Arte e Cultura, Blog

E ENTÃO…O CARNAVAL DESCOBRIU O BRASIL-II

(“Onde prostitutas têm orgasmo; cafetão ciúmes…” …e os ricos…inveja dos pobres)

Márcio Amaral, vice-diretor IPUB

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NOTA: Só agora me dou conta da profundidade da sentença de TIM MAIA e vou tentar ampliar sua dimensão. Estaria ali dito que, entre nós, as relações humanas, por mais degradantes que possam ser as situações entre pessoas em particular, nunca perdem totalmente a dimensão humana. Considerando que é somente através da CULTURA— por definição eminentemente popular, o que exclui as manifestações de massas amorfas e “globalizadas”—que os seres humanos atingem a sua individualidade e autonomia, estou convencido de que aquela característica se esteia na nossa riqueza CULTURAL. É disso que os ricos daqui (e seus aduladores que tentam ser ricos)—todos muito “globalizados” e submissos—quase morrem de inveja. Apostaram tudo na riqueza (violentando valores mais altos) achando que seriam felizes e fracassaram. Por out ro lado, intuem e suspeitam de uma alegria popular que nunca conseguiram alcançar. Afinal, ela se liga diretamente à generosidade…! Assim e incapazes de olhar melhor à sua volta, tudo fazem para com essa alegria acabar ou, pelo menos, retirar de sua visão. O penúltimo ATO dessa comédia é falar mal do “povo brasileiro“, de sua “inferioridade”. Sentem-se como uns “filhos de chocadeira”! Já o último ATO todos podem imaginar: a adulação que esses mesmos ricos fazem dos ricos “do estrangeiro.

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A IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE JÁ O SABIA MUITO BEM…!

“Vem cá Brasil/Deixa eu ler a sua mão, menino!/ Que grande destino reservaram prá você…/Fala Martim Cererê…” (Zé Catimba)

No texto anterior é argumentado (com pretensão de ter sido demonstrado) que o confinamento do CARNAVAL ao inverno (europeu) fazia parte de um longo processo de morte lenta e por “congelamento”. Depois de longa “hibernação”, porém e a exemplo dos ursos e até de alguns beija-flores, eis que ele renasceu com muito mais força ainda. A maior ironia da situação é: tudo o que foi idealizado com o objetivo de matar lentamente o carnaval europeu, por aqui teve efeito exatamente oposto. Não contavam com a possibilidade de que aquele mesmo período do ano servisse de “combustível” para uma nova “explosão” de vitalidade. Essa sim foi uma verdadeira RESSURREIÇÃO. Afinal, impossível um período melhor para o acontecimento entre nós. Além disso, a mistura de raças (de início apenas dua s) e a chegada massiva dos negros com sua liberdade corporal  (talvez a mais importante dentre todas) trouxeram aquilo que faltava para que DIONÍSIO/BACO tornassem a ser incontroláveis. Foi como uma injeção de vida naquilo que morria lentamente.

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OS HERDEIROS DA GRÉCIA ANTIGA

Há muitas décadas, um europeu versado na cultura grega e na sociedade que a gerou (no seu dia a dia e no seu espírito), tendo passado algum tempo por aqui, assistido nosso carnaval e outras das nossas manifestações populares, disse que éramos os herdeiros do espírito grego, especialmente do período homérico. Quem ler “AS BACANTES” de Eurípedes verá o quanto a canção (que serve de SENHA* para o início do carnaval) “AS ÁGUAS VÃO ROLAR” quase ilustra o tema principal daquela grande peça. Os muito poderosos “muito racionais” do período Socrático perseguem e tentam aprisionar DIONÍSIO, mas as cadeias simplesmente se rompem espontaneamente**:

As águas vão rolar…Se a polícia por isso me prender/E na última hora eu me soltar/Eu passo a mão no saca..sacarrolha/Ninguém me agarra, ninguém me agarra”. 
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E ENTÃO…A CULTURA RECONQUISTOU SEU MAIOR BASTIÃO!

“..Não sou escravo de nenhum senhor/Meu Paraíso é meu bastião/Meu Tuiuti, o quilombo da favela/É sentinela na libertação..”.

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Como consequência, e segundo a tese defendida, a própria cultura popular também reconquistou seu maior bastião. E então essa mesma tese pode ser apresentada sob a forma de um SILOGISMO: 1- se o CARNAVAL é a principal “trincheira” em defesa da cultura, em geral, e; 2- se a cultura é a maior expressão de liberdade dos povos (por associar grandes individualidades às expressões e atividades coletivas e criativas, a partir de lideranças naturais, flexíveis e não impostas); 3- LOGO: o futuro da liberdade dos povos—e/ou seu resgate em alguns deles—passa por aquele povo e CULTURA que têm no carnaval sua maior expressão (quase uma ponta de lança), a BRASILEIRA. Há, sem dúvida, muitos critérios para avaliar a importância de um povo e cultura, em particular, no avanço d a humanidade em geral. Aqueles que mistificam números aplicam critérios contábeis, como o PIB por exemplo, numa espécie de “ranking” tão contrário à humanidade. Outros com a força militar, uma consequência natural da tendência da tomada do PIB como referência. Uma das mais candentes questões dos dias que correm é o retorno de um certo COLONIALISMO, sempre renovado. Eu fico com a CULTURA. O resto…são números e morte: o “terrível número 1” (a morte) de que falou Augusto dos Anjos.

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*”O ABRE ALAS” (C. Gonzaga) é outra canção que, na minha opinião, demarca o início do carnaval. Eu iniciaria sempre com ela e, em seguida, “atacaria” o “AS ÁGUAS VÃO ROLAR”. Uma, de uma maneira muito brasileira, dá uma ordem, sem mandar: pedindo como quem sabe que não há como negar. A outra, é como uma cachoeira que arrebenta um dique.
**Trata-se de uma tragédia terrível. Penteu, o poderoso da cidade, termina por ser morto por sua própria mãe, uma das BACANTES. Tem sua cabeça arrancada depois de atacado pelas mulheres enfeitiçadas pelo deus Dionísio que fora ofendido e agora se vingava da pior maneira que se pode imaginar.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

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