Temas e Controvérsias

SUICÍDIO-COREIA: O PREÇO DO “DESENVOLVIMENTO”

(O "Tigre" do CAPITAL devorando uma juventude e sua cultura)

“According to Statistics Korea (South), the nation’s suicide rate has more than tripled since 1992…”. (Segundo dados oficiais coreanos, as taxas nacionais para o suicídio mais do que triplicaram desde 1992). (OCDE Fact book 2013)

275897 papel de parede tigre de boca aberta 1600x1200Quando, para que obtenhamos dados mais confiáveis acerca das taxas de suicídio em um país qualquer, precisamos recorrer a publicações de interesse primordialmente econômico, em vez dos dados divulgados pela OMS (WHO), algo de muito estranho deve estar acontecendo nas práticas dessa última instituição, outrora tão respeitada. Sim, a OCDE (Org. para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) está muito preocupada com o fenômeno do suicídio na Coreia do Sul. Seus responsáveis, que tanto têm elogiado o sistema educacional coreano e sua formação de “mão de obra”, devem estar se questionando e descobrindo que seres humanos não são “robots”. A decisão pelo autoextermínio é a última afirmação de um ser humano em desespero! Não a melhor, certamente. Mas a única que alguns sentem (sequer pensam nisso com clareza) como possível, diante de um conjunto de valores que mascara a pior das perversões anti-humanas sob o disfarce da virtude. Como que aprisionados (inclusive intelectualmente); incapazes de fazer uma crítica (salvadora nesses casos); impotentes para derrubar os valores apresentados por seus pais e mestres (eles mesmos também “prisioneiros”), a “saída” encontrada por muitos estudantes (e outros) tem sido uma janela; o cano de uma arma ou uma corda. Quem os poderá ajudar, quando até a OMS parece empenhada em levantar “cortinas de fumaça” sobre o problema?

“Eu posso decidir se vivo ou morro, porque/Porque sou vivo e vivo prá cachorro/ E sei que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro/Em meu caminho inevitável para a morte…”. G. Gil,  

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“The OCDE report for 2011 showed that the rate of suicide im Korea was 33.3/100000, not only the highest among members but nearly triple the average: 12.4.(The Korea Times, 21/11/2013, jakenho@koreatimes.co.kr

(As taxas coreanas para o suicídio são, não somente as mais altas entre os seus membros, como chegam a quase o triplo da sua média)

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Coreanos
“O descaso com os jovens coreanos, e a passividade com que eles esperaram pela morte no naufrágio são fruto do mesmo processo de desumanização.”

Aquilo que não se poderia cobrar da OCDE (mas certamente de uma Org. Mundial de Saúde digna do nome e de pesquisadores sérios), seria a feitura do paralelo quase perfeito entre a subida daquelas taxas e o “boom” econômico ocorrido no país no mesmo período. Afinal, a Coreia tem sido a “menina dos olhos” do grande capital; a maior vitrine para demonstrar a superioridade do modelo de produção capitalista. Além disso, seu sistema educacional tem sido apresentado como modelo para todo o mundo: uma espécie de “fórmula para a riqueza rápida”. Só se esqueceram de avisar àquele povo (especialmente aos seus jovens), o preço a pagar por se tornar o mais poderoso dos “TIGRES ASIÁTICOS”: uma goela terrível ficaria aberta por todo tempo, pronta a devorar todos aqueles que “não se comportassem bem”… do ponto de vista do interesse do CAPITAL, é claro.

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WHO  MAIS PREOCUPADA COM O SUICÍDIO NA COREIA….DO NORTE!

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Diante desses dados, qualquer instituição (ou mesmo estudioso, individualmente) séria saberia estar diante de algo muito grave e que necessitaria um estudo muito aprofundado de maneira a retirar ensinamentos daquela tragédia nacional. E o que fez a WHO a respeito? Basta procurar suas publicações mais recentes sobre o suicídio na península coreana. Toda a sua ênfase é dada em taxas que seriam mais altas na Coreia….do Norte. Mais surpreendente do que isso, foi o estabelecimento que fez do número exato de suicídios ocorridos lá em 2012: 9790 (“Preventing Suicide: A Global Imperative”, WHO, 2014). É, efetivamente, um prodígio a ser cantado em prosa e verso a capacidade dos prestidigitadores que assessoram a WHO! Pois se todos os órgãos de comunicação, sem exceção, estão sempre afirmando a quase total impermeabilidade daquele país para que se obtenham dados minimamente confiáveis a respeito de qualquer coisa! A situação é tão grave, que há verdadeira comemoração (e comoção, pois são sempre de natureza dramática) quando da obtenção de algum dado mais confiável de lá. Nem em relação às suas possíveis bombas atômicas pode-se ter alguma certeza! Mas em relação ao número de pessoas que se matam…quanta precisão! Não vou dizer “Fala Sério!”, pois o assunto já é sério demais. A WHO precisa apresentar à OTAN e à CIA os seus espiões: são competentes demais.

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Mas eles foram ainda mais longe, ousando “chafurdar no solo pantanoso” dos dados não confiáveis. Fizeram duas afirmações, no mínimo, digamos assim, pouco responsáveis:

1- A Península seria  “…one of the most suicidal regions in the world…”. A intenção da sutil sentença—já afirmada e desmentida em outras oportunidades—seria transmitir a crença na existência de algo “especial e diferente” naquele povo, fazendo com que as pessoas tendam a se matar, INDEPENDENTEMENTE DO REGIME OU DAS CONDIÇÕES DE VIDA. Essa afirmação DEFINITIVAMENTE não se sustenta: “…Se há algo surpreendente a respeito do suicídio na Coreia é que as suas taxas eram muito baixas quando o país começou a se desenvolver economicamente, nos anos 1980 (6.6/100000)…Há não muito tempo (1995) suas taxas eram de 10.8/100000….  (“…if there was anything surprising about Korea’s suicide trends, it was that the rate of suicide was extremely low as the country developed economically in the 1980s…As recently as 1995, Korea’s suicide rate was 10.8 per 100,000…”*). Os próprios coreanos encarregaram-se de desmentir aquelas sugestões quanto à existência de uma “genética coreana para o suicídio”: “…the suicide rate was less than one quarter of the present day’s. It makes even less sense to blame genetics, as Korean people’s genetics could not have changed in just less than 30 years”. (“…as taxas de suicídio eram ¼ das atuais. Faz menos sentido ainda acusar a genética do povo coreano por isso. Sua genética não poderia ter mudado em 30 anos”, “Suicide in Korea Series: III”: ASK A KOREAN, AAK POLICIES, jan 18, 2012).

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2- Haveria, ao norte da península, uma relação de suicídios de 1×1 segundo os gêneros, o que seria algo muito surpreendente e digno de estudos aprofundados. No ocidente (e mesmo no mundo todo), a maior proximidade entre os números para homens e mulheres encontra-se na Dinamarca, onde a proporção de mulheres que se matam seria de dois homens para cada mulher.

3- Por fim, não perderam (é claro) a oportunidade de supor as dificuldades financeiras e as restrições aos movimentos (liberdade de ir e vir) como principais motivos para o suicídio na Coreia do Norte: “Analysts say North Koreans may be driven to suicide by poverty, and the psychological stress of living in a restrictive environment”. Pouco honesto é que tenham escapado da discussão das consequências obrigatória da hipótese: por que, então, as taxas na Coreia do Sul se elevaram em vez de cair, na medida em que melhoravam suas condições econômico financeiras? E o que falar da sua aparente grande liberdade? Como também não podia deixar de ser, há ali uma nota quanto à possível  perseguição de gays e lésbicas como fator para o suicídio, embora também não citem fontes confiáveis. Aliás, as expressões “segundo especialistas”  e “dizem alguns analistas” têm funcionado (especialmente na GMídia e para quem é mais crítico, pelo menos) como uma espécie de “senha para a enrolação/manipulação”.

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WHO IGNORES DURKHEIM …NÃO PODE SER CONFIÁVEL!

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Images
Prefeitura do Rio tentando copiar o modelo coreano de ensino. O esforço faz parte do tal “TODOS PELA EDUCAÇÃO”…ou “PELA COISIFICAÇÃO”, melhor dizendo. Nosso espírito indomável resistirá.

Quem conhece a obra de E. Durkheim, sabe muito bem (e isso foi verificado várias vezes no curso da história) que a elevação da renda “per capta” em uma região costuma ser acompanhada da elevação das suas taxas de suicídio. Fato ainda mais marcante quando as mudanças são muito bruscas, como na Coreia do Sul. É dele o conceito de ANOMIA: perda, mais ou menos rápida (descoberta e exploração de petróleo, como em ALBERTA, CA, em meados do séc. XX), das redes sócio/culturais de apoio. Mas o que mais causa espanto é a desonestidade intelectual de nossos colegas responsáveis pela produção e divulgação daqueles “dados WHO”**. Está certo: Durkheim não é nenhum tabu e seus achados devem mesmo ser discutidos à luz dos acontecimentos atuais. Podem ser submetidos a qualquer ação, MENOS SER IGNORADOS. Nossos colegas, que vivem nas “SOMBRAS WHO”, agem como se ele e seu trabalho nunca tivessem existido. São os fantasmas tentando transformar Durkheim em um fantasma. Ele sempre volta para assombrar as mentes pouco honestas. Por serem incapazes de o contestar, tentam fazer com que ele desapareça. Isso é o que se pode chamar a HEGEMONIA DO SILÊNCIO E DA DESONESTIDADE. A partir daí, o que lhes restaria mesmo seria ficar girando em torno de “CURIOSIDADES SOBRE O SUICÍDIO”: “Você sabia que ocorre, no mundo, 1 suicídio a cada 40s?”.

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Diante de tudo isso, confesso que comecei a desacreditar até dos dados sobre a evolução recente das taxas de suicídio no ocidente, inclusive naqueles países onde elas sempre foram tradicionalmente investigadas muito ativamente. Nem mesmo os dados apontando, por exemplo, um importante recuo das taxas suecas na última década (de mais de 20, para 16/100000/ano) têm mais minha confiança. Uma campanha, como essa movida pela WHO, deixando à mostra a intenção específica de demonstrar que os países pobres têm taxas mais elevadas, acaba por influenciar até mesmo pesquisadores que se julgam sérios***. Sei também que os suecos não gostam nada da sua tradicional associação com o suicídio. Nesse caso, bastaria que tivessem parado, por exemplo, de aplicar a AUTÓPSIA PSICOLÓGICA (ou psicossocial: investigação ativa das últimas semanas dos falecidos em situações duvidosas) para que aqueles números caíssem substancialmente. Não seria uma atitude propriamente condenável, apenas uma mudança de critério. MAS ISSO PRECISARIA TER SIDO ANUNCIADO PUBLICAMENTE. Efetivamente, a aplicação apenas regional daquele instrumento é um fator de distorção na comparação, uma vez que alguns países não a aplicam. Por isso, gostaria muito de poder investigar um outro possível paralelismo: teria havido uma elevação, nesses países que tiveram diminuição de suas taxas, do número de mortes suspeitas e de investigação inconclusiva? Seria um bom indicador para a possível mudança de método.

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*Os autores fazem uma associação dessa elevação também com a crise financeira que atingiu a região em 1995. Um pouco mais de senso histórico demonstraria serem apenas duas faces da mesma moeda. Durante o período de euforia, as pessoas ferem seus valores culturais e mesmo morais. “Estourada a bolha” e estabelecidas certas verdades: casas hipotecadas, dívidas impagáveis…a morte espreita logo ali.

**Sem querer fazer mais trocadilhos, chama atenção ainda a total IMPESSOALIDADE daqueles estudos. Quem os assina? “WHO signs it”? Ninguém! Quer dizer: “MISTER WHO” ou então “MISTER QUEM”!

***Por que fazem tanto silêncio, por exemplo, em relação às assustadoras taxas verificadas na Groenlândia nas últimas décadas (mais de 80/100000/ano), especialmente a partir da implantação por lá do “Estado de Bem Estar Social” pelo governo da Dinamarca? As “boas intenções” desestruturaram o modo de vida Inuit, levando especialmente sua juventude, ao vazio do não pertencimento: nem ao modo de vida dito ocidental, nem à cultura de seus pais. Não se mexe nessas coisa de forma abrupta impunemente. A conta, entretanto, é sempre paga pelos mais fracos.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

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