Arte e Cultura

LEIBNIZ…TOLSTÓI…NIETZSCHE…FREUD & P. FREIRE-I

(Amor e Respeito à individualidade: condição para EDUCAÇÃO e TERAPÊUTICA)
Márcio Amaral, vice-diretor IPUB
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Um dos maiores esforços intelectuais e morais de LEIBNIZ foi voltado a derrubar a noção empirista (inspirada em Aristóteles) de que os seres humanos seriam um “quase” NADA ao nascer; uma “tábula rasa” na qual os ensinamentos e as experiências da vida como que “escreveriam”. A máxima desses empiristas era: “não há nada no espírito que não tenha passado pelos órgãos dos sentidos”. E ela foi derrubada com uma única sentença de LEIBNIZ: pois se até para se esculpir uma imagem qualquer um escultor precisa estudar os blocos de mármore para ver qual deles a “aceitaria” (“Novos Ensaios Sobre o Conhecimento Humano“)…ainda muito mais para um ser humano em toda a sua complexidade! E quantos absurdos foram cometidos nas escolas, casernas, conventos e presbitérios a partir daquela máxima empirista! Nela também se inspiraram os “Reformatórios” e seus muitos horrores. Tudo isso apoiados em Aristóteles e sob a máscara de uma função “muito elevada” que mais servia para esconder torturadores travestidos de educadores*. A própria palavra ALUNO—de “a lumina”, seres não dotados de luz, embora existam outras interpretações, todas apontando para a PASSIVIDADE no “polo do aprendizado”…passivo—é já uma consequência daquela mesma concepção. E dizer que Sócrates pensava exatamente o oposto: cada ser humano traz dentro de si inúmeras capacidades que boas palavras (especialmente boas perguntas) ajudariam a florescer!
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TolstoiMas LEIBNIZ foi muito mais longe, a ponto de, em uma primeira leitura, eu mesmo ter pensado se tratar de exagero de retórica o que segue (“Discurso da METAFÍSICA”- Temos Todas as IDEIAS em Nós): “…nada penetra no nosso espírito vindo do exterior. É um mau hábito pensar como se ele tivesse portas e janelas…Temos todas essas formas (IDEIAS, como possibilidade e não ainda formuladas) no espírito e desde sempre. O espírito exprime sempre todos os seus pensamentos futuros—embora pensando confusamente de início—em tudo aquilo que, um dia, pensará com distinção. Nada nos pode ser ensinado cuja ideia (ainda que confusa) não tenhamos já no espírito. E essa IDEIA** é a matéria de que se formará esse pensamento (no futuro)”. Eis uma afirmação cuja verdade absoluta é impossível de verificar e cuja maravilha só compreendi de todo relendo L. Tolstói (ver abaixo). Quanto RESPEITO a cada ser humano! E que instrumento para se trabalhar no dia a dia com aqueles em cujo crescimento estamos, de alguma forma, envolvidos! Poucas formulações são tão importantes, especialmente quando os detentores do poder estão repetindo à EXAUSTÃO que “somente a educação pode salvar a sociedade”! O que buscam, em verdade, é aprisionar as pessoas em um certo conjunto de valores. Muitos o repetem de boa vontade, mas sempre a partir do convencimento de que os seus próprios “moldes” são os melhores, sem se darem conta de que esses moldes podem ser, eles mesmos, uma violência, quando tentam ultrapassar o simples papel de uma base mínima de referência.
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É possível que nossa alma seja tão vazia; que seja nada sem as imagens que recebe de fora?…Aliás, onde se encontrarão lousas (tábulas vazias) que não diversifiquem em algo?…Jamais se verá um plano completamente unido e uniforme…” (“Novos Ensaios…”, PREFÁCIO)
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O FILHO DE ANA KARENINA E A “CHAVE DO AMOR”
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“…era uma criança que conhecia sua própria alma e a protegia, como a pálpebra protege o olho, daqueles que nela tentavam penetrar sem a CHAVE DO AMOR…” (Parte V, cap. XXVII)
