Arte e Cultura, Temas e Controvérsias

MANUEL BANDEIRA E A AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA!

(De nosso poeta e professor, em um dos mais belos momentos da humanidade)

Márcio Amaral, vice-diretor IPUB

………….

Este texto é dedicado ao Prof. Emérito Nelson Souza e Silva e Lucieni Pereira (TCU) pela clareza que sempre tiveram—desde o início da luta contra a EBSERH—quanto à importância da A. Universitária. Já eu, tenho que confessar, precisei dessa “coisa” (gerada ao final dos governos LULA, diga-se de passagem) para me dar conta de sua importância não somente para nós, mas para o futuro de qualquer nação. Ler a “ORAÇÃO DE PARANINFO” do poeta que mais aprecio, na qual a A. Universitária é elevada a alturas inimagináveis, só fez aumentar um pouquinho mais aquele sentimento de vergonha. Que fenômeno foi esse que amesquinhou tanto o espírito universitário, a ponto de perdermos um referencial que já perdura por cerca de 1000 anos?

………………………

Sim! Aquele que considero nosso maior poeta; um dos maiores artistas de nossa história (ao seu lado colocaria H. Villa-Lobos e C. Portinari), também foi um grande intelectual, crítico de artes e excelente cronista. Além disso, nunca se furtou à ação (discreta como em tudo o que fez) política… E nós, herdeiros da antiga UNIVERSIDADE DO BRASIL, podemos nos orgulhar desse que foi nosso colega. Mas precisamos estar à altura da tarefa. Muito significativamente, Bandeira lecionou entre nós Literatura Hispano-americana. E como atuou de maneira aproximar o Brasil, nosso povo e intelectuais, dos demais povos da América latina! Em 1945, quando o mundo ainda vivia a bela embriaguez da vitória contra os nazistas e o mundo ainda não fora tomado mais uma vez por interesses mesquinhos, foi ele escolhido Paraninfo por seus alunos. E proferiu um dos mais belos discursos que já li em toda a minha vida. E que destaque deu à A. Universitária conquistada havia pouco tempo, juntamente com a queda do E. Novo e a (breve) redemocratização! É o que reportaremos nesse texto que quase se limitará a longas citações.

……………

IMPORTÂNCIA E RIQUEZA DA CULTURA DA AMÉRICAS!

…………………

O que estava em voga, naquele grande momento da humanidade, era mesmo a conquista de AUTONOMIA generalizadamente! E ele inicia sua ORAÇÃO não somente exaltando a cultura das Américas em geral, mas também defendendo sua afirmação e…AUTONOMIA em relação à Europa: “Somos assim: conhecemos e celebramos autores europeus de terceira e quarta ordem, mas relegamos ao esquecimento gênios de nosso continente… Em conjunto esses valores já formam um bloco impressionante de originalidade e força…Sejamos americanos. Ao diabo o critério universalista ou puramente estético. Digamos com Renan: ‘Que nos importa a grandeza de Sirius, se é o nosso sol que amadurece as nossas searas?’. Não desprezemos a tradição européia em que nos formamos. Convenhamos, no entanto, que é nos pensadores americanos que poderemos encontrar respostas para os nossos problemas sociais e políticos; nos poetas americanos, a emoção específica da nossa paisagem e da nossa alma; nos romancistas americanos a expressão profunda de nossa vida…Exageramos, por ignorância, a pobreza do nosso patrimônio de cultura…Aqueles que seguiram o meu curso conhecem o “leit-motiv” de todas as minhas lições: a lição por excelência que é a de fé nos destinos da América…fora dessa casa não esqueçais esse propósito de solidarização continental…uma literatura onde repontou, fonte de seiva nova, a poesia do modernismo…merece a atenção do mundo e é, para nós, americanos, justo título de orgulho!”

……………………..

E VEIO A AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA DA UNIV. DO BRASIL

…………………..

“Quero agora congratular-me convosco pelo grande acontecimento da quinzena passada: o decreto que reconheceu AUTONOMIA administrativa, financeira, didática e disciplinar da UNIVERSIDADE DO BRASIL…Essa medida pode integrar o nosso ensino superior no verdadeiro sistema universitário. Até agora, a U. do BRASIL não passava de um conjunto de escolas reduzidas à função burocrática e quase inerte de transmitir conhecimentos e conceder diplomas. Faltava-lhe tudo para cumprir sua missão. Não se compreende uma UNIVERSIDADE sem instrumentos de investigação desinteressada; ou interessada, acima de tudo, no progresso cultural da coletividade; que tenha a norteá-la um ideal superior ao horizonte de cada indivíduo…A universidade tem que ser a matriz da vida espiritual de um povo. Desde as primeiras, que apareceram ainda na I. Média, foram elas o instrumento de um corpo de doutrina; um fermento de renovação da vida do espírito; arquivo do passado, registro do presente, mas também a antena do futuro”.

…………….

A IMPORTÂNCIA POLÍTICA DAS UNIVERSIDADES

……………….

Nesse ponto, Bandeira discorre sobre a importância até mesmo POLÍTICA das UNIVERSIDADES, muitas fundadas para consolidar o poder e hegemonia de alguns povos sobre uma região qualquer: CAEN (na Normandia),DOUAI (pela Espanha na Flandres); KOENISBERG (para reafirmar a REFORMA), FRIBURGO e outras): “A nossa UNIVERSIDADE, até hoje, tinha somente o nome…sem centro de pesquisa, sem seminários, sem EXTENSÃO dos estudos à massa da população; criada no eclipse do regime democrático, só podia mesmo ser o que foi até agora: mais um dos muitos prisioneiros no campo de concentração do extinto ESTADO NOVO, trabalhando como os galés, com os pés chumbados às grilhetas burocráticas do DASP”. 

…………………….

(Bandeira agora cita algumas demonstrações da nossa capacidade inventiva e de criação referindo descobertas recentes sobre o fenômeno termo-elétrico pelo Prof. Costa Ribeiro). E depois continua:

…………………………

“…Cabe-nos agora a plena responsabilidade pelos nossos destinos. Saberemos honrar a liberdade que nos foi deferida. Afiançam-nos as palavras do M. Reitor quando definiu a UNIVERSIDADE como ‘consciência e cérebro da nação; a mais elevada expressão sistemática da sua vida espiritual’…Por isso (esse estudante encruado, que apenas estudava convosco) vos aconselho: defendei sempre a vossa juventude interior; aspirai sempre a desenvolver, não um só aspecto, mas a plenitude de vosso ser; a consciência da unidade fundamental da natureza humana…Ides começar, fora desta casa, uma tarefa onde não faltarão embaraços, dissabores e decepções.. Nas horas difíceis e incertas, não vos deixeis abater pelo desânimo nem transviar no pessimismo: afirmai, antes e com mais entusiasmo em vossa juventude preservada, que a VERDADE e a TERNURA não são coisas inúteis. Continuai lutando com elas: a VERDADE e a TERNURA”. 

………….

Impossível acrescentar alguma coisa, não é mesmo? Bandeira usava chamar Drummond “O POETA”. Um dia, o itabirano respondeu “E você é A  POESIA!“. O país que teve 5 (só para ficar nos que mais aprecio) poetas do calibre de: Bandeira, Mário, Cecília, Quintana e Drummond vivendo em um mesmo período nada fica a dever à poesia universal. Quando me lembro, então, o quanto todos eles foram amigos, apreciaram as obras uns dos outros (de maneira também crítica) e estimularam novos artistas, fico com o sentimento de que há muito a resgatar da nossa cultura nesses nossos tempos tão apressados!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *