Arte e Cultura

OS INTELECTUAIS E A MÍDIA: NO VENTRE DA BALEIA?

(DE ONDE VEM A INSPIRAÇÃO?) 

Segundo uma crônica romana reportada por Michel de Montaigne (1533-92), um renomado artista, indagado quanto ao que era mais importante, a CULTURA ou o DINHEIRO, respondeu: “Deve ser o dinheiro, pois o que mais vejo são artistas e poetas batendo à porta dos ricos!”. Com o advento da grande mídia esse problema parece ter se agravado sensivelmente, uma vez que, além do dinheiro, a maior parte das pessoas—que têm algum talento ainda que medíocre—não mede esforços para aparecer nos seus veículos. É óbvio que poucos o admitirão, pois se nem se dão plenamente conta disso! É um fenômeno muito humano: desenvolver, com o tempo, uma sintonia “fina” em relação ao ambiente. Em alguns casos, essa sintonia é mesmo com “A Voz do Dono” (antigo símbolo da RCA que mostrava um cão uivando junto a um gramofone. Tão simbólico!)!

Terminamos “dirigidos”, sem o reparar, pelas imagens e mensagens que nos “bombardeiam” diariamente, desde a infância. Dessa forma, brota a conclusão: só tem valor o que está na mídia. Nesse ponto, a CULTURA—quando digna do nome e fruto de expressões regionais espontâneas—passa a correr sério risco. Para exemplificar, um acontecimento familiar: alguém compôs uma valsinha a ser cantada nos aniversários das crianças. Uma amiga da mãe, enquanto ouvia a canção, apreciando e muito admirada, perguntou do que se tratava. Quando soube que era uma composição “da casa”, disse: “AH..! Pensei que fosse música de verdade!”. Independentemente do valor da inspiração e realização, há de ser naquele tipo de expressão que se poderá encontrar o verdadeiro espírito da música. Nunca em “receitas de bolo” que apenas invertem a posição de versos nas “canções melosas” que inundam a mídia e super-mercados , com a finalidade de vender bacalhau, sabonetes e outras coisas.

Os grandes veículos de comunicação são muito maiores do que seus proprietários. Quem não perceber isso, vai começar a decair e definhar. Há neles alguns intelectuais cuja leitura é quase obrigatória a quem quer participar do debate dos maiores acontecimentos da época. Mas tenho a impressão de que, dentre esses, muito poucos são livres para pensar e dizer aquilo que pensam. Por isso, muitos, sem sequer o saber, vivem, como o Jonas bíblico: no Ventre da Baleia.

O que se passa com os artistas é ainda mais dramático. A lista dos que tiveram a vida destruída por uma carreira meteórica—de Carmen Miranda a MJackson, Amy e Huston—é infindável. A partir daí, as pessoas comuns, misturando inveja e admiração, concluem—e todos os esforços da mídia são nesse sentido— que “artistas são assim mesmo: uma gente diferente e esquisita”. Sem querer derrubar essa tese/crença, ela esconde um outro fator essencial: a maneira como os exploram, sugando suas energias até o fim. Depois disso, quando se tornam caricaturas do que um dia foram, expõem-nos ao ridículo, deixando-os cair pelos palcos. Até animais, nos circos, teriam maior proteção! Por fim, “raspam o fundo do tacho”, explorando até mesmo suas mortes trágicas. Agora, está na moda tentar esconder suicídios, como parece ter acontecido com a última citada. A questão essencial, entretanto, eles não conseguem esconder: AQUELAS VIDAS TINHAM TERMINADO, DEPOIS DE SUGADAS ATÉ O FIM. A morte era apenas um “cair de pano” de uma tragédia há muito encerrada.

Em outros tempos, Goethe associou o esforço pelo sucesso a qualquer custo à vaidade humana e à venda da própria alma ao diabo. Hoje, o “diabo” ganhou muito sócios além de um “glamour”  todo especial: os “rostos e vozes vendáveis” penetram em todos os lares quase que imediatamente. Nunca o “diabo” foi tão eficaz e competente em sua capacidade de manipular pessoas. É bom lembrar, ainda, que para cada um desses casos mais “midiáticos”, há inúmeras outras pequenas tragédias em todos os níveis. Outra crueldade, é a promoção do sucesso de uma pessoa, antes de seus talentos terem tempo para um mínimo de maturação. Quase todos logo se perdem.

Voltando aos intelectuais, o que dizer dos “Cadernos de Cultura”, “Prosa e Verso” e outros que enfeitam os jornais? São dominados por uma casta onde os “fidalgos” se adulam e elogiam mutuamente. Não há de ser disso que viverá uma cultura digna do nome! Alguns poderão até dizer: “Ele fala isso porque tem inveja! Gostaria de ter o mesmo sucesso. Andou escrevendo uns livros que ninguém lê…”. Terão, com certeza, alguma razão! Quem não quer ter sucesso e quem não precisa de reconhecimento? O problema maior é: o que estamos dispostos a dar em troca dos meios quase imprescindíveis para divulgação e sucesso?

Em minha defesa, tenho a dizer que: em 3 oportunidades muito diferentes, fui procurado pelo “FANTÁSTICO” para dar depoimentos sobre temas variados. Nenhuma das gravações, custosas e demoradas, foi ao ar. Em uma delas ocorreu algo muito significativo: a LIGHT cortara a luz de toda a UFRJ, inclusive de seus hospitais. Houve uma indignação e a produção do programa nos procurou. A repórter, gostando do que eu dissera, pediu para gravar. Quando o fiz, veio a ressalva: “Não é por sensacionalismo não, mas o senhor poderia dizer de maneira mais… mais…..”. Será que a ressalva mudaria um fato? Tudo o que ela queria era sensacionalismo mesmo! Depois de um esforço para recomeçar, travei e respondi (sem bravata): “O que eu podia fazer, já fiz!”. Não era aborrecimento ou coisa parecida. Apenas uma IMPOSSIBILIDADE VISCERAL, e eu as costumo respeitar: a mídia era totalmente impossível para mim. Pelo menos aquela que se me apresentou: como critério de valor e uma espécie de nobreza à espera de submissão e adulação*.

Essas duas características que identifiquei são mesmo perigosas, mas há uma outra muito pior, porque “simpática e adocicada”: um convite tácito para entrar na “turma” e, a partir daí, passar a ser tratado em todas as matérias como “gente boa”, “boa praça”; tornar-se um consultor; ter todas as suas produções elogiadas e assim por diante. RECONHEÇO HAVER QUEM SAIBA LIDAR COM ISSO MANTENDO AUTONOMIA E PRESTANDO SERVIÇOS À COMUNIDADE.

No que se refere aos artistas, essa adulação mútua é mortal para qualquer talento. Quantos grandes músicos, cuja obra seria suficiente para fazer um povo se orgulhar de sua própria cultura, estão hoje um tanto “à deriva”, sem encontrar sintonia com seu próprio povo e cultura! Cantaram por esse povo e por uma época. Hoje cantam apenas para uma “elite endinheirada”. É profundamente dramático e doloroso, mas é um fenômeno também a ser estudado e foi uma das razões desse texto.

DE ONDE VEM A INSPIRAÇÃO?

De uma centelha divina? Pode até ser, mas, além do talento (herdado e cultivado) e da extrema disciplina, tenho certeza de que ela passa sempre por falar por uma cultura e por um povo; ser um dos pontos altos de expressão dessa mesma cultura e desse povo. Se há uma centelha divina, há também um PROMETEU NÃO ACORRENTADO, transformando a voz do povo em algo quase (?) divino. O melhor exemplo que encontro, para tanto, é o de Gonzaguinha, músico que não se deixou adular pela mídia, nem quis parecer “bom moço”. Nunca um povo “cantou” tanto pela voz de um artista, como em sua canção “Acredito é na Rapaziada”. Contam-se ali mais de 20 expressões populares, sob a forma de belos versos. Impossível uma maior homenagem a um povo! Como há poesia na nossa maneira de falar! Quanta criatividade para inventar expressões sonoras, cheias de significado e esteticamente belas! É o que está dito ali!

Talvez tenha sido algo parecido o que sentiram Paulo C. Pinheiro e João Nogueira quando escreveram, sobre a surpresa da inspiração:

“…É…faz pensar, que existe uma força maior que nos guia/Que está no ar/…Chega a nos angustiar/E o poeta se deixa levar por essa magia/E um verso vem vindo e vem vindo uma melodia/ E o povo começa a cantar….”. Um dia me dei conta: talvez esse “o povo começa a cantar” não seja uma mera projeção de futuro, mas o povo começando a cantar dentro do poeta. No mínimo, essa “força maior que nos guia e que está no ar” ganharia uma dimensão mais humana.

Quanta voz deu Renato Teixeira a um caipira, que sequer sabia rezar (“Romaria”)!  Quanta voz deu Guimarães Rosa ao povo dos Sertões!

Sempre que percebo um artista, pergunto e procuro: “Por quem canta aquela voz”!

*É mais do que possível a existência de uma “mídia humilde”: aquela que aceita um papel secundário em relação à cultura e a criação artística. O problema está na própria noção de REDE (com todo o seu simbolismo) e a entronização do “deus lucro”. Qualquer estrutura muito grande intui ser um “gigante de pés de barro” e passa a fazer tudo em função da sua própria sobrevivência. Pelo menos a baleia engole as coisas inteiras e tanto Jonas quanto Gepetto foram regurgitados inteiros

1 Comment

  1. Se fizer o sacrifício de se popularizar mais, será pelo bem do povo, que não tem opções na mídia… Inveja, necessidade de mais reconhecimento, garanto que não tem…Expressa-se assim por humildade, Doutor!

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