Arte e Cultura

UM REQUIEN PARA A U. EUROPÉIA?!

(ALIMENTANDO A “LARVA DA VESPA”)

Márcio Amaral

A peça musical mais associada aos bons tempos da UE é a “ODE À ALEGRIA” de Beethoven, sobre versos de Schiller*. Os versos iniciais, entretanto, cantados por um barítono, são do próprio Beethoven: “Ô Freunde! Nicht diese Töne” (“OH! Meus Amigos! Não esses tons!”). Talvez todo o mundo ideal—e um amor à humanidade por demais abstrato—“inventado” por Schiller nunca aconteça. As palavras bem diretas e muito humanas de Beethoven, entretanto, estão ainda lá a brilhar por sobre a Europa como uma advertência terrível: “NÃO ESSES TONS”.

Estava a Europa entregue a uma das marés mais conservadoras de sua história (década de 1820), após a derrota de Napoleão, e a nobreza retomava seus antigos lugares. Beethoven, que já louvara o início do “fenômeno-Napoleão” (e fora também o primeiro a condená-lo quando se tornou Imperador), mais uma vez tentava elevar os espíritos de seus irmãos europeus. Nunca lhe deram muitos ouvidos!!! Ele certamente poderia continuar dizendo—quase duzentos anos depois—aos seus conterrâneos: “O pior surdo é o que não quer ouvir!”. Hoje, para ilustrar a desilusão que tomou conta da Europa, talvez seja necessário um Requien.

De um Procurador do Estado, cuja família sofreu quase todos os abusos possíveis por parte dos antissemitas europeus, ouvi uma advertência também terrível: “A Europa e seus ódios milenares!”. Talvez ele intuísse que todo o horror de milênios—que fora apenas “concentrado” em algumas décadas—não se dissiparia facilmente, somente por discursos e fogos de artifício.

Por que esses velhos tons teimam em retornar? Eu tenho uma hipótese: porque, mais uma vez, a pretensa “União” começou a servir a um jogo GEOPOLÍTICO, palavra que deveria se tornar um palavrão aos ouvidos de todas as pessoas interessadas na paz entre os povos. É nesse ponto que os velhos tons retornam na plenitude: “estamos juntos por que interessa ao meu projeto de poder—para confrontar outros blocos de poder—ter mais e mais países na minha dependência” (da França e Alemanha, principalmente). No momento em que esse modelo começa se mostrar desinteressante, do ponto de vista numérico (PIB, etc.): “Esqueçam-se das pessoas e quebrem-se todos os Tratados!”. Mas, se é nas situações de crise que a têmpera de qualquer sociedade é colocada à prova!! A UE não está resistindo à sua primeira cri se. Todos os seus monstros mal sepultados afloraram das catacumbas.

E o grande problema, mais uma vez, é a INDÚSTRIA**. Pobre das pessoas e nações que acreditaram haver o mundo entrado em uma era pós-industrial! Mas, se foram os próprios detentores da grande indústria os propagadores dessa falácia. Com que interesse? Transferir suas indústrias para regiões onde a exploração da mão de obra não tinha limites: a China, por ex. Assim, levaram à decadência inúmeras cidades norte-americanas. Não falemos mais de “IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO”. O imperialismo moderno não gosta de nenhuma nação e de nenhum povo. O povo só é bom na hora de fornecer seu couro em guerras. Tudo o que querem é acabar com essa odiada tríade: povo, nação e cultura. Seu sonho é transformar o mundo em uma imensa Singapura, uma espécie de laboratório para o “capitalismo do futuro”, se é que ele tem futuro. Aquele velho e utópico sonho do fim das nações e das fronteiras voltou-se contra os povos. As grandes corporações, especialmente os bancos, deram a ele a mais perversa de todas as versões.

Na Europa, com a queda das barrreiras alfandegárias, a Alemanha simplesmente conquistou enormes fatias dos mercados de seus vizinhos, quebrando suas indústrias e destruindo seus empregos. É da índole da tão desumana e desumanizadora indústria! O que fez o “gélido W. Shäulbe” (Min. alemão das Finanças) quando da eclosão da crise em 2008? Convenceu os sindicatos a aceitar uma baixa dos salários para “elevar a competitividade alemã”. Contra quem? Contra os outros países europeus. Tudo normal e razoável, se não estivesse se valendo muito perversamente da mal denominada “UNIÃO…”.

A relação da Alemanha, hoje, com o restante da Europa mais se parece com a exploração que a vespa faz da aranha: atordoa-a, fazendo-a entrar em vida vegetativa e deposita um ovo em seu dorso. Com o tempo, sua larva eclode e se alimenta da carne da aranha que morre somente depois que a larva se desenvolveu. “Deutchland Über Alles!”. Foi esse o dado que me convenceu estar a UE necessitando de um Requien. A questão hoje não se refere mais ao “Ovo da Serpente”—do filme, antecipando o nazismo—mas à “LARVA DA VESPA”. O problema para a Alemanha, ao contrário da vespa, é que ela está grudada com seu “hospedeiro”.

E o nosso Brasil na nossa bela A. do Sul? Será que estamos condenados a desenvolver, nas relações com nossos vizinhos, o mesmo espírito baseado em GEOPOLÍTICA (essa brincadeira de meninos grandes e amantes dos jogos de guerra)? Tenho a impressão de que não. Não é por acaso que temos sido identificados como mensageiros da paz por todos os povos que de nós têm precisado. Até por índole, diversidade e alegria includente, gostamos e nos sentimos à vontade exercendo o papel da “TURMA DO DEIXA DISSO!”.

*A mão de HV. Karajan—velho simpatizante do nazismo—em um arranjo desnecessário para a peça, não prenunciava bom augúrio. Beethoven não merecia isso.

**As Guerras Mundiais são “filhas da indústria“. Foi ela que, por sua necessidade fatal de expansão e conquista de novos mercados, levou todos os imperialismos a se entrechocarem: “A corrente da indústria humana flui para fertilizar o mundo todo. Deste esgoto imundo jorra ouro puro….aqui a humanidade faz milagres e o homem civilizado torna-se quase um selvagem” (Toqueville, 1835, falando a respeito de Manchester). É concebível uma vida sem a indústria? Como humanizá-la? A única vantagem da ERA NUCLEAR foi acabar com toda a possibilidade de outras “guerras mundiais”.

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