Arte e Cultura

EDUCAÇÃO, ENSINO OU…CABRESTO?!-I

(Uma Pesquisa sob Encomenda?)

Márcio Amaral


Nota: como assinalado no artigo anterior, o alerta para a feitura desses 2 últimos textos (mas também do que eguirá) foi uma entrevista exibida na “Globo News” (dia 28/08/12) que considerei ofensiva a TODOS os professores brasileiros. Depois de investigação quase exaustiva, encontrei várias entrevistas e resenhas sobre o autor (Martin Carnoy) e sua pesquisa. A ofensa assinalada tornou-se pública há pelo menos 3 anos. Diante da falta de amor-próprio e dignidade dos brasileiros com quem o pesquisador interagiu nesse período, nada mais natural do que ter proferido solenemente, como o fez—diante das câmeras e microfones portadas por outros brasileiros—essas palavras um tanto tolas e indignas de um educador/pesquisador:

“As pessoas culpam os professores brasileiros pela baixa qualidade do ensino que ministram, mas a culpa não é deles. O problema é que eles não foram preparados para ensinar. Então, é natural que o ensino não seja bom. Comparemos com a situação de um mecânico a quem eu entregasse o meu carro para consertar e ele fizesse tudo errado…depois soubéssemos que ele não tinha qualquer preparação. A culpa não era dele. É a mesma coisa!“. Martin Carnoy: REPROVADO

Uma comparação tão tosca seria o suficiente para desclassificar todo um discurso sobre educação! Sabemos que os norte-americanos adoram se valer de metáforas automotivas. Cada povo cria suas metáforas a partir das coisas mais importantes de sua própria cultura e cotidiano. Sempre considerei a apologia de carros de uma pobreza sem par, mas isso não interessa. É um julgamento pessoal. Estou certo, entretanto, de que qualquer educador daquele país (e digno do nome) não aprovaria em nada aquela comparação. Aliás, considerando ser o falante um ECONOMISTA, há que afirmar: com certeza, os economistas também não gostariam de se identificar com raciocínios mecanicistas, especialmente quando dirigidos à educação.

Sem fazer associação direta, mas também não querendo perder qualquer dado, quem sabe não há nessa fala algo de fatal: o proferinte traz já “CAR” em seu próprio nome. Aliás, e para ver como ele estava perdido, quem disse que o hipotético mecânico não teria responsabilidade pelos “malfeitos”? Voltando ao sério, o que sobra para tentar classificar aquela fala é associá-la à indústria…mecânica. Pronto! O “pesquisador” da Universidade de Stanford falou pelos industriais que o financiam (e que pagaram seu soldo, Fundação Lemann, AMBEV), depois de uma lenta incorporação da sua linguagem. Quem se lembra do antigo símbolo da RCA “A Voz do Dono“?!

A pesquisa em questão implicava uma comparação entre o ensino ministrado no Brasil e o de dois outros países da A.Latina: Cuba e Chile. Suas conclusões foram, sem exceção, desfavoráveis aos processos aplicados entre nós, especialmente na comparação com Cuba. Não tivemos acesso à pesquisa, mas sim à longa entrevista concedida por seu autor à F.de SP (10/08/09). Há ali algumas boas observações (como a crítica ao tempo perdido com cópias em quadro negro, quando seria natural a distribuição de uma folha), mas muitas inconsistências, além de algumas sentenças que soam como confissões.

1-Sua tese principal é: “precisamos ensinar os professores brasileiros a ensinar“. Para isso, a AMBEV está financiando a ida de 100 professores brasileiros para Stanford (ver artigo anterior deste blog*). Tudo um tanto excessivamente unilateral, não é mesmo? Sempre pensei que um bom ensino passa por uma boa interação (de ambas as partes, é óbvio). No caso em questão, porém, tudo parece estar se passando como no tempo em que os “irmãos do norte” promoveram o “Acordo MEC-USAID” e a “Aliança para o Progresso”: mera tentativa de transportar métodos sem levar em consideração os hábitos e cultura do lugar. Eu afirmo: o que parte da humilhação de um povo e de sua cultura, não pode chegar a um bom resultado.

Lá no final da entrevista, diz ele: “Podem esquecer tudo ‘aquilo’ de P. Freire, um amigo. O que interessa é como ensinar” (grifo e aspas minhas). Curioso é o uso da palavra “amigo” como instrumento de desclassificação de alguém**. Mas é no “aquilo” que vamos encontrar a confissão de todo o objetivo da “pesquisa”: destruir uma herança que, direta ou indiretamente, entranhou-se em nossos educadores. Não porque P. Freire seja um mago ou coisa parecida, mas por ter conseguido transplantar para as palavras a marca essencial da cultura da nossa gente mais simples, que ama a diversidadee adora a inclusão. Mas lá no norte (bem mais ao norte) tudo parece caminhar de maneira muito diferente: o aluno há que ser tratado como o polo passivo e mero receptor. HÁ UMA BATALHA IDEOLÓGICA MUITO PESADA POR TRÁS DE TUDO ISSO. Tudo leva a crer que a tal pesquisa tinha objetivos prévios a “serem alcançados”, nem que, para isso, os dados tivessem que ser torcidos e distorcidos.

2- De passagem, e para desmerecer até as nossas escolas particulares, disse ele “Melhor que esses alunos fossem colocados em escolas públicas de classe média do Canadá“. Mesmo considerando que ele saiba do que está falando e tenha conhecimento da situação naquelas escolas, a expressão “escolas públicas de classe média” é de um non sense total. Quer dizer então que, no Canadá, abrem-se escolas públicas diferentes para classes diferentes, com currículos e níveis diferentes de qualidade de ensino, dependendo da região onde se localizam e/ou da renda dos pais de seus alunos!? É muito difícil de acreditar. Foi uma enorme “escorregada”: dele, dos jornalistas e de seus editores, a rigor, meros receptores acríticos de falas! Uma simples pergunta desfaria o mal entendido, mas os jornalistas aceitaram uma p osição parecida com a de alunos, quer dizer…no sentido que o pesquisador entende***. Tudo isso é tão significativo! E ainda serve para dar uma impressão da inteligência e preparo do tal pesquisador.

3-Fazendo a defesa de um administrador de Manhatan que apresentou um modelo de ensino para todos os professores de sua região dizendo (“à la BOPE”): “Este é o projeto! Vocês têm uma semana para pensar. Caso tenham dúvidas, são livres para sair!“, afirmou o pesquisador de Stanford: “No princípio, tem que ser autoritário! Depois podemos ser democráticos”. Grande concepção de Democracia! Assemelha-se muito à “liberdade” que é dada às “pulgas amestradas” que ficam apenas andando no fundo de uma caixa. No seu processo de “educação”, depõem uma tela eletrificada por sobre a caixa, de maneira a que a pulga sofra um pequeno choque a cada vez que pula. Com o tempo, pular passa a significar levar choque. Dessa forma, e depois de um “início autoritário”, os mestres das pulgas podem ser “muito democráticos” e liberais, deixando a caixa sem tampa. O único problema, é que, sem pular, a pulga deixa de ser pulga. Como diriam os filósofos escolásticos: PULAR É A ESSÊNCIA DA PULGA! Ou seja, sem pular elas deixam de ser…pulgas. Algo de muito parecido talvez se passe com os seres humanos: quando abrem mão da sua capacidade de CRÍTICA, lá se vai junto a ESSÊNCIA humana!

(continua…)

*Que leu o primeiro artigo, viu que eu até pensei ter sido por demais agressivo. Quanto mais lia a respeito, mais indignado ia ficando. Quem sabe que o “Trio da AMBEV fechou acordo com a CVM” (2004) para dar fim a uma Ação por uso de “informações privilegiadas e abuso de poder em detrimento de acionistas minoritários”? Que tipo de coisa têm esses senhores a nos ensinar?

**É o seu método preferencial. Fez a mesma coisa com uma “defesa piedosa” dos “pobres professores brasileiros”.

***Dizem alguns, originar-se essa palavra de “a (negação) lumina”: aqueles que não têm luz e preciam receber luz de seus mestres. Dizem outros que se refere ao que acabou de vir à luz (nascimento). A diferença não é tão grande. Há quem diga também que muitos anglo-americanos, a propósito e até hoje, não aceitaram bem o Iluminismo. Pensariam à maneira pré-Revolução Francesa.

 

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