Depois que sua mãe é proscrita da sociedade por adultério—dizem-lhe ter ela morrido, mas ele não acredita—o menino de 10 anos está sofrendo as inúmeras e típicas “torturas pedagógicas” por seu pai, homem rígido e disciplinador, mas também por um preceptor que tenta agradar àquele que lhe paga o salário. De que poderiam valer lições marcadas pelo perfil hipócrita de todos os envolvidos diretamente com elas? Seu pai “…quando falava com ele assumia um tom especial, como que se estivesse se dirigindo a uma criança imaginária, daquelas que se encontram em livros e com as quais Seriocha em nada se parecia”. A artificialidade das relações aparece também nos lemas e sermões ouvidos. Pensa o menino depois de ouvir um desses: “Por que terão eles combinado de falar comigo sempre de maneira igual, aborrecida e inútil?”. Sim, o menino aprendia, apesar do pai não acreditar, mas “…aprendia com a criada, com Nadienka, com Vacili, com K… e com os outros empregados, não com os mestres oficiais”. Algumas décadas depois, Freud iria, de forma não tão poética, falar em outra “chave do amor” como seu maior instrumento, mas agora na terapêutica mais específica: o “amor de transferência”.
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NIETZSCHE: “TORNA-TE O QUE ÉS!”…O “GRANITO” INTERIOR!
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Nietzsche é, com frequência, injusto com Leibniz associando-o por demais a Kant a quem chamou “Raposa de Könisberg”. Em verdade, parece que não dedicou muito interesse ao primeiro grande pensador alemão e, além disso, muito cedo desenvolveu uma aversão à crença na “HARMONIA UNIVERSAL PRÉ-ESTABELECIDA” (por Deus, é claro, tese essencial em toda a filosofia de Leibniz) da qual os iluministas debocharam tanto, especialmente o superficial Voltaire. Assim, Nietzsche teria perdido uma grande oportunidade de ver o quanto as ideias de Leibniz se aproximavam de algumas de suas teses principais. O “TORNA-TE O QUE ÉS” é uma condensação impressionante da ideia de que tudo o que podemos desenvolver é somente aquilo que temos como disposição fundamental; essa sentença insta e cobra que cada um de nós enfrente o desafio de perder o medo e a vergonha de si mesmo e de seus próprios conteúdos sejam eles quais forem; estabelece uma trincheira na resistência às muitas formas de invasão e controle por parte de outras pessoas (seja por meios grosseiros ou adulação), aquelas que tentam tornar as pessoas nada mais do que uma MASSA DE MANOBRA, “quebrando-lhes a espinha dorsal”.**
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S. FREUD E SUA “CHAVE DO AMOR”…DE TRANSFERÊNCIA
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Sem a TRANSFERÊNCIA não há psicanálise possível. Não se deve pensar que a psicanálise cria a transferência e que ela só surge naquela situação..Trata-se de um fenômeno humano que decide o êxito de toda terapêutica e domina as relações de uma pessoa com as que a rodeiam…” AUTOBIOGRAFIA
(CONTINUA)
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*Frederico-I criou, na Prússia (a partir de 1717 ano seguinte à morte de LEIBNIZ), 1700 escolas para ensino compulsório de todas as crianças. Sua ênfase era na obediência e aplicação: “…o açoite era de uso corrente. Um mestre escola contava que, em 51 anos de ensino havia dado 124mil chicotadas, 136.715 palmadas com a mão, 911.527 golpes com um pedaço de pau e mais 1 milhão de bofetões” (W. Durant “A ERA DE VOLTAIRE”). Não por acaso, Nietzsche comparou as escolas, casernas e igrejas alemães às “menageries” (onde se amestravam animais). E assim foi preparada a grandeza alemã…até desembocar no nazismo! Não por acaso, Hitler mantinha um retrato de Frederico I no seu “Bunker” sujo e em Auchwitz havia dizeres de recomendação nas paredes (higiene e cuidados) que mais pareciam vindos de colégios internos (Ver “É ISSO UM HOMEM?”, Primo Levi)
**O matiz do IDEAL metafísico de LEIBNIZ aparece também nessa linguagem: a IDEIA como algo acabado a ser alcançado e o PENSAMENTO como uma atividade humana em um processo permanente de aperfeiçoamento ou perversão.
***Em “ALÉM DO BEM E DO MAL” é dito haver em cada um de nós um “granito interior” que nunca se modifica, ou cuja mudança importante implicaria a perda de nossa individualidade, em alguma forma de demência.

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