher crianças abandonadas), é de um absurdo total. É evidente que as investigações policiais procedem, mas há tantos pequenos cuidados que, se adotados, minimizariam os danos morais causados a povos que já os sofrem há séculos. Para com nossos índios, os legisladores (e nossa cultura) foi bem mais generosa; já os procedimentos, nem sempre. Eles não podem ser processados segundo os “nossos” códigos e isso também tem gerado alguns choques culturais. Os ciganos merecem um olhar parecido por parte dos “bárbaros civilizados” que parecem ter se tornado apenas “polidos”….como punhais. Basta uma crise econômica, para que a extrema direita européia comece a rugir e a esquerda a tremer. Das trapalhadas “Hollândicas”—esse nome indica “terras altas”, mas elas andam muito baixas por lá—não é necessário dizer muito. Propor à moça cigana (15 anos), extraditada depois de “capturada” durante excursão escolar, escolher entre ficar com sua família ou voltar para França, lembrou a “Escolha de Sofia”. Com muita dignidade, ela sequer considerou a proposta. O objetivo era mesmo humilhar sua cultura. O fantasma de “De Gaulle” continua a pairar sobre a cabeça de todos os governantes franceses.

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Mas seria mesmo verdade o mito de que os ciganos eram ladrões de crianças? Há quem tenha demonstrado que, em tempos de grande moralismo pseudoreligioso e antihumano, os ciganos teriam aceito crianças geradas por mulheres não ciganas e em “situações não regulares”, o que tornava essas crianças malditas e “malvindas”. Para elas, as mulheres ciganas teriam dito apenas: “VINDE A MIM AS CRIANCINHAS!”. Há algo de belo nisso, não é mesmo? E que contraste em relação à atitude dos “muito civilizados”! Conta-se mesmo que, nas catacumbas dos conventos, teriam sido encontrados esqueletos de fetos e até de recém nascidos, todos não muito bem vindos. Mas os ciganos acolheram a criança da notícia e a criaram até ali, sem vídeogames de guerra (e de brigas de rua), além de outras tolices do mundo moderno: “Era uma vez um czar naturalista que caçava homens./Quando lhe disseram que também se caçavam borboletas e andorinhas/ficou muito espantado/e achou uma barbaridade (“Anedota Búlgara”, Carlos Drummond de Andrade).

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Mas há outras acusações muito mais graves nessa relação dos “civilizados” para com os ciganos: se o roubo de crianças pelos ciganos é um mito de difícil comprovação, o ROUBO SISTEMÁTICO DE CRIANÇAS CIGANAS PELOS “CIVILIZADOS” É UMA CERTEZA. Se isso se dava somente depois da perseguição e morte dos seus pais—“por misericórdia” e por parte de mulheres, atingidas pela beleza, vitalidade e pele morena das crianças—ou se era um roubo “puro e simples”, há controvérsias e o material disponível a respeito é imenso: “Segundo o antropólogo José Pereira Bastos, professor da Universidade Nova de Lisboa, eram considerados vagabundos e delinquentes. Na Alemanha e nos Países Baixos, eram exterminados a tiros por caçadores pagos por cabeça” (especialmente no séc. XVI: WIKIPÉDIA). O que se seguirá agora é uma especulação de difícil investigação, mas as indicações são tão fortes, belas e poéticas, que não me furtarei a expressá-las. Podem me acusar de escrever algo parecido com “Eram os Deuses Astronautas?”!

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Aquilo que vou tentar demonstrar, é que as naturezas mais poéticas do povo alemão descendem daquelas crianças. Senão geneticamente, espiritualmente. A pista para a hipótese é encontrada na própria poesia alemã, além de alguns casos muito particulares: Beethoven que, com sua tez muito morena, foi chamado “O Espanhol” (tendo se mudado de residência por mais de 60 vezes nos pouco mais de 30 anos vividos em Viena; um cigano na cidade); Nietzsche (mais um desadaptado, como quase todos os poetas alemães), que teve a certeza de sua ascendência polonesa;Goethe, que vivia a pensar na “Terra onde as laranjeiras florescem”, e muitos outros. Por fim, o mais recorrente tema da poesia alemã: “Der Wanderer”*: o andarilho que nunca encontra um lugar de seu em parte alguma (J.G. Seidl); “Der Pilgrim”: o peregrino que deixou para trás toda a sua “herança e posses” (F.Schiller). Mas a mais bela expressão desse drama talvez seja encontrada em“Drang in den Ferne” (“Empurrado para longe” de C. G.Leitner): “Pai, Você não vai acreditar/Como meu coração responde/Quando olho para as nuvens/Ou me sento à margem de um rio./Todos correm tão naturalmente…sempre adiante./Deles herdei a necessidade de partir…/Um desejo selvagem me empurra/Para as florestas, longe da casa paterna…”

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*Em um monólogo dirigido à lua, o poeta compara suas situações: sempre em movimento e se deslocando por sobre montanhas e entre florestas. Mas que destinos diferentes: ela sempre brilhante e bela, enquanto ele sempre pesado e triste:  “…Andando como um estrangeiro de terras em terras/Sem pátria e totalmente desconhecido…”.

(CONTINUA)

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