Arte e Cultura

GOIÂNIA: E UM “S. KILLER” DESVELOU UMA SOCIEDADE!

(Com um pouquinho de solidariedade, as mortes teriam sido interrompidas muito antes!)
Márcio Amaral, vice-diretor IPUB

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Thiago Rocha
Thiago Rocha

A revelação, feita pelo próprio criminoso em série:  já matara homossexuais, prostitutas e vários moradores de rua, bem antes de começar a matar mulheres jovens e “de família”, surpreendeu a muita gente. Em agosto/2013, os jornais locais já noticiavam mais de 20 mortes de moradores de rua nos 8 meses anteriores e naquela mesma cidade. Até uma força tarefa federal também fora para lá, mas fracassou redondamente nas investigações. As razões para tantos fracassos podem-se encontrar em outra frase do próprio matador. Disse ele, logo após a confissão dos primeiros crimes: “Quem ia se preocupar com essa gente?!”. A verdade, porém, é que ele nem começou sua série de crimes como um “Serial Killer” propriamente dito. Seus primeiros crimes apresentaram “modus operandi” bem diferentes. Para complicar a compreensão, ele era um frequentador igreja evangélica e uma pessoa “irrepreensível no trabalho”, segundo sua chefe. Uma característica fundamental ele tinha em comum com os matadores desse tipo: era muito calado e solitário. Com um pedido de perdão a todos os “calados e solitários” que não têm qualquer tendência ao crime, mas essa é uma constante nesse tipo de criminoso. Como a comunicação faz falta!

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“….não pergunte por quem os sinos dobram! Eles dobram por ti!” (John Donne)

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jovens mortas
Algumas de suas vítimas. Os moradores de rua nem mereceram fotos ou identificação. A sociedade repete continuamente outra forma de massacrar seres humanos.

E como foi difícil que a sociedade se desse conta de que todos estavam morrendo um pouco na sequência de crimes não desvendados? Primeiro, ele matou um gay; e os que não eram gays nem se preocuparam em investigar ou cobrar por investigação. Depois, prostitutas, e não havia nenhuma família ou instituição pública para falar por elas. Em seguida, foram moradores de rua…às dezenas…! Quem haveria de se preocupar com essas pessoas que todos querem longe de seu raio de visão? Quem sabe o matador não considerava até estar prestando um serviço à sociedade? Por fim, depois que todos os seres com traços humanos—mas já olhados como se não o fossem—tinham se tornado apenas números a catalogar, as vítimas passaram a ser aquelas pessoas “mais preciosas” e com as quais as famílias mais costumam se preocupar: moças adolescentes e mulheres jovens em geral. Só então, os crimes foram desvendados. As vidas de muitas outras moças foram poupadas e o criminoso impedido de continuar a matar. Quem sabe ele não é também uma vítima de um processo de desumanização que vem ocorrendo nas nossas cidades. Uma coisa é certa: muitas pessoas teriam sido salvas se houvesse um mínimo de solidariedade humana por ali.

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NOTA: a descoberta se deu quando ele matou uma assessora parlamentar. Teria esse fato também sido necessário para mobilizar as investigações? Diante de um descaso desses para com a vida humana, qualquer sociedade começa a apodrecer.

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arquitetura
Cartaz do grande documentário

“Primeiro vieram buscar os judeus e eu não me incomodei porque não era judeu.
Depois levaram os comunistas e eu também não me importei, pois não era comunista.
Levaram os liberais e também encolhi os ombros. Nunca fui liberal.
Em seguida os católicos, mas eu era protestante.
Quando me vieram buscar já não havia ninguém para me defender…”.

Martin Niemöller (1892-1984), sobre sua vida na Alemanha Nazista.

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O poeta se esqueceu dos doentes mentais! Parece que nem nos poemas eles cabem! Foram os primeiros a serem executados e queimados em instituições que, um dia, tinham sido chamadas de hospitais. Tudo isso, logo após a ascensão de Hitler ao poder (1933). Durante sua cremação em massa, tufos de cabelo começaram a “chover” sobre as cidades próximas (ver o filme “A Arquitetura da Destruição” do sueco Peter Cohen), motivando alguns protestos na sua população. A execução foi levada para locais bem mais distantes e ninguém mais se queixou.

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Volto a dizer: o assassino de Goiânia nem era um “serial Killer” propriamente dito. Se o fosse, as mortes tenderiam a ficar circunscritas a certos grupos com certas características. De qualquer maneira, é sempre bom pensar que esse tipo de conduta (que  desrespeita a vida) tende sempre a se espalhar, caso não sofra um ataque rápido e inteligente. A rigor, não precisa nem que seja relacionado especificamente à vida humana. As torturas a animais, por exemplo, também costumam “evoluir” para maus tratos de seres humanos, especialmente crianças…e assim por diante. Quando descobriremos que um compromisso com todos os semelhantes há de beneficiar a todos nós, especialmente àqueles que assumirem esse compromisso?

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E por que as nossas polícias são tão incompetente para desvendar crimes de todos os gêneros? RESPOSTA: Porque não tomam aquele desvendar de crime como um desafio intelectual: individual e da corporação. Assim, um corpo humano violentado passa também a ser apenas mais um número sem história. Mais uma vez: SOMENTE A HUMANIZAÇÃO—passando pela individualização, tanto da vítima, quanto do responsável pela investigação—PODE MUDAR A SITUAÇÃO. Teria sido tão fácil: 1-recolher as balas (quem sabe também as cápsulas?) das muitas dezenas de vítimas; 2-demonstrar que todas tinham saído da mesma arma; 3-procurar pelas casas que vendem munição (certamente comprou várias vezes); 4-identificar (de uma forma ou outra: nome ou imagem) o comprador. Teria sido fácil e até apaixonante. Onde está esse policial?

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Plaquinhas de "identificação" dos trabalhadores da "Fordlândia"
Plaquinhas de “identificação” dos trabalhadores da “Fordlândia”

Muito interessante, nesse caso, foi a redução dos casos a “números de identificação”, por parte do matador. Era uma espécie de senha para atingir qualquer um. Tudo se tornou uma espécie de “coleção” de cadáveres. Uma coisa é certa: qualquer redução de seres humanos a um número aponta para campos de concentração, “gullags” ou em revoltas, como entre os antigos funcionários da “FORDLÂNDIA” (1927/45) que funcionou na Amazônia, tentando produzir borracha. Por lá, cada trabalhador tinha uma plaquinha com o seu número pelo qual era identificado. Bem, não por acaso, Henry Ford foi um defensor do nazismo! Os brasileiros acabaram botando fogo em tudo. Não sou contra a nossa identificação por um CPF, mas sei que há sempre um “governo de ninguém” (burocracia) tentando nos devorar e transformar em “mortos-vivos”.

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