Arte e Cultura

MUDARAM TUA ESTRUTURA! TE IMPUSERAM OUTRA CULTURA!…

(O SAMBA ENTREGUE AOS “GAROTINHOS GLOBAIS”)

Márcio Amaral

Quem passasse pelo SAMBÓDROMO durante o dia e visse aqueles cartazes enormes—falando de cerveja, sorvete, automóveis, etc.—, não sabendo da sua destinação, julgaria estar às portas de um AUTÓDROMO. O mau gosto tomara todo o espaço. Se, pela TV e durante o desfile, já havia uma enorme poluição visual—provocando até confusão quanto aos anúncios fazerem ou não parte do espetáculo—à luz do dia, restava apenas o mau gosto em sua máxima expressão. E dizer que “aquela rede” ainda reclamou de algumas ingênuas e singelas “sobras de carnaval” pelas ruas: como uma foca em plena Av. Rio Branco; uma estrela marinha na Cinelândia e outras! Quem documentou o mau gosto do SAMBÓ(AUTÓ)DROMO, melhor visível do viaduto?

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Vendo aquilo, lembrei-me do samba de Nelson Sargento: “Samba! Agoniza, mas não morre/Alguém sempre te socorre/Antes do suspiro derradeiro…”. Não! O samba hoje está longe de agonizar! Talvez até pelo esforço dele mesmo, o compositor, nos períodos mais difíceis, como a década de 1990. Mas os desfiles das Escolas de Samba? Esses estão mais do que agonizando, pelo menos no que se refere à sua importância para o carnaval de nossa cidade. O QUE ESTÁ ACONTECENDO NA SAPUCAÍ CAMINHA PARA SER UMA OUTRA COISA; rompeu-se algum elo com a sua própria história. Do seu efeito sobre as comunidades, que continuam a se mobilizar e sorrir na avenida, não digo nada, mas aquele “frisson” quanto a quem ganharia ou perderia; aqueles comentários nas ruas sobre os enredos;… isso se acabou. Tudo indica que o antigo ânimo ainda vive e se realimenta por lá. Mas não há mais qualquer dúvida de que tudo agora é dirigido para o público internacional. A GMídia tomou literalmente conta do carnaval na Sapucaí.

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Querem um exemplo? A Globo comprou o “pacote” implicando o DESFILE DAS CAMPEÃES. Como não havia mais qualquer interesse internacional naquele desfile e o interesse “nacional” não justificava (financeiramente) a suspensão da programação (talvez em função de um BBB qualquer), o desfile não foi transmitido. Agora, o mais perverso da história: aquela rede “sentou-se em cima do desfile” e não deixou que ninguém mais o transmitisse. Quem ainda pode achar que têm algum compromisso com a cultura brasileira e do Rio? E com o próprio jornalismo? Se tivesse, não impediria outros de mostrar o desfile. Seu compromisso verdadeiro, principal e quase único, é com o dinheiro e com seu próprio umbigo. E quanto mal pode causar ao samba e ao desfile!

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Pois vejam um pequeno e singelo exemplo do resultado da entrega de algo muito elevado para o controle de mentes pequenas e mesquinhas! Sem ter ninguém a quem dar satisfações—que governante está preocupado com nossa cultura?—sua transmissão foi entregue aos “garotinhos” inodoros, assépticos e insípidos. Pois bem, na concentração da Mangueira, um cinegrafista (que conhece de samba) focalizou longamente NELSON SARGENTO em um carro alegórico. Um daqueles técnicos que selecionam imagens (e que também conhece de samba) deixou a bela imagem nas TVs do mundo por um tempo enorme….Nenhum comentário a respeito por parte dos “Garotinhos Globais”! Continuaram com seu palavrório infernal, enquanto ficava por lá a imagem daquele senhor tão respeitável e orgulhoso da sua negritude.

UMA SEGUNDA CHANCE: o cinegrafista focalizou Nelson Sargento de novo, agora com uma imagem levemente sorridente—cheia de uma dignidade superior e natural—talvez se lembrando dos amigos da mesma geração: Cartola, N. Cavaquinho, Jamelão (e me perdoem por algumas omissões). Nenhum comentário, mais uma vez! Nenhum de nós é obrigado a conhecer aquela imagem, mas para toda uma equipe que se dispôe a narrar desfiles de E. de Samba?! Inaceitável. Quando o desfile já ia um tanto avançado, devem ter entregue uma lista aos “MUPPETS”, com vários nomes dos mais de 20 membros da velha guarda que se encontravam no carro. Como bons “MUPPETS”, leram o que lhes foi posto na frente. Estava lá o nome de N. Sargento que foi lido mecanicamente. Ele certamente nem haverá de se importar com isso, mas é muito representativo em relação ao que estão fazendo com aquele desfile que, apesar de tudo e de tanta poluição visual GLOBAL, continua lindo. AH!!! Quem sabe não colocarão a culpa no cinegrafista que os teria atirado a uma “zona de risco”?

E não havia uma pessoa sequer, naquele deserto cultural, para cochichar aos “ouvidos globais”: “Esse senhor é Nelson Sargento!“… E depois de 2 chances!. Parecia aquela história do CONFIRMA das urnas eletrônicas: na primeira vez deu a impressão de que são uns ignorantes. Na segunda…CONFIRMARAM: estão ali falando…falando…e falando sem parar, da mesma maneira que poderiam estar no ROCK IN RIO (aliás, “É o cacete!”), na F1 ou naquelas lutas muito tolas.

O mais revoltante, entretanto, foi a fala do “MUPPET ÂNCORA” que, a toda hora dizia: “Como eles estão se divertindo!”. É muita ignorância! Não tem qualquer noção da diferença entre CULTURA e DIVERSÃO. Não alcançam a elevação espiritual que leva aquelas pessoas àquelas maravilhas e seu sentimento de ligação com outras gerações. Tratam sua alegria coletiva, afirmativa e grandiosa da mesma forma como tratariam a “alegria” dos parques de diversão, onde as pessoas são tratadas como objetos: corpos inertes atirados para todos os lados, como se estivessem em uma máquina de lavar. Aliás, tudo o que a Globo gostaria é que a cultura se transformasse em mero entretenimento. Aí sim, teriam todo poder sobre a sociedade. Mas, como disse  N. Sargento em relação aos ataques sofridos pelo samba: “Alguém sempre te socorre/Antes do suspiro derradeiro”.

Nos “banner” espalhados pela cidade, fazendo parte da “decoração de carnaval”, OGlobo assinava: “O Jornal Oficial do Carnaval”. A única relação aceita entre “oficial” e “carnaval” é a rima. Mas o pior de tudo é a “adulação global”, pois é muito difícil a ela resistir. Um dos temas do desfile foi “FAMA” e é em torno dessa ilusão de fama (quase universal) que a Globo cultiva seu poder sobre a sociedade. Assim, vai atirando alguns confeitos para os artistas populares, tentando “domesticá-los”. Mas o espírito indomável de Dionisio, que de há muito já se bandeou para essas paragens, continuará sempre passando a mão no saca-rolha e cantando: “Ninguém me agarra/Ninguém me agarra/ As águas vão rolar…”.

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