Arte e Cultura

OFENDENDO OS PROFESSORES BRASILEIROS

(“CERVEJEIRO!!! NÃO VÁ ALÉM DAS SUAS CERVEJAS!”)

Márcio Amaral

(NOTA: no dia seguinte à veiculação da matéria que deu origem a este texto, solicitei sua localização na Internet a 4 pessoas das minhas relações. Ela simplesmente desapareceu! Por isso, não me foi possível assinalar nomes e outros dados. Ninguém vai assistir TV com caderno de notas. Talvez os editores da TV tenham se dado conta dos absurdos ali contidos e tenham feito uma auto-censura. Posteriormente, verifiquei haver uma Fundação Lemman, ligada à AMBEV e que promove esse tipo de intercâmbio. Eu já estava duvidando dos meus olhos e ouvidos. A matéria assinalada, entretanto, parece estar “auto-censurada”)

A “Globo News” (jornal das 10, 28/ag/2012) apresentou uma matéria que seria ridícula, não fosse tão ofensiva a todos os professores brasileiros e demais pessoas envolvidas com a educação. Um grande empresário paulistano, do ramo de cervejas, estaria financiando a ida de 100 dos nossos professores para formação na Universidade de Stanford, Califórnia. Até aí, nada demais. Parecia apenas mais uma daquelas iniciativas de valor um tanto ambíguo, mas em nada condenáveis (talvez até louváveis) em si mesmas. Quando, porém, deram a palavra ao responsável norte-americano pela administração do projeto, fiquei abismado que, em pleno século XXI, quando o Brasil já ganhou enorme projeção, fosse possível alguém levar ao ar (em rede nacional) uma tal manifestação de submissão cultural. Disse o eminente professor, com legendas, é claro:

As pessoas culpam os professores brasileiros pela baixa qualidade do ensino, mas a culpa não é deles. O problema é que eles não foram preparados para ensinar. Então, é natural que o ensino não seja bom. Comparemos com a situação de um mecânico a quem eu entregasse o meu carro para consertar e ele fizesse tudo errado…depois soubéssemos que ele não tinha qualquer preparação. A culpa não era dele. É a mesma coisa”. REPROVADO

Deixando de lado a “mortalha caridosa” em que ele tentou nos envolver ao parecer “bonzinho e muito piedoso”, QUALQUER “EDUCADOR” QUE APLIQUE METÁFORAS OU COMPARAÇÕES MECÂNICAS AO PROCESSO DE APRENDIZADO ESTÁ, EM PRINCÍPIO, REPROVADO. O “Complexo de Vira-latas”, de que tanto falou N. Rodrigues, está longe de ter desaparecido. Hoje ele está atacando especialmente as “elites”: verdadeiros sabujos junto aos falsos sábios do H. Norte. O resto das falas foi tanta tolice que não precisamos discutir. O que vai me interessar é a atitude dos brasileiros (mas nem tanto) que os assessoraram.

Considerando que aquele professor não estudou nada a respeito da nossa situação educacional—ou alguém acha que os norte-americanos “perdem” o seu tempo aprendendo com outro povos? Há exceções—todo o seu julgamento se baseou naquilo que lhe foi informado…por brasileiros. Mas tudo pode ter sido bem mais sutil! Considerando que ele seja uma pessoa inteligente e sensível, apesar da comparação um tanto rasteira e…mecânica, PERCEBEU UMA SUBMISSÃO HUMILHANTE ENTRE AQUELES QUE SE APRESENTARAM COMO SENDO A “ELITE BRASILEIRA”. SE NOSSA “ELITE” É TÃO DESPREZÍVEL, IMAGINEM A “RAIA MIÚDA…”! Deve ter sido sua conclusão muito natural. Sua fala foi dirigida a inteligências limítrofes…fruto talvez da amostragem de brasileiros a que teve acesso. Falem mal de nossa EDUCAÇÃO! O povo que tem uma cultura com a riqueza e diversidade como a nossa não tem por que se envergonhar diante de ninguém*.

….

Mas o que eles devem ter estranhado mesmo foi ramo do empresário! Que país é esse? Até na educação envolvem a boemia!!! Disse, aliás, o cervejeiro: “Serão os 100 que revolucionarão a educação brasileira!“. Já eu, diante dos “100 de Stanford”, valorizo mais os “300 de Esparta“, salvadores da cultura ocidental, ainda que ANALFABETOS, na sua imensa maioria. Sim, isso está absolutamente demonstrado: o povo grego, cuja cultura é considerada o berço da cultura ocidental, era composto, na época e em sua imensa maioria, de analfabetos. A Cultura Grega era, antes de tudo, especialmente em seu período áureo, fruto de divulgação oral: Sócrates, que nunca escreveu nada; os grandes rapsodos, que decoravam suas canções e cantavam pelas cidades; as discusssões em praças públicas, o teatro, etc.

