Arte e Cultura

EDUCAÇÃO, ENSINO….OU CABRESTO?!-II

Paulo Freire

“Tudo o que existe merece existir!” (F. Nietzsche)

Márcio Amaral

NOTA: A última notícia que tivemos da AMBEV (promotora dos ataques à educação ministrada no Brasil que estamos discutindo nesses textos) foi sua condenação a pagar uma indenização a ex-funcionários em Curitiba por obrigá-los a participar de “reuniões matinais de motivação da equipe” nas quais tinham que manipular “garotas de programa” (UOL, em Curitiba, 13/9/2012. Reportou Rafael Moro Martins). E ainda se arvoram a falar de Educação!!

Há muito mais coisas em jogo—nos ataques generalizados à educação ministrada no Brasil—do que “apenas” a…Educação: uma questão cultural essencial. Enquanto nós, visceral e instintivamente, tendemos à valorização da diversidade e ao esforço da inclusão; a marca primordial da cultura norte-americana é estar à procura de alguém (pessoas, grupos ou nações) em quem possam identificar a origem de um mal a ser extirpado. Foi assim em relação aos índios, aos negros, ao comunismo, à Al Qaeda, a Bin Laden, Irã e assim por diante: “Wanted: Dead or Alive”. Essa “atitude preferencial” parece atingir até os mais insignificantes cidadãos daquele país. É o que se pode perceber na frase de M. Carnoy a respeito de P. Freire: “Podem e squecer tudo’aquilo’ de P. Freire, um amigo. O que interessa é como ensinar...Devem ler sua obra apenas como exercício intelectual“. Nesse caso, pelo menos, foi sugerido algo diferente da simples EXTIRPAÇÃO: “apenas” uma EMASCULAÇÃO. Bem! Tratar P. Freire como um “corpo estranho” no seu próprio país seria demais. Que eles pensam assim, todos já o sabemos. Que, depois disso, ainda existam brasileiros “querendo mais”, é quase de envergonhar. Que lhe paguem por isso! Só com uma dose de masoquismo.

Dirão alguns: “Mas há na entrevista (discutida no texto anterior) enormes elogios a Cuba, talvez o maior inimigo que os americanos sempre quiseram extirpar. Essa não parece uma atitude tipicamente americana!”. Até o elogio a Cuba parece ter vindo “sob encomenda”, pois elevaria a credibilidade do ataque à nossa educação. Para evitar o risco de parecer uma apologia de Cuba, ele tinha algo reservado para o final: “Há (em Cuba) de fato uma falta de criatividade no ensino. Não se pode questionar, ser contra a Revolução. Mas as crianças sabem que estão aprendendo o esperado”.

A pergunta que deriva, necessariamente, dessa frase é: não existiria alguma relação, direta e causal, entre a submissão enorme ao Estado (considerando que seja verdadeira a afirmação) a falta de criatividade assinalada?Uma das principais características da inteligência humana é a sua capacidade de estabelecer relações entre os fenômenos, visando a chegada a uma teoria. Como pode uma pessoa que se pretende cientista colocar esses dois fatos ao lado um do outro e sequer procurar por alguma relação entre eles? De minha parte, digo: A RELAÇÃO É TOTAL. A criatividade IMPLICA algum inconformismo e rebeldia, especialmente em relação ao ESTADO, seja ele de que coloração for. Dessa forma, a origem dessa falta de criatividade estaria na submissão e acomodação a uma “fôrma” qualquer, sejam as apresentadas na “Ilha” (sic) ou em uma outra ilha, Manhatan.

Um enorme erro que se costuma cometer é a identificação da EDUCAÇÃO com a CULTURA. Com uma frequência preocupante, a educação e o ensino têm se voltado contra a cultura. O próprio processo de civilização implica, quase invariavelmente, a aplicação de verdadeiros “CABRESTOS” nas pessoas, desde sua infância. Por outro lado, nada é mais pernicioso para a cultura do que uma associação direta e causal entre educação e formação de mão de obra: as pessoas tratadas apenas como peças de uma engrenagem. É muito bom que todos desenvolvam pelo menos um ofício que seja do interesse da sociedade. Mas é esperado que a escola sirva para muito mais, especialmente em função de uma cultura. Qualquer aprendizado que perca sua referência com a cultura de um povo ou região, ele sim, haverá de ser tratado como um “corpo estranho” a ser extirpado. A interação cultural, com outros povos, há de ser boa, mas ap enas quando passa por um processo lento de fecundação mútua. Nossos “irmãos do norte” têm tanta dificuldade para compreender isso!

