Arte e Cultura

O GRANDE INQUISIDOR: “OS I. KARAMAZOVI”-II

(Desafio aos M. Sociais: como chegar às pessoas mais simples do povo?)
Márcio Amaral, vice diretor IPUB
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segunda-tentNOTA: como todos poderão ver, os argumentos do G. Inquisidor são convincentes, por demais lógicos e até racionais. Muitos poderosos e perversos, no curso da história, apresentavam argumentos convincentes, lógicos e aparentemente racionais para justificar seus absurdos. O que há de mais importante na vida, entretanto, não se resume ou limita à muito arrogante RAZÃO. Uma coisa é certa: os caminhos seguidos por Cristo—e também os nossos—são muito mais difíceis do que os propostos nas “3 TENTAÇÕES”. (Tradução: E. Corvisieri, Ed. N. Cultural, 1995)
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OS ELEITOS “versus” OS BILHÕES DE “FRACOS”

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SEGUNDA TENTAÇÃO—“Eu te darei todo poder e riqueza destes reinos, porque tudo isto foi entregue a mim, e posso dá-lo a quem eu quiser. Portanto, se ajoelhares diante mim, tudo isto será teu”.

Jesus“Adorarás ao Senhor seu Deus e somente a Ele servirás.” (Mateus 4: 6,8)

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CONTINUA O INQUISIDOR: “…dezenas de milhares de almas seguir-Teão…mas o que acontecerá aos milhões e bilhões que não terão a coragem de preferir o pão do céu ao da terra?….Será que preferes os grandes e os fortes à multidão inumerável, que é fraca mas Te ama…? Eles também são queridos, os seres fracos. Embora depravados e revoltados*, tornar-se-ão finalmente dóceis… Ficarão espantados e acreditarão que somos deuses por ter consentido em comandá-los; em assumir a liberdade que os atemorizava…de modo que, ao final  terão medo de ser livres.. Mas lhes diremos que somos Teus discípulos e reinamos em Teu nome. Enganá-los-emos de novo, porque não deixaremos que Te aproximes de nós…Não há, para o homem libertado, preocupação mais constante e mais ardente do que procurar um ser diante do qual se inclinar…Mas só quer ele inclinar-se diante de uma força inconteste, que todos os humanos respeitem por consenso universal**…. Porque essa necessidade de ser parte de uma enorme comunidade é o principal tormento de cada indivíduo e da humanidade inteira, desde o começo dos séculos… repeliste a única bandeira infalível que Te ofereciam e que teria feito curvar, sem contestação, todos os homens diante de Ti: a bandeira do pão terrestre; rejeitaste-a em nome do pão do céu e da liberdade! Vê o que fizeste em seguida, sempre em nome da liberdade! Não há, repito-Te, preocupação mais aguda para o homem que encontrar o mais cedo possível um ser a quem delegar esse dom da liberdade que o infeliz traz consigo ao nascer…

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DANDO UM SENTIDO À VIDA, PARA ALÉM DO PÃO!

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INQUISIDOR: “…Mas para dispor da liberdade dos homens, é preciso dar-lhes a paz da consciência. O pão Te garantiria o êxito (momentâneo); o homem se inclina diante de quem lho dá…mas se um outro se torna senhor da consciência humana, largará ali mesmo o Teu pão para seguir aquele que cativa sua consciência. Nisto Tu tinhas razão, porque o segredo da existência humana consiste não somente em viver, mas ainda em encontrar um motivo de viver. Sem uma ideia nítida da finalidade da existência***, prefere o homem a ela renunciar e se destruirá em vez de ficar na terra, embora cercado de montes de pão… Esqueceste-Te então de que o homem prefere a paz e até mesmo a morte à liberdade de discernir entre o bem e o mal?”
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“…Não há nada de mais sedutor para o homem do que o livre arbítrio, mas também nada de mais doloroso…E, em lugar de princípios sólidos que teriam tranquilizado para sempre a consciência humana, Tu escolheste noções vagas, estranhas, enigmáticas; tudo quanto ultrapassa a força dos homens e com isso agiste como se não os amasses… Querias ser livremente amado, voluntariamente seguido pelos homens fascinados. Em lugar da dura lei antiga, o homem devia doravante, com coração livre, discernir o bem e o mal, não tendo para se guiar senão Tua imagem. Mas não previas que ele repeliria afinal e contestaria mesmo Tua imagem e Tua liberdade, esmagado sob essa carga terrível: a liberdade de escolher? Gritarão por fim que a verdade não estava em Ti, de outro modo não os terias deixado numa incerteza tão angustiosa, com tantas preocupações e problemas insolúveis. Preparaste assim a ruína de Teu reino… Desejavas uma fé livre e não inspirada pelo maravilhoso. Tinhas necessidade de um livre amor e não dos transportes servis dum escravo aterrorizado. Aí ainda, fazias ideia demasiado alta dos homens, porque são escravos, se bem que tenham sido criados rebeldes.”

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AS REVOLTAS INCONSEQUENTES E OS CAMINHOS MAIS DIFÍCEIS!
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“…Vê e julga, após quinze séculos decorridos: quem elevaste até a Ti? Juro-o, o homem é mais fraco e mais vil do que o pensavas. Pode ele realizar o mesmo que Tu? A grande estima que tinhas por ele fez mal à compaixão. Exigiste demasiado dele… Que importa que no presente se insurja por toda parte contra nossa autoridade e se mostre orgulhoso de sua revolta? É o orgulho de jovens escolares que se amotinaram em aula e expulsaram seu mestre. Mas a alegria dos garotos terá fim e lhes custará caro. Derrubarão os templos e inundarão a terra de sangue. Mas perceberão por fim, essas crianças estúpidas, que são apenas fracos revoltosos, incapazes de revoltar-se por muito tempo. Derramarão lágrimas bobas e compreenderão que o Criador, fazendo-os rebeldes, quis zombar deles, certamente… Teu eminente profeta diz, na sua visão simbólica, que viu todos os participantes da primeira ressurreição e que havia doze mil para cada tribo…deveriam ser mais que homens, quase deuses. Suportaram Tua cruz e a existência no deserto, nutrindo-se de gafanhotos e de raízes; decerto, podes orgulhar-Te desses filhos da liberdade, do livre amor, de seu sublime sacrifício em Teu nome. Mas lembra-Te, não eram eles senão alguns milhares e quase deuses, e o resto? É falta deles, dos outros, dos fracos humanos, se não puderam suportar o que suportam os fortes?”

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“…Vieste apenas para os eleitos? Então, é um mistério, incompreensível para nós, e teremos o direito de pregá-lo aos homens, de ensinar que não é a livre decisão dos corações nem o amor que importam, mas o MISTÉRIO, ao qual devem eles submeter-se cegamente, mesmo malgrado sua consciência…É o que temos feito. Corrigimos Tua obra, baseando-a no milagre, no mistério e na autoridade. E os homens regozijaram-se por ser de novo levados como um rebanho e libertados daquele dom funesto que lhes causava tais tormentos…. Por que então vir entravar nossa obra? Por que guardas Tu o silêncio, fixando-me com Teu olhar penetrante e terno? É preferível que Te zangues, não quero o Teu amor, porque eu mesmo não Te amo. Por que haveria eu de dissimular isto? Sei a quem falo, Tu conheces o que tenho a dizer-Te, vejo-o nos Teus olhos. Cabe a mim esconder-Te nosso segredo? Cabe a mim esconder-Te nosso segredo? Talvez o queiras ouvir de minha boca. Ei-lo: não estamos conTigo, mas com “ELE”, desde muito tempo já. Há justamente oito séculos que recebemos dele esse derradeiro dom que Tu repeliste com indignação, quando ele Te mostrava todos os reinos da terra…”

……..CONTINUA: CONCLUSÃO NO PRÓXIMO…
*Denegrindo a humanidade e reafirmando a tese que confere UNIDADE à sua fala.
*Há alguma beleza nessa constatação: há em cada ser humano uma força à procura de algo que una a humanidade inteira. Infelizmente, isso costuma degenerar em imposições e catequeses. Que qualquer UNIDADE seja buscada somente através da cultura e da arte. As pessoas da CULTURA e ARTE se reconhecem imediatamente e se respeitam mutuamente.
***Eis a constatação da importância da SUBJETIVIDADE, contrariamente ao que faz o capitalismo que visa nos transformar em meros consumidores.

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