“CERVEJEIRO! NÃO VÁ ALÉM DAS SUAS CERVEJAS!!!”

Essa tem origem em uma crônica latina: um grande pintor, durante exposição pública, escondeu-se para ouvir os comentários dos visitantes. Um sapateiro criticou as sandálias por ele pintadas. Saiu ele, então, do esconderijo, agradeceu e, no mesmo dia, sanou a impropriedade. No dia seguinte, o sapateiro voltou e disse que as sandálias estavam boas…mas as nuvens poderiam ter sido pintadas de outra forma…(ou coisa parecida). O pintor saltou de novo do esconderijo e gritou: Sapateiro! Não vá além das suas sandálias“! (ne sutor ultra crepitam).

Pobre do bom e bem intencionado cervejeiro! A cerveja tem tanta importância cultural! Por que não se dedicou a investigar o papel e a história dessa bebida que alegra a vida da gente do povo, especialmente aqui pelos trópicos?! Quem sabe ele não tem uma frustração! Gostaria de ter sido um PhD, mas foi “apenas” um empresário…pode haver tanta nobreza na sua atividade! Quem sabe não estaria, inconscientemente, é claro, vingando-se dos seus professores e aplicando o mecanismo de defesa que Anna Freud chamou “Formação Reativa”: trocando a hostilidade original por uma aparência de excesso de cuidado!? Sim, pois, quem ficou desmoralizado nessa história? Os professores brasileiros, ou alguém duvida? Com um pedido de perdão, mas não posso deixar de mostrar alguns dos meus cacoetes de profissão.

No seguimento, o simpático apresentador, por vezes obrigado a representar um papel de “MUPPET” (bonecos que falam tudo o que se lhe coloca na frente), assinalou a tradição filantrópica dos milionários americanos. Curiosamente, são os mesmos que detestam pagar os impostos DEVIDOS à sociedade. Há para isso, aliás, uma explicação psicológica muito engenhosa, formulada por Eric Hobsbawm (“A Era das Revoluções”): o resgate da idéia pré-revolução francesa de que os seres humanos são desiguais por natureza.

“…o reconhecimento formal da desigualdade entre os homens que, como afirmou Henri Baudrillart no College de France em 1835, era um dos 3 pilares da sociedade humana, além dapropriedade e da herança. A própria CARIDADE, também foi também muito louvada entre os ricos que a fomentavam “contra o perigo da idéia da igualdade (proposto por “aqueles sonhadores que sustentam ter a natureza criado os homens com direitos iguais”). Há tanto a resgatar dos valores levantados pela maior de todas as Revoluções que a humanidade protagonizou!!

*Está em curso uma verdadeira campanha de difamação de tudo o que temos feito em EDUCAÇÃO, supostamente em sua defesa. Não passa um dia sequer sem um ataque na imprensa ao nosso ensino. A argumentação é quase esmagadora e todos têm um certo receio de contestar os métodos aplicados na sua avaliação. Aprendi a desconfiar desse tipo de campanha massiva na imprensa. Sei que ela costuma atender a interesses, digamos assim…inconfessáveis. Ao lado disso, nada se diz, por exemplo, do estrangulamento a que estão sendo submetidos os professores do Estado do Rio, cujo governo recebe apoio da rede citada, apesar das “grandes lições educacionais” contidas nos “guardanapos na cabeça”!

**Peço desculpas pela dureza dessas palavras. Foram escritas no calor da indignação. Fiz até tentativas de sua mudança, mas não consegui. Sei que cometi alguma injustiça, mas foram meus sentimentos mais verdadeiros.

4 Comments

  1. Preciso comentar digníssimo professor, só me falta fôlego pra expressar meus elogios a sua brilhante reparação aos comentários insignificantes desses ignóbeis…

  2. Obrigado, meu prezado Marcos. É bom saber que há leitores e pessoas como você .
    Virão mais 2 textos sobre o tema. Espero que você leia.

  3. Concordo com a brilhante explanação, mas faria um adendo: é fato que a formação educacional não brilha, em nenhum dos níveis de ensino, mas só cabe a nós mesmos nos criticarmos. Os americanos tem muito o que aprender: deveriam olhar antes para seus próprios umbigos. Evitariam muitos “incidentes” nacionais e internacionais.

  4. Há sim muito a melhorar, mas respeitando as individualidades e nossa cultura. Seguem mais dois artigos a respeito. Um grande abraço, Márcio

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