Arte e Cultura, Blog

“ELITE DO ATRASO”: QUE FALTA FAZ UM CONCEITO PARA CULTURA!-I

(Um livro de referência para entender o BRASIL de hoje…e para o futuro)

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Cultura é, antes de tudo a UNIDADE do estilo artístico em todas as manifestações da vida de um povo…Ter muitos sábios…não é um instrumento de cultura nem um sinal da mesma… frequentemente implica seu contrário: falta de estilo e a confusão caótica de todos eles”: F. Nietzsche, sobre “David Strauss”*, antecipando os riscos enormes (para a cultura e para a humanidade) da vitória puramente militar alemã na guerra Franco-Prussiana (1870). Fora a vitória da barbárie (representada por Bismarck) contra a própria cultura.

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O capital cultural, ou seja a posse de conhecimento útil e reconhecido em suas mais variadas formas…”: J. de Souza, “A Elite do Atraso”. Impossível um ABISMO maior entre os dois conceitos.

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O livro de Jessé de Souza: “A ELITE DO ATRASO” (……) há de marcar época e servir de referência para quem quiser entender os dramáticos acontecimentos envolvendo as mudanças promovidas pelos governos do PT (2002/16 nas condições de vida da gente mais simples de nosso povo. Sem fazer  juízo de valor sobre elas (deixando de lado “economicismos” e apontando seu matiz POPULISTA**), chegou a assustar a violência das assim chamadas “elites endinheiradas” contra os inegáveis avanços alcançados . Para entender todo o processo, o autor precisou “descer” até as nossas origens e rever, de maneira muito crítica e certeira, todas as formulações “consagradas” e que serviram de matriz ideológica aos exploradores para tentar desmoralizar o nosso povo. Mas…como faz falta ali uma compreensão melhor do que seja a CULTURA propriamente dita! Especialmente por seu livro tratar das condições de um povo que desenvolveu uma das culturas populares (só essa interessa verdadeiramente) mais ricas de que se tem notícia. Tentarei discutir as teses principais do livro (em alguns textos programados), mas somente neste primeiro posso fazê-lo com alguma autoridade, pois estarei apoiado em autores muito reconhecidos, especialmente aquele que ficou conhecido como o FILÓSOFO DA CULTURA, F. Nietzsche. Nos demais textos, haverei de me conduzir como um leitor atento e informado, que formula questões e aponta possíveis contradições e inconsistências. Sempre considerei que a maior homenagem que se pode fazer a um autor é sua leitura crítica e atenta.

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DE COMO ESTAMOS “SEQUESTRADOS” PELA LINGUAGEM DO CAPITAL

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A profusão de expressões, no livro, que se valem do termo CULTURA para expressar conceitos que não têm qualquer relação com a cultura propriamente dita—antes com a indústria e o comércio—é de impressionar: “indústria cultural” (melhor seria de diversão e entretenimento), “estoques culturais” (almoxarifado?), “capital cultural” (melhor seria dizer: aquisição  de técnica e conhecimento) e outras. Mas a pior de todas é aquela com a qual Jessé critica a obra de G. Freyre: “CULTURALISMO RACISTA”, pois associa os esforços do sociólogo para identificar e caracterizar alguma UNIDADE CULTURAL em nosso povo (para além das classes) a uma forma de RACISMO, o que me parece não somente injusto como errado mesmo. Esse é o tema mais espinhoso em todo o livro e eu não vou fugir dele: 1- ERRADO, pois não considera a possibilidade da existência de certos traços mais típicos (não exclusivos) em alguma raças, como ritmos e facilidade para a dança, ou desempenho atlético, por exemplo; 2- e INJUSTO para com aquela obra e seu autor que, em outros momentos, Jessé tanto elogia. Essa há de ser uma discussão infindável e ela pode ser enunciada assim: são certos traços, que associamos historicamente a algumas raças, intrinsecamente ligados àquelas raças (ou seriam traços aprendidos individualmente e na convivência, ou seja…culturalmente)***? Não tenho a pretensão de resolver o problema, mas sequer considerar essa possibilidade e ainda acusar de RACISMO quem considera a possibilidade,  é demais.

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ATIRANDO O BEBÊ FORA COM A ÁGUA DA BACIA ONDE O LAVOU

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“Como foi que temperaste/Portugal meu avozinho/Esse gosto misturado/Que é meiguice e que é carinho…/Gosto de África e de Europa/Que é o da gente brasileira…”, M. Bandeira inspirado em seu conterrâneo G. Freyre e resumindo suas teses em poucos versos.

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“Gilberto Freyre” (1900/87)

Um dos ataques mais violentos de Jessé é dirigido aos estereótipos que os ideólogos das “elites endinheiradas” (Sérgio Buarque de Holanda, “AS RAÍZES DO BRASIL” e seus seguidores) foram criando, de maneira a desmoralizar o nossa gente e “justificar”  (“para o bem de todos”) a necessidade daquela mesma “elite” continuar a tutelar a sociedade em geral. As coisas se agravaram ultimamente, pois agora, com “MORO E CIA”, essa tutela está sendo passada diretamente ao exterior. Quando, entretanto, Jessé inclui G. Freyre como um deles, revela um traço POSITIVISTA em seu pensamento difícil de aceitar em um sociólogo: aquele que desconhece o choque entre contrários (TESE, ANTÍTESE..) de maneira à tentar chegar a uma nova e mais rica SÍNTESE:

“Imaginei, então…um experimento: e se retirarmos toda síntese teórica de Freyre…e prestarmos atenção tão somente à sua empiria, ou seja, às suas impecáveis reconstruções históricas e observações tópicas e pontuais…(há que) rearticular de modo teoricamente novo seu belo trabalho empírico?” (pag….).

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Como experimento e exercício intelectual, trata-se de um esforço muito válido, mas Jessé se esquece de que a riqueza daquelas observações É FRUTO de um certo olhar para o mundo; e um olhar muito rico, daqueles que deram muitos frutos artísticos e culturais. Trata-se de tese enviesada, deixando margem à exploração perversa daquela “meiguice e carinho” de que fala o poeta? SIM! Por isso precisaria de um olhar muito crítico, especialmente a partir da situação dos dias que correm e da violência que vem sendo perpetrada contra nossa gente mais simples e pobre pelas “elites” apodrecidas que estão destruindo o Brasil. Mas o que Jessé parece querer fazer é uma “tábula rasa” de tudo o que o antecedeu do ponto de vista teórico: “…é necessário reconstruir uma totalidade alternativa que desconstrua o culturalismo racista e conservador e reconstrua a sociedade brasileira…” (pag 37). Sua violência é de tal ordem que toldou até sua clareza e o bom estilo: “reconstruir uma totalidade alternativa” não faz qualquer sentido e denuncia aquele positivismo de que falei acima. O que quer ele dizer com a palavra “TOTALIDADE”? Não seria melhor “algo abrangente”; “que reúna todos os dados em uma nova organização a partir de um CORTE EPISTEMOLÓGICO”? TOTALIDADE, nessa área, sempre soa a TOTALITARISMO! Já a palavra “alternativa” implica ser inevitável a CONVIVÊNCIA entre as 2 formulações: lado a lado e sem entrechoques e aproximações. Esse não deve ser o objetivo de um intelectual. Mais do que isso: aquela palavra confessa que haverá sempre aquela considerada OFICIAL (“versus” a alternativa). Agora…ao falar em “reconstruir a sociedade brasileira” ele mais se parece com um REFORMADOR SOCIAL e todos sabemos dos perigos que esses representam. Afinal: os homens mudam o mundo, sim, mas “sempre segundo a situação que herdaram”.

…………………………(CONTINUA)

*Depois de servir na guerra e dela voltando, o jovem Friedrich teve quase que uma visão (que pode lembrar as de Paulo). Tendo a CULTURA na mão, como uma espada teórica e intuitiva (a princípio), SOZINHO apontou os perigos do militarismo “patriota” que destruía a cultura representada pela França. E então, desfechou um ataque tão pesado e bem fundamentado contra o “filósofo” que mais representava a embriaguez da “superioridade alemã” que nunca mais ele se recuperou, morrendo logo depois. Desde então o MEDO do jovem Nietzsche assombrou os falsos pensadores de sua época. E que silêncio se fez a seu redor!

**A falta de investimento nos serviços públicos (especialmente a SAÚDE); sua entrega para administração por PRIVATISTAS (em acordos espúrios em função da “governabilidade”)  e a prioridade dada ao CONSUMISMO, tornaram esses avanços inconsistentes. Havia ali um matiz POPULISTA, apesar do autor condenar o uso desse termo.

***Toda discussão envolvendo conceitos NÃO VERIFICÁVEIS é estéril, resumindo-se a crenças. Melhor é manter as duas possibilidades como…possibilidades e abraçar aquela que mais gera instrumentos enquanto o conhecimento avança. Do ponto de vista de desempenho físico é inegável, por exemplo que os brancos tendem a ser melhores nadadores e os negros corredores.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

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