Outro erro grave, é achar que o aprendizado é algo meramente cognitivo e que a mente humana funciona como um arquivo. Não! Cada novo conhecimento implica uma modificação de uma pessoa como um todo. Por isso, alguns “ensinamentos” têm servido como forma de enquadrar e aprisionar a juventude em um conjunto de valores:

Michel de Montaigne

“Observai-o de volta, após alguns anos…o que trouxe mais são o grego e o latim que o fizeram mais tolo e presunçoso do que quando deixou a casa paterna. Devia voltar com o espírito cheio e voltou balofo; incharam-no e continuou vazio…São os ‘letterferut’ (dialeto perigordino): indivíduos atordoados pelas letras como se tivessem sofrido uma martelada…Têm a memória bem guarnecida, mas a capacidade de julgamento absolutamente vazia…” (“Ensaios”, M. de Montaigne:1533-1592). Por essa mesma razão, podemos resistir de forma pétrea a certos “ensinamentos” que tentam nos impôr. É uma ato de defesa e auto-preservação a ser respeitado.

Por outro lado, a humanidade já pagou caro pela submissão generalizada de alguns povos aos seus aparelhos de Estado. Houve muitos “Führer” (“condutores”, à maneira do motorneiros de bonde) que levaram sociedades inteiras diretamente para um abismo, sempre fazendo a apologia da vontade férrea, da disciplina e da obediência. Como as sociedades não são “bondes”, e na vida não existem trilhos, melhor que sigamos abrindo nossos caminhos; aprendendo com a experiência (nossa e dos outros, desde que “metabolizadas” e transformadas em algo novo, brasileiro), mas sempre fazendo correções de rumo.

Os núcleos conservadores—cuja coordenação se chama “Grande Mídia Internacional”—têm se esforçado por fazer o mundo retrogradar para uma situação pré-1968: nunca aceitaram bem uma das maiores revoluções culturais de toda história*. Toda essa grita contra a educação ministrada no Brasil faz parte desse esforço. Identificaram em nós, na liberdade que emana de nosso povo e de nossa cultura, uma ameaça. Não! Essa não é, por parte deles, uma formulação consciente em todas as suas consequências. É algo mais visceral e eles reagem sem sequer entender bem por quê. Somos um incômodo que eles não mais conseguem eliminar. O vetor da assim chamada “cultura ocidental”, aquela que promoveu as grandes individualidades, deixou uma enorme herança a rtística e estimulou o poder individual de crítica, pela primeira vez está no H. Sul. Teve seu início na Grécia, passou por Roma, Paris e outros e agora—em mais uma aproximação com a Grécia—voltou a não estar associado à tentativa de impôr algum Império, expandir território ou se transformar em grande potência militar.

Os sociólogos que tentam dar subsídios teóricos àqueles núcleos conservadores, talvez não por acaso, têm chamado a “geração 68” de “geração X“. Eu, que me acostumei a procurar pelas informações subliminares que se podem encontrar na linguagem utilizada—muito para além da idéia que alguém que “vender”—vejo nesse “X” a comunicação de que somos o “X do problema” para eles: aqueles que continuam a dificultar a dominação generalizada das sociedades. Por isso, digo àqueles que, como eu, fizeram parte daquela geração, que parem de falar mal da juventude**! Eles também estão protagonizando uma nova revolução cultural que tem como um dos seus instrumentos as REDES SOCIAIS. Que todos tentemos com eles aprender, sabendo que também estão sequiosos pelo enriquecimento cultural.

*São aqueles que, por não terem dormido no “sleeping bag“, nem sequer sonharam.

**Quando ouço alguém dizer que “no meu tempo, mundo era muito melhor”, respondo: se você “pegou” o mundo melhor e o “entregou” muito piorado a uma outra geração, então é de você que a responsabilidade há de ser cobrada. Aquela frase é confissão e marca da decadência de alguém.

4 Comments

  1. adorei a conclusão. sempre quando dá, passo por aqui pra dedicar atenção e reflexão.

    acredito que precisamos diariamente exercitar o olhar.

  2. TEM QUE SE TER A RESPONSABILIDADE DE ENSINAR ,E ESCLARECER QUE APRENDIZADO EMBORA SENDO PEÇA DESTACADA DA CULTURA SAO PEÇAS FUDAMENTAIS DE UM ENSINO IMPORTANTISSIMO ,DESDE DE QUE SE TENHA O DIREITO DE IR EVIR COM A PROPRIA OPINAO DE ESCLARECIMENTO,PARA QUE NAO SE REPITA “CELEBROS ALIENADOS”.E QUEM SABE ALGUM DIA AS PALAVRAS SE INVERTEREM E PODEREM FALAR:”NOS MEUS TEMPOS ERA PIOR.

  3. “Puxa!!! Ficamos orgulhosos de verdade. Isso é tudoo que queremos: ajudar a exercitar o olhar crítico.
    Muito obrigado. Os editores

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