Arte e Cultura

HELENO DE FREITAS: TRÁGICO OU PERFORMÁTICO?

(A boa surpresa de ouvir R. Santoro)

Constatar que um bom ator captou a grandeza do personagem que um dia “encarnou”, é sempre uma grata surpresa. São inúmeros os casos de grandes atores que, ao falarem de seus personagens—como foi o caso de M. Brandon sobre seu papel em “O Sindicato dos Ladrões”, segundo P. Francis—demonstraram uma superficialidade enorme e aparentemente paradoxal. Como era possível? De onde, então, viera aquela capacidade de fazer viver um personagem? Certamente de paragens muito para aquém da racionalidade.

Não é o caso de R. Santoro em relação a Heleno de Freitas! Há vida muito inteligente e humilde no cinema, diante da grandeza de personagens que viveram de maneira trágica. Até uma conexão com a própria vida e o drama pessoal do filho de Heleno (que pouco conhecera o pai) ele teve a sorte, e a competência, de fazer. Dizer, como disse o ator, da alegria de ouvir daquele filho: “Agora eu posso virar uma página na minha vida”, é algo que não acontece com frequência na história do cinema e do drama em geral. O filme fez com que todos se elevassem àquele Übermensch (“Além do Homem”) de que falava Nietzsche: todos ali estiveram em um para além deles mesmos. Somente nesses momentos podemos dizer que a arte atingiu seu ponto mais alto e desempenhou seu mais nobre papel. Em tempos de Semana Santa, eu repetiria com os cristãos: “Morte! Onde está sua vitória?”

Mas nem tudo foi assim no debate na GLOBO NEWS do dia 30/3! Uma das apresentadoras, diante de muitas das cenas (e fotos da época) das subidas do jogador (e do ator) em alambrados; seus conflitos com os juízes, com torcedores e outras situações dramáticas, disse: “Mas ele era muito moderno e atual, não é mesmo? Bastante PERFORMÁTICO, como muitos jogadores fazem hoje em dia…….”….SILÊNCIO GENERALIZADO…. Não sei até se seus interlocutores pensaram assim, mas que aquelas frases soaram como “um tiro em um concerto”, isso todos sentiram. Nenhum comentário! Em tempos de jogadores imitando, ao fazerem gol, um boneco tolo inventado pela própria rede, um tal “João Sorrisão” (talvez melhor fosse dizer “bobalhão”), não há mesmo muito espaço para grandes personalidades! “Vida que segue!” Como dizia J. Saldanha, outro personagem dramático do futebol e do mesmo Botafogo.

É isso o que ocorre com as pessoas que vivem em uma espécie de “aquário global”: perdem (ou não desenvolvem) completamente a dimensão da vida e de seus dramas. A própria vida se encarregará de, mais uma vez, atirá-las em seus próprios dramas e—quem sabe?—tragédias! Há mesmo algo que aproxima os jornalistas e repórteres dos atores: NÃO SÃO, ELES MESMOS, OS PERSONAGENS TRÁGICOS*. Ouvi, certa vez, o relato de P. Gracindo sobre uma senhora que segurou seu braço na rua e, olhando-o longamente, disse “Não! Não é o olhar do Cel. Limoeiro!“. É verdade que esse limite, com frequência, é ultrapassado, como no caso de Tim Lopes e na situação tão bem representada em “Antes da Chuva”, filme sobre a guerra da Bósnia, quase sempre com consequências trágicas.

Durante muito tempo, achou-se que a arte imitava a vida. Depois, alguém disse que a vida imitava a arte. Penso que as duas coisas acontecem. De uma coisa estou certo, lá pelas bandas do norte, como bem o demonstrou o “Beleza Americana“—mas por aqui também—muitas pessoas tentam viver e se comportar como se estivessem nas telas. Preocupante, entretanto, foi ver que até o cinema foi transformado em um dos mais efetivos instrumentos de propaganda dos aparatos de segurança. Haja visto o papel da FOX. A sala escura, e uma música que funciona mais como “trilho” do que trilha sonora, servem muito bem para fazer repousar o espírito crítico de uma platéia que “pede bis e só deseja ser feliz”, deixando-a “preparadinha” para ser levada onde bem quiserem.

Esperando que o ator não se deixe seduzir pelos elogios fáceis e adulações tolas, que tenha uma grande carreira!

 

*Isso é imprescindível para sua atividade e não os diminui. O que muito diminuiu os jornalistas foi exatamente o contrário: deixar-se levar pela adulação do aparato de segurança dos EUA e pelo desejo de agradar uma opinião pública totalmente manipulada, durante a “Era Bush”. Tornaram-se “braço auxiliar” do

Estado, deixando de exercer o seu papel de jornalistas.

Marcio Amaral

2 Comments

  1. Excelente texto, acho que nossa sociedade performática e maníaca anda incapaz de perceber a dor , o sofrimento e o drama, a tragédia.
    Ainda não vi Heleno, certamente irei, mas lembrei-me de algo meio parecido rondando um outro filme.
    Calssificado como comédia? Habemus Papam, na verdade o fio condutor é o drama, o conflito de um cardeal que não quer ser Papa, um homem que está diante do seu desejo e não da predestinação. A embalgem , o invólocro é de sátira, de crítica , à Igreja , a sociedade, às tradições mas o drama do personagem principal é praticamente irreconhecido por todos. Andei conversando, andei perguntando, e todos riram de montão do filme, mas infelizmente o conflito entre o sujeito investido como Cardeal, um azarão que ganhou a eleição e não queria anda daquilo. O choque foi o suficiente para ele se dar conta de tudo que deixou de fazer de tudo a que renunciou…e o forte do filme é o jogo de futebol onde a platéia rola de rir…e fica por aí e tenho dito.

  2. Excelente comentário, meu prezado…..
    Fico feliz em ter leitor capaz de fazer a sua própria leitura das coisas. Verei o filme.
    E TEMOS PUBLICADO! Márcio Amaral

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