Arte e Cultura

VANGUARDAS-III: RAZÕES DE ESTADO (CULTURA, POVO, NAÇÃO) “VERSUS” DE GOVERNO!

“HAY GOBIERNO…? SOY CONTRA, PERO…….!”

Márcio Amaral

………..

“…Brasil amado não porque seja minha pátria,

Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der…

Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso…”

M. de Andrade “O Poeta Come Amendoim”

Não há, nos dias que correm, questão mais atual e premente do que tornar mais clara a distinção que existe entre os INTERESSES DE ESTADO “versus” DE GOVERNO, uma vez que o partido no poder (assim como todos, em maior ou menor intensidade) teima em identificar TODOS os interesses do Estado/povo com as suas próprias políticas. Dessa forma, vem tentando restringir os poderes investigativos do MP e quer simplesmente acabar com a AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. Recentemente, diante do relato de mais uma “atitude retro-escavadeira” do governo na imposição do “bônus-PROVAB” contra a RMéd, soube de uma reação espontânea e visceral da platéia diante de um voto de ressitência que foi ovacionado. Imediatamente me veio o desejo de cantar o Hino Nacional e pensei: reservemos os hinos nacionais para quando de uma afirmação plena de valores de uma nação (povo, cultura), nunca apenas para expressões de interesses de governos. Talvez por isso eu nunca tenha me sentido atraído por governos.

….

Em verdade, dei-me conta de que tenho uma certa aversão a estar à frente de qualquer poder formal. Fui membro de várias direções (poucas vezes o diretor) e percebi que meu papel tendia a ser (mesmo quando “dentro do poder”) o de um “contra-poder” no seio do poder. Toda direção de alguma coisa (ou governo) torna-se como que um organismo quase isolado, desenvolvendo certas práticas para sua própria sobrevivência, expansão e perpetuação, independente do universo que deveria representar. Por isso, todos começam a praticar os seus mistérios (não necessariamente corruptos) para com os “de fora”. Foi isso o que sempre evitei e mesmo estando próximo a alguns poderes, percebia que muitas “informações orgânicas” eram-me sonegadas. Curiosa situação, não!? Quando ouvi do jornalista Washington Novaes o relato de dois princípios seguidos pelos índios brasileiros, entendi de onde vinha minha atitude: 1- Índio não delega poder, ou seja, não obedece. Ouve e discute, se aceitar, e apenas nesse caso, faz; 2- Índio não esconde informação importante para o restante da tribo. Foi na violência a esses princípios que os males da civilização tiveram início. O jornalista está muito amargo e descrente em relação à civilização. Eu vejo sempre a capacidade de resgatar belos valores.

…..

CLASSIFICANDO O ENVOLVIMENTO DAS PESSOAS COM AS LUTAS SOCIAIS

….

Deixando completamente de lado os GOVERNOS—até por que os movimentos em função da autonomia e crítica (individual e da sociedade) serão entendidos por qualquer governo, com razão, como contrários a ele —a grande questão passaria a ser: como intensificar a própria influência sobre uma sociedade em geral, de maneira a “arrastar” os governos no sentido do interesse social? Antes de mais nada, há que estudar e tentar classificar a situação das pessoas (em cada sociedade) do ponto de vista de sua sensibilidade aos argumentos e práticas desenvolvidas nas lutas sociais. Para isso, imaginemos uma série de círculos concêntricos, colocando no centro as pessoas com “Envolvimento Total”: aquelas que sentem a participação em movimentos populares como prioritária em suas vidas e pertencentes a partidos e/ou Associações. Façamos uma distribuição das demais pessoas, nos círculos mais externos, tomando o critério “nível de envolvimento com as lutas sociais” como referência. Resultaria então: quanto mais próximo do centro, maior o envolvimento. Assim, no segundo círculo estariam aquelas pessoas que se informam dos movimentos, participam eventualmente deles; dão apoio de diversos tipos, mas esse não é o foco principal de suas vidas. No terceiro, pessoas que se interessam pela política, mas cujo envolvimento direto (corporal mesmo) é pequeno, e assim por diante. No último círculo encontraríamos as pessoas que gostam dos governos em geral, adoram a R. Globo e atacam qualquer tipo de movimento social, chamando quem deles participa de “baderneiros”, desocupados, etc.

….

Qualquer pessoa que perguntasse, aos membros do primeiro círculo, qual seu principal objetivo, no que diz respeito à distribuição das pessoas nesses mesmos círculos, tenho certeza de que ouviria: atrair para lá o maior número possível de pessoas. É EXATAMENTE AQUI QUE SE ENCONTRA O SEU PIOR ERRO. E o que é pior: se o objetivo não é bom (mais se parecendo com as CATEQUESES RELIGIOSAS), as práticas que dele derivam são piores ainda, pois essas pessoas terminam por se relacionar apenas com quem pensa (ou atua) da mesma maneira. É mais uma forma de alienação. Não percebem que, com isso, perdem muito da capacidade de influenciar o restante da sociedade. O comum das pessoas poderia olhar o resultado (pessoal) daquele envolvimento total como um ET. Estou certo de que, eventualmente e em certas situações, alguém que está no terceiro círculo—por se relacionar com muitas pessoas de diversos círculos e por não ser conhecido como muito “radical”—poderia ter um papel muito mais produtivo nas lutas sociais do que uma que “pertencesse” ao primeiro. Ademais, é bom que o tal círculo continue a existir e que existam pessoas dos mais variados matizes ideológicos. Não devemos querer eliminar nada!

…..

Tenhamos algo bem claro: sem pessoas com esse alto nível de envolvimento e dispostas a dirigir as Associações de classe, as lutas sociais seriam levadas de roldão. Quando, porém, elas se isolam em uma espécie de “gueto”, perdem poder de influência. Tudo isso para dizer: ampliemos sempre os nossos gostos, interesses e contatos com pessoas diferentes. Mas, para isso, é imprescindível que gostemos daquilo de que a gente simples do povo também gosta. No nosso caso: samba, carnaval, futebol, praia, forró, etc. (é verdade que de algumas coisas, é difícil). Não vou falar mal daqueles intelectuais aos quais esse gosto não é dado, mas, por favor, que não destratem o gosto popular e que procurem entender a riqueza de suas manifestações. É essa ampliação de gostos e relações—que passa por um interesse nos seres humanos, cada um em particular—que há de também ampliar o efeito de toda ação social.

….

Por fim, quando resgatei o velho refrão dos anarquistas “Hay gobierno…? Soy contra!”, foi a partir de uma perspectiva um pouquinho diferente: reconheço a importância da existência da existência dos governos, por isso acrescentaria ao famoso dito: “…Pero no los quiero (necesariamente) hundir!”. Quem sabe até não ficarei reconhecido para com a “Providência” por existirem pessoas com esse interesse em governar (se pudessem não roubar, seria ótimo)? Em princípio, não tenho qualquer atitude de hostilidade a esses governos (até que comecem a surgir tendências por demais perversas ou de graves manipulações). Só para que se tenha uma idéia da aplicação desses princípios, o governo Lula conseguiu a proeza da distribuição de renda e da afirmação brasileira no mundo. Será lembrado por isso. Já em relação a Dilma (apesar de concordar, em linhas gerais, com sua política econômica de resistência às grandes corporações e com sua política externa), especialmente nas áreas de interesse social (onde atuo), que desastre!

….

SAMBA: “FOI A COMUNA QUE PARIU”

….

Seguindo no mesmo espírito, estive em um encontro/desfile de um pequeno (ainda) bloco que tem aquele nome, na Cinelândia, local onde as esquerdas dos anos 1960 se encontravam e onde sofreram sua pior derrota. Muitas daquelas pessoas têm hoje filhos envolvidos nas lutas que se travam em bases bem diferentes. Desde a Rev. Francesa, as grandes revoltas que mudaram o mundo tiveram, pelo menos no início, um caráter de FRENTE (unindo diferentes classes sociais e matizes ideológicos). Aquela que E. Delacroix imortalizou (1830) ficou conhecida por “Revolução do Jornalistas”, uma vez que a monarquia restaurada tentara acabar com a liberdade de imprensa. Que ironia! Hoje, os jornalistas perderam a liberdade dentro das proprias redações! O Samba que aí vai é uma homenagem especial a Maria Inês Bravo que, além de manter vivos os “Foruns e Frentes que hoje empolgam o Brasil”, deu ao mundo uma segunda geração com envolvimento parecido.

[audio:http://www.ipub.ufrj.br/cultura/wp-content/uploads/2013/05/Cumuna-que-pariu.mp3]

FOI A COMUNA QUE PARIU

(“A Liberdade Guiando o Povo”- E.Delacroix)

Foi a Comuna que pariu

Foruns e Frentes que hoje empolgam o Brasil
Nos anos mil oitocentos e setenta
Com barricadas quase tomou toda Paris
Agora a Fênix se renova e reinventa (e)
Com luta e batucada, tá tomando o meu país.

(FOI  A COMUNA QUE PARIU!)

Prá isso, a Liberdade
Voou bem alto, cruzou os mares
Buscando um povo prá salvar a Humanidade
Uma boa Terra prá deitar boa raíz. (assim)
Invade casas, procissões, ruas e bares
Dizendo a todos: “Só na luta se é feliz!”

(REFRÃO)

Vem abrir! Oh Liberdade!
Suas asas sobre nós
Que a gente tá com saudades
De escutar a sua voz.
Vem pairar, Oh, Liberdade
Sobre nós aqui de novo
Mostrar a generosidade

Dos seus seios para o povo!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *