Arte e Cultura

SAPUCAÍ: A FÓRMULA 1 DERROTOU O CARNAVAL!

uilha01(…E os “50 tons de Cinza” da INDÚSTRIA sujaram todos os dias de MOMO!)

Márcio Amaral

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Nos desfiles de Escolas de Samba—assim como no julgamento das marchinhas de carnaval—o que mais me interessa sempre é a intensidade de seu LIRISMO. Há muitos outros critérios, principalmente de natureza estética, que podem e devem ser utilizados nesse julgamento, mas, segundo penso, todos deveriam existir em função da procura pelo lirismo como a principal referência. Sem ele, tudo há de se reduzir a mera tecnologia, espalhafato e interesse financeiro e/ou de poder. A natureza do próprio carnaval implica a entrada em um estado mais elevado de alma à procura do lirismo. Sem várias pessoas nesse estado lírico, como alcançar o enorme congraçamento das ruas? Como sorririam as pessoas de maneira tão aberta e generosa? Mas esse estado também gera uma certa ingenuidade desarmada da qual muitos se aproveitam.

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No outro extremo, há os que descambam para o erotismo grosseiro, terminando por matar as próprias iniciativas que, um dia, se disseram carnavalescas: “grandes bailes de sociedades” e outros. Pois bem! Se há alguma atividade humana na qual não consigo identificar qualquer ponta de lirismo, são as corridas de automóvel: “vrrrruon…vrrruon…/Pode haver poesia nesse som?“.

Se alguém tem alguma dúvida a respeito, basta lembrar: os momentos em que despertam “maior interesse” são exatamente os associados aos desastres e tragédias. É…as mentes mais grosseiras (do ponto de vista do lirismo e do gosto) não são mesmo dadas a sutilezas e precisam desse tipo de estímulo proporcionalmente grosseiro para encontrar algum prazer nas coisas. Que lirismo pode haver em uma atividade na qual tudo é pensado em função da velocidade, da pressão do tempo, do estresse e do dinheiro? Pouca gente sabe, mas se os pilotos sempre param para abastecer, nunca param para ir ao banheiro. Dizem que, com alguma frequência, defecam e urinam nas próprias roupas! Tudo tão anti-humano! Foi essa coisa que invadiu e derrotou o carnaval.

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Naquele ambiente, Airton Senna era uma espécie de “janela para o lirismo ingênuo e trágico”. Por isso mesmo, chegou a ser acusado de “afeminado” ou de “não gostar de mulher”…Ah! Os homens invejosos e incapazes de captar e aceitar sua diferenciação intelectual, lírica e de valores…*! Talvez tenha sido daí, desse refinamento (além da certeza de estar defendendo o nome do Brasil e de nosso povo), que retirou energia e capacidade para chegar ao que chegou. Sem falar na destreza, honestidade e determinação! Nunca, naquele meio, alguém fora tão amado pela gente mais simples de um povo como o foi Airton. Sua morte?! Uma comoção popular, tão verdadeira que não deixou ninguém indiferente. Muito significativamente, depois desse evento trágico, a própriaFórmula 1 entrou em uma espécie de espiral descendente da qual nenhum dos esforços e investimentos a tem conseguido retirar. O desfile apresentado pela Unidos da Tijuca representou apenas mais uma tentativa das grandes corporações** de usar a imagem de Senna para tentar salvá-la. Ficou o sentimento: foi mais um desfile promocional, e com  julgamento de “cartas marcadas”. PERDEU O CARNAVAL!

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Há mesmo muita coisa a ser estudada no fenômeno Senna. Um dado sobre o qual não ouvi comentários, e que desapareceu das discussões logo depois de anunciado, foi que, nas semanas que se seguiram à sua morte, houve uma expressiva queda nos acidentes de automóvel nas estradas brasileiras e, em consequência, do número de mortos e feridos (NOTA: deixo a verificação do dado àqueles mais versados em procuras e investigações na Internet. Fazer registros desses dados muito dramáticos na memória é já uma tarefa enorme. Ela não me tem falhado). Era mesmo um dado de espantar e ameaçar a própria F1! Se alguém tem dificuldade para acreditar nesse “Efeito F1”, basta que se lembre do quanto somos (pela própria natureza) imitadores e, para isso, dotados de “neurônios-espelho”. Adicione o fato daquele “efeito” ser especialmente marcante em rapazes jovens (a pop. mais sujeita a esse tipo de acidente) e o quadro estará formado de maneira muito convincente. Fiquei imaginando o que o próprio A. Senna pensaria desses dados (a serem comprovados, admito)!

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Quem muito brincou na ruas (quase sem carro), rodando até mesmo em CIRANDAS, sabe do efeito terrível que esses monstros de quatro rodas causaram nas nossas ruas: “Roda na rua/a roda do carro/roda na rua a roda das danças/…Na roda da rua/rodavam crianças./O carro, na rua.”…o carro na rua…o carro na rua… (Cecília: “Roda na Rua”, “Ou Isto ou Aquilo”). Houve um tempo em que jogávamos futebol, vôlei, bandeirinha, taco, e tantas outras coisas…NA RUA. Apenas parávamos, de vez em quando, para a passagem de um ou outro carro e pessoas. PARA A BOLA!Gritava alguém, e todos ficavam imóveis nas posições em que estavam! Tanta poesia! Como meninos, também gostávamos de velocidade: “…Vão cegos de velocidade:/mesmo que quebrem o nariz/que grande felicidade!/Ser veloz é ser feliz/Ah! se pudessem ser anjos/de longas asas!/Mas são apenas marmanjos.” (“Para Ir À Lua”, IDEM). Por vezes penso que esses adultos amantes da velocidade são apenas marmanjos que não se expuseram e correram certos riscos na infância! Estariam correndo atrás de um tempo perdido? Como os nobres de antanho, em relação aos seus cavalos, sentem como se a força e a potência dos “cavalos vapor” a eles pertencesse?

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sena2Voltando à Sapucaí, houve tantas coisas estranhas na atribuição das notas que todo o julgamento está sob suspeição. Que a V. Isabel, depois de tantos percalços e gente desfilando de cuecas, conseguisse várias notas 10 em quesitos relacionados, gerou a impressão de que as notas já estavam preenchidas antes do desfile. Foi até um tanto cínico e debochado. De julgamentos femininos, ouvi a unanimidade: U. da Ilha foi a melhor. Mas o pior requinte de crueldade (no julgamento) foi a atribuição do último lugar à Império da Tijuca. Seu desfile, samba, animação, fantasias…estavam muito bons e contagiaram as arquibancadas. Isso me levou a uma desconfiança que, confesso, até eu mesmo considerei se dever a “teoria da conspiração”. Não espero por concordâncias, mas preciso registrar. Haveria uma determinação prévia em retirá-la do primeiro grupo por parte dos que ocuparam a Sapucaí em função de seus interesses empresariais e comerciais? Como é comum nesse meio, os mais poderosos não admitem “confusões entre marcas”. A marca “TIJUCA” já tem dono: as grandes corporações que se apoderaram da UNIDOS e a usam para divulgar suas marcas. IMPÉRIO? Só aceitam o deles mesmo! UNIDOS “vs” IMPÉRIO, gera muita confusão. Que a Império da Tijuca passe a se chamar:“UNIDOS do Sem Nome”. Lembram-se do sorvete “ÉBOM” que virou “Sem Nome” por determinação judicial obtida pela Kibon? Talvez a salvação da Escola de Samba venha da inversão dos fonemas (já usado em outras situações): IMPÉRIO CAJUTI. Fui longe demais? Talvez! Mas quando se trata de dinheiro (Capital, em verdade) a lama é limite***. O futuro dirá.

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Diante de tudo isso, quem pode duvidar de que nosso carnaval está correndo sérios riscos de descaracterização? Como disse no texto anterior, essa gente parece Midas: tudo o que tocam se transforma em ouro, sujeira e…cinzas. Onde impera o dinheiro, não sobra espaço para o lirismo. E, sem lirismo, lá se vai o carnaval. Um dia, sob desculpas aparentemente elevadas, o Império Católico expulsou todos os outros deuses da Europa, empobrecendo sua cultura (especialmente em Portugal). Depois, invadiu todos os continentes tentando “matar” também os deuses que ainda resistiam e davam sustentação às diversas culturas. O que a força das armas não conseguiu, a indústria e o Capital—com seus “50 tons de cinza”—vem fazendo há pelo menos 2 séculos. Quando disseram que o Rio era a “bola da vez” (quem conhece a origem da expressão sabe de sua relação com a destruição) estavam confessando sua intenção predatória, embora travestida de “desenvolvimento e maior expressão mundial”. Quando, então, o Secretário de Cultura do Rio anunciou que tomaria a muito inglesa “Economia Criativa” como referência para sua gestão, estava declarada uma guerra à cultura carioca e brasileira em geral (ver texto neste blog).

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H. Heine (1797-1856)
H. Heine (1797-1856)

Por volta de 1850, o poeta e jornalista Heinrich Heine (judeu alemão e amigo de K. Marx) escreveu um longo texto (de difícil classificação) denominado “OS DEUSES NO EXÍLIO”. Os deuses gregos estariam vivendo, disfarçados e escondidos, entre os europeus. Chegando a uma ilha misteriosa, encontrou uma bacanal promovida por Dionísio. Procurou o Abade da igreja mais próxima e encontrou o mesmo Dionísio sob suas vestes. A canção que aí vai foi inspirada por Heine, e quando ainda me sentia envolvido pelos desfiles da Sapucaí. Sua primeira estrofe terminava assim:“Mas, ressurgem hoje, agora e aqui/Com a força da arte e inspiração/Dos semideuses da Sapucai…”. Modifiquei-a um pouco, conforme se poderá ouvir. Não estou mais confiando no que se passa naquela avenida no domingo e segunda de carnaval.  Acostumei-me a olhar para alguns dos nossos artistas anônimos, especialmente quando vão além deles mesmos na Sapucaí (o“Übermench Nietzschiano”), como um tipo de semideus. Um dia, haverão de criar uma Comissão de Frente com surdo-mudos, ligados à vibração de um outro surdo e “cantando” nas suas muito expressivas LIBRAS, as letras dos sambas. Hoje, as Cinzas do capitalismo mais selvagem—cujo compromisso é somente sua própria expansão—invadiram todos os dias de carnaval. Do ponto de vista da afirmação cultural, estou convencido de que os destinos do mundo estão passando por aqui. Não decepcionaremos!

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*Um outro indicador, aliás, dessa falta de lirismo encontra-se no fato de se tratar de atividade eminentemente masculina, no pior sentido que pode ter a palavra. Ali, as mulheres entram apenas e da mesma forma como entram nos calendários de oficinas.

**Em 2011, foi o Salgueiro a se vender para a FOX. Entre outras coisas, cometeu o quase sacrilégio de vestir sua bateria com a roupa do BOPE. Naquela noite, os “Deuses do Carnaval” estavam bem despertos e deu tudo errado. Atravessaram um KING-KONG na Avenida, bloqueando a escola e ela quase foi rebaixada.

***Que não há autolimitação para esse tipo de sujeira, atesta-o a distribuição gratuita de “cerveja ambévica” na área de desembarque do Aer. S Dumont. Funcionou como uma espécie de “marcação de gado”. Decididamente, a AMBEV (ou IMBEV, dou uma pela outra e não quero troco) ocupou nosso carnaval. O que pensam da indução ao alcoolismo, ainda pela manhã, em pessoas que poderiam estar indo dirigir, por exemplo? Se fossem parados, a polícia talvez encontrasse cervejas espalhadas no carro. Houve controle da idade de quem apanhava a cerveja? E os idosos, diabéticos e outros muito susceptíveis à indução e à facilidade? E a impressão causada nos estrangeiros de que por aqui vale tudo? APENAS MAIS UMA VERGONHA PARA AS AUTORIDADES DO RIO DE JANEIRO!

OS DEUSES NO EXÍLIO
(Brasil de todos os deuses e culturas)
Márcio Amaral
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Vi…Eu vi meu filho
Uma procissão de deuses no exílio!
Vi….a dança ser pecado
E o riso…amaldiçoado (mas)
Revivem agora e aqui de novo
Pela força da arte e a inspiração
Dos semi-deuses que vivem em nosso povo!
EU VI….
Vi… Atena se esconder!
Vi…Dionísio esvanecer!
Vi até mesmo Apolo se curvar
Sob o peso da palavra e o poder
Do homem que mais nos soube amar!
PORÉM!
Porém, muita gente se esqueceu
De que todos os deuses são sagrados…
Sagrados, pois temidos e amados.
E bem melhor que vencedor e derrotados
É tê-los todos sempre do seu lado
(REFRÃO)
Voa, voa Orixá
Vem com a força da maré!
Desce aqui nos inspirar
De mãos dadas com o pajé!
Faz crescer, meu Orixá
Em todo homem a nossa fé!
Vem no meu corpo baixar
Por coração, cabeça e pé!
(REPETIR)
EU VI……….!

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