Arte e Cultura

PODER POLÍTICO E HEGEMONIA: AFINAL, COMO SERIA?

(De Gramsci aos nossos dias…em jogo uma enorme batalha ideológica)

Márcio Amaral, vice-diretor-IPUB

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gramsciNas sociedades muito diferenciadas—aquelas que apresentam diversas classes (ou estamentos) sociais—todo poder político implica a conquista de alguma forma de HEGEMONIA. Esse conceito, por ele mesmo, implica a aglutinação de poderes menores—nem sempre bem separados em classes sociais como em outros tempos—em torno de um maior, por isso mesmo chamado HEGEMÔNICO. A rigor, saindo das condições muito primitivas, nas quais predominavam a produção agrícola e as oficinas, alguma forma de HEGEMONIA sempre foi aplicada no exercício do poder político. A novidade, entre nós, é a aproximação da conquista desse mesmo poder pelas tendências “de ESQUERDA” (não incluindo o PT dos últimos anos), e através do voto. Acostumadas ao falso dilema: PODER BURGUÊS ‘VS’ DITADURA DO PROLETARIADO, essa mesma esquerda parece incapaz de aprofundar a discussão e, com isso, dão farto material aos inimigos: a palavra DITADURA É SEMPRE EXECRÁVEL e não tem mais espaço. Além disso, viciados em falar mal daquilo que, pejorativamente, chamam CLASSE MÉDIA, as esquerdas se isolaram e têm sido, por isso mesmo, derrotadas seguidamente*.

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Curioso é que praticamente TODOS os membros dos partidos de esquerda têm origem na mesma…CLASSE MÉDIA. A rigor, continuamos todos sendo…classe média; exceto aqueles que se corromperam e enriqueceram, como tantos do PSDB e do PT que já foram de esquerda. Assim, cometemos um grave erro teórico quando confundimos CLASSE MÉDIA** com “PEQUENA BURGUESIA”. É sutil, mas a classe média é apenas…classe média, um conceito frio, baseado em números, sem qualquer “destino ideológico” (de aproximação com as classes dominantes; apenas tendências e oscilações). Já “pequena burguesia” implica uma afinidade ideológica com a burguesia e um objetivo de dela fazer parte a todo custo e risco; VOLTANDO-SE CONTRA O RESTANTE DA CLASSE MÉDIA…além dos proletários, é claro. Por isso são sim, NECESSARIAMENTE os principais adversários, pois sua influência ideológica é grande. É para eles que se dirigem as campanhas de “EMPREENDEDORISMOS”, etc. É nessa sede de enriquecer a todo custo que se apoia o poder do grande capital. A maioria “quebra a cara”, perdendo economias que escoam para o mesmo destino (os bancos), mas não aprendem nunca. Assim, deixemos de inventar inimigos! Já os temos em número suficiente. É em torno daquela mesma classe média que se trava a batalha IDEOLÓGICA decisiva no processo de conquista da HEGEMONIA. É a ela que as esquerdas precisam conquistar.

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PARTIDOS IMPLICAM LUTA DE CLASSES; GOVERNOS, NÃO!
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Voltando aos acadêmicos e seus estudos sobre a HEGEMONIA, como de hábito se esqueceram da vida…logo ali, à sua frente: não encontrei, até agora, uma discussão sobre o exercício do PODER EXECUTIVO nas sociedades modernas como o instrumento maior de aplicação dessa mesma…hegemonia***. Parece-me tão óbvio: todos esses cargos, em qualquer tipo de organização social, são os maiores instrumentos de exercício dessa HEGEMONIA. E ela somente se preservaria enquanto aquele grupo o exercesse em função de imensas maiorias, não ligadas a seus partidos. Disso decorre uma consequência obrigatória e aquela que mais polêmica há de gerar: esses cargos não devem ser usados para atiçar e instigar a LUTA DE CLASSES. Pelo contrário, todo o esforço daqueles que o exercem momentaneamente deve ser a CONQUISTA DE CONSENSOS, de maneira a ampliar mais e mais sua própria base de sustentação. Os PARTIDOS, sim, são instrumentos da LUTA DE CLASSES e devem continuar a sê-lo. Sua ascensão ao poder, entretanto, somente ocorrerá a partir do convencimento da sociedade (ou de grande parte dela) na sua capacidade de gerar mudanças que sejam de interesse coletivo, especialmente a partir da pressão político-ideológica.

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G-IIDecorre disso que a violência não deve ser estimulada e o poder NUNCA deve ser usado para golpear quem quer que seja…no sentido de artimanhas, é claro. O aguçamento das contradições e a ameaça de perda de privilégios deverá levar a tentativas de golpes de todos os tipos por parte daqueles que se sentem ameaçados. A luta ideológica é nosso terreno preferencial; violência…apenas recurso extremo para evitar maiores violências. Será a conduta desses adversários que poderá impor a necessidade de uso de meios mais ou menos coercitivos. Sempre com a expectativa de preservação de grandes e amplos consensos, em último caso e sem se antecipar. Não precisamos ter pressa. Nenhuma “vitória” deve interessar, caso não passe pelo convencimento de imensas maiorias e ameace HEGEMONIA conquistada. Nada é pior do que o desgaste ideológico. O poder se exerce não pela força vazia, mas através de HEGEMONIA e sobre amplas maiorias.

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Boa parte das esquerdas não conseguiu, até hoje, abandonar o conceito de “DITADURA DO PROLETARIADO”. O medo de ferir (ou derrubar) ícones é tão grande que ficam como que escravizados à HISTÓRIA. Se há um xingamento horrível, entre os envolvidos com a luta ANTICAPITALISTA, é o de “revisionista”. De minha parte, também detesto “revisionismos”, pois ninguém tem o direito sequer de tentar “rever” obras e conceitos de outros. Trata-se de uma desonestidade intelectual. Dar uma passo adiante, SIM; atirar a lança um pouco mais à frente…É O OBJETIVO; tomar os exemplos e métodos de investigação daqueles que mais respeitamos…SEM DÚVIDA. Estou convencido até de que o maior respeito que podemos demonstrar aos grandes pensadores do passado seria o não ficar a eles preso; encontrar novos caminhos aplicando a mesma independência e criatividade que eles mesmos aplicaram. Estar à sua altura implica refletir de maneira autônoma: “Zaratustra era um profeta muito diferente! Ele não gostava que acreditassem muito nele...”. A “ditadura do proletariado” entrou para a HISTÓRIA e lá deverá permanecer.

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*Acostumaram-se tanto à OPOSIÇÃO que temem o poder. No mínimo, pode haver uma certa acomodação nesse papel, pois não exercitaram muito qualquer tipo de ADMINISTRAÇÃO (condomínio, por exemplo). COMO EXERCER PODER SEM ADMINISTRAR? Somente assim se criam condições de melhorar a vida das pessoas.

**Ninguém disse tantas besteiras em relação à classe média quanto Marilena Chauí; especialmente em um grande encontro do PT, sob gargalhadas de Lula e outros. E como seus inimigos aproveitaram! Já FHC, antes de se desmoralizar totalmente com o GOLPE, era o teórico adulador da classe média. O PT, aliás, só chegou ao poder porque conquistou a confiança da mesma…classe média.

***E a limitação certamente não é minha. O assunto é tão candente que eles teriam a obrigação de discuti-lo. Talvez não o façam pelo medo de serem taxados de “revisionistas, etc